Capítulo 1. O que significa pacificar as favelas? 76011 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro: Uma análise da transformação do dia a dia das comunidades após o processo de pacificação das UPPs Setor de Desenvolvimento Sustentável Unidade de Desenvolvimento Social Região da América Latina e do Caribe Documento do Banco Mundial 1 Siglas ADA Amigos dos Amigos AISP Áreas Integradas de Segurança Pública BOPE Batalhão de Operações Policiais Especiais OC Organização comunitária CEDAE Companhia Estadual de Águas e Esgotos CESEC Centro de Estudos de Segurança e Cidadania COMLURB Companhia Municipal de Limpeza Urbana CNPJ Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica CCS Conselho Comunitário de Segurança CV Comando Vermelho DPO Destacamento de Policiamento Ostensivo EMOP Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro FAETEC Fundação de Apoio à Escola Técnica FIRJAN Federação das Indústrias do Rio de Janeiro GPAE Grupamento de Policiamento de Áreas Especiais IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDS Índice de Desenvolvimento Social IETS Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade IPP Instituto Pereira Passos IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano ISP Instituto de Segurança Pública ONG Organização não governamental PAC Programa de Aceleração do Crescimento PMERJ Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro PPC Posto de Policiamento Comunitário PT Partido dos Trabalhadores SEASDH Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SESCON Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis SESI Serviço Social da Indústria TC Terceiro Comando UPP Unidade de Polícia Pacificadora Vice-presidente: Hasan A. Tuluy Diretora de país: Deborah L. Wetzel Diretor de setor: Ede Jorge Ijjasz-Vasquez Gerente de setor: Maninder Gill Líder de setor: Gregor Wolf/ Paul Kriss Líder da equipe de trabalho: Rodrigo Serrano-Berthet Índice Agradecimentos............................................................. 9 Resumo executivo.......................................................... 11 Capítulo 1. O que significa pacificar as favelas?................... 21 a. UPP: uma chance de romper com a história................... 22 b. Objetivos e metodologia........................................... 24 Capítulo 2. A UPP e o histórico do Rio com o tráfico de drogas................................................ 29 a. Vivendo sob o comando dos traficantes de drogas.......... 30 b. Tentativas frustradas de recuperação do controle territorial.............................................. 34 c. UPP: um novo começo?............................................. 37 d. O que torna a UPP diferente de políticas anteriores?....... 43 Capítulo 3. A importância da história: situando os estudos de caso......................................... 49 a. Compreendendo as trajetórias das favelas.................... 50 b. A favela do Chapéu................................................... 55 c. A favela do Pavão..................................................... 58 d. A favela do Borel..................................................... 60 e. Manguinhos: a “Faixa de Gaza”................................... 62 Capítulo 4. A redefinição das interações na comunidade........................................................... 68 a. A liberdade de ir e vir e viver sem medo........................ 70 b. A regulamentação da alegria e do lazer da comunidade... 73 c. Mediação de conflitos............................................... 77 d. Aspirações e modelos............................................... 79 Capítulo 5. Pacificar a polícia?.......................................... 83 a. Variedades de comportamento da polícia..................... 84 b. A importância dos plantões....................................... 88 c. A UPP vai continuar depois das Olimpíadas?.................. 91 Capítulo 6. Integrando os moradores de favela na cidade (e na cidadania)?......................................... 95 a. A regularização dos serviços públicos.......................... 96 b. Acesso a programas sociais e oportunidades de desenvolvimento econômico...................................... 102 c. Integração simbólica – lidando com o estigma da favela.. 108 d. Integração demasiada? Ou medo de “remoção branca”?.. 110 Capítulo 7. Os efeitos da UPP nas regiões sem a UPP: o caso de Manguinhos.................................................. 115 a. Efeitos imediatos e concretos das UPPs........................ 117 b. Falando (e silenciando) sobre as UPPs em Manguinhos.... 118 Capítulo 8. Conclusões para políticas públicas e pesquisas futuras..................................................... 123 a. A UPP levará a um novo tipo de relação entre a polícia e a favela?.................................................. 125 b. A UPP levará a uma transformação sustentável da política de segurança pública do Rio de Janeiro?........ 128 c. A UPP possibilitará a integração das favelas com as outras partes da cidade?.................................................... 129 d. A necessidade de um vigoroso programa analítico.......... 133 Bibliografia................................................................... 136 Anexo I – Perfil dos estudos de caso.................................... 143 Tabelas e mapas Tabela 1. Critérios para seleção de estudos de caso com UPP...................................................... 26 Mapa 1. Cidade do Rio de Janeiro e favelas com UPPs em março de 2012, por ordem de implementação........... 42 Índice dos quadros Quadro 1. O que é uma favela?....................................... 33 Quadro 2. GPAE: Tentativa de policiamento comunitário em resposta à intensificação dos conflitos na década de 2000................................................... 36 Quadro 3. A UPP e o crime nas favelas............................. 39 Quadro 4. Duas gerações de lideranças na Babilônia, favela do Chapéu: Dona Percília e Palô......................... 56 Quadro 5. Um estudo qualitativo sobre a regularização de mototáxis na favela do Chapéu............................... 101 Quadro 6. O Bar do David.............................................. 106 Ilustração com base em fotos de Rich Press Agradecimentos E ste relatório foi elaborado por uma equipe liderada por Rodrigo Serrano-Berthet e integrada por Flávia Carbonari, Mariana Cavalcanti e Alys Willman. O material empírico e parte da análise foram elaborados a partir de um relatório de base encomendado ao Departamento de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), liderado pelo professor Marcelo Burgos. Janice Perlman prestou consultoria para a conceituação do projeto de pesquisa, além de orientação e feedback para o trabalho de campo e a elaboração do relatório de base. A pesquisa de campo foi conduzida por Mauro Amoroso (Borel), Mario Brum (Chapéu Mangueira/Babilônia), Luiz Fernando Almeida (Pavão Pavãozinho/ Cantagalo) e Mariana Cavalcanti (Manguinhos). Mila Lo Bianco, Camila Tinoco, Kristina Rosales, Marcele Sótenos e Talita São Thiago proporcionaram um apoio essencial à pesquisa e ao trabalho de campo. Melissa Abla Steinbruck, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), foi responsável pelas discussões de grupos focais. O apoio das assistentes comunitárias de pesquisa Cláudia Sabino, Consuelo Nascimento, Gleide Guimarães Alentejo, Monique Rocha e Tâmara Silveira foi essencial para permitir a identificação e o acesso aos moradores das favelas, além de facilitar o trabalho de campo. Maninder Gill foi a responsável pela coordenação e diretrizes gerais. Makhtar Diop, Sameh Wahba e Tito Cordella contribuíram com conselhos e comentários valiosos e detalhados durante todo o processo. A equipe também agradece as contribuições dadas por Laura Chioda, Silvia Ramos (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, CESEC) e Mauricio Blanco (IETS) durante um seminário de autores no qual os resultados preliminares foram apresentados; o trabalho dos revisores Bernice van Bronkhorst, Nora Dudwick, José Brakarz e Michael Woolcock; o excelente apoio administrativo fornecido por Maribel Cherres; e o apoio editorial prestado por Rachel Nadelman. O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro 10 Capítulo 1. O que significa pacificar as favelas? Resumo executivo 11 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro P or muitos anos, o Rio de Janeiro manteve a dúbia distinção de ser uma das cidades mais bonitas e, ao mesmo tempo, uma das mais perigosas do mundo. As extensas praias e os hotéis cinco estrelas da cidade estão ao lado de favelas que se espalham pelos morros e, até recentemente, apresentavam taxas de homicídio entre as mais altas do mundo. Com o aumento do comércio global de drogas na década de 1980, muitas das favelas do Rio foram tomadas por gangues de traficantes que passaram a controlar praticamente todos os aspectos da vida econômica e social. Durante várias décadas, o estado do Rio de Janeiro tentou, sem sucesso, estabelecer presença permanente nas favelas – sempre entrando com uma ofensiva baseada na força e, de forma igualmente abrupta, retirando-se novamente. Este relatório conta a história de como o Rio tenta romper com a história e estabelecer um novo tipo de presença do Estado em suas favelas. Em 2008, o governo estadual do Rio de Janeiro inaugurou as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) com o objetivo de recuperar o controle de territórios tomados pelo crime organizado, desarmando o tráfico de drogas e permitindo a integração social, econômica e política das favelas com a cidade. Essa pacificação tinha como meta transferir o controle das favelas das gangues de traficantes e milícias para o Estado brasileiro – literalmente de um dia para o outro – e proporcionar aos moradores o mesmo tipo de direitos de cidadania de que goza o resto da cidade. Este relatório documenta, com base nas opiniões dos próprios moradores, a transformação da vida nas favelas em função do trabalho de pacificação das UPPs. Até agora, os estudos de UPPs consistiram em grande parte de levantamentos de base sobre a qualidade de vida no momento da entrada da UPP ou em análises quantitativas sobre as alterações dos índices de criminalidade e preços de imóveis com base em dados secundários. Este estudo teve como objetivo preencher lacunas informativas ao documentar como os moradores sentiram a chegada da UPP e o que eles consideram que tenha sido o “efeito UPP”. Os resultados buscam fornecer bases informativas com vistas à implantação de UPPs em mais favelas nos próximos anos. O relatório explora percepções de mudanças em três áreas principais: (i) as interações sociais e a vida comunitária dentro da favela, (ii) a relação dos moradores com a polícia e (iii) a integração das favelas com a cidade como um todo em termos de serviços públicos, oportunidades econômicas e desestigmatização. 12 Resumo executivo Este estudo utilizou uma abordagem qualitativa e de estudos de caso. Ele consistiu em observações, grupos focais e importantes entrevistas com informantes em quatro favelas. O trabalho de campo foi realizado entre fevereiro e outubro de 2011. Entre as quatro favelas selecionadas como estudos de caso, três receberam a UPP em diferentes momentos: Babilônia/Chapéu Mangueira em 2008, Pavão-Pavãozinho/Cantagalo em 2009 e Borel/Casa Branca em 2010. A quarta, Manguinhos, não havia recebido uma UPP até a conclusão do trabalho de campo e deste relatório. Naquele momento, ela permanecia em grande parte sob o controle do tráfico. Por esse motivo, foi incluída como um caso de controle.1 Assim, o relatório fará referência a Manguinhos como o caso sem UPP. Os estudos de caso foram selecionados para maximizar a variação em termos de (i) momento de entrada da UPP (para captar possíveis alterações da estratégia da UPP), (ii) contexto geográfico e socioeconômico em que as favelas foram localizadas (a rica Zona Sul, a classe média e a pobre Zona Norte) e (iii) exemplos anteriores e atuais de projetos de obras públicas. O estudo segue a abordagem territorial mais ampla quanto ao desenvolvimento urbano e social apoiada pelo Banco Mundial tanto no estado quanto na cidade do Rio de Janeiro, para a qual a aliança histórica entre os governos federal, estadual e municipal no Rio vem sendo crucial. Por meio de diferentes mecanismos de financiamento (por exemplo, empréstimos para políticas de desenvolvimento, serviços de consultoria e assistência técnica),2 o Banco vem ajudando o Rio a reforçar uma abordagem integrada e multissetorial para o crescimento sustentável do território. Esses projetos vêm sendo concentrados em fortalecer o planejamento e a gestão do crescimento urbano na região metropolitana, promovendo a oferta de habitação a preços acessíveis, com acesso a infraestrutura e serviços, e apoiando a implantação de um programa de desenvolvimento social direcionado e abrangente para as populações urbanas de baixa renda. Em consonância com a pauta de desenvolvimento social, o Banco vem apoiando a UPP Social desde a sua concepção, em 2010, por meio de assistência técnica 1 Manguinhos foi ocupada pela força do Estado no dia 14 de outubro de 2012 e deve ter a inauguração de uma UPP até janeiro de 2013. 2 Entre os projetos recentes ou em andamento estão: Rio de Janeiro Metropolitan Urban and Housing Development Policy Loan; Strengthening Public Sector Management Technical Assistance Project; Advisory Services for Integrated Urban Development in Rio de Janeiro State; Poverty and Social Impact Assessment — Characterization of the favelas; “ICT for empowering the urban poor”; e Strengthening Citizenship through Upgrading Informal Settlements. 13 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro para fortalecer a governança social e os trabalhos territoriais de monitoramento e avaliação. Essas e outras questões apoiadas pelo Banco (tais como educação, alfabetização financeira, gentrificação e falta de oportunidades de geração de renda) estão relacionadas com a “segunda geração” de problemas que ainda se fazem presentes ou estão por vir após a pacificação das favelas. Além disso, o Banco também tem apoiado o governo federal quanto ao trabalho social que faz parte das iniciativas de urbanização de favelas. A construção do Estado e da comunidade é uma parte fundamental do trabalho social e de infraestrutura que está sendo desenvolvido nas favelas. Finalmente, outro trabalho analítico está em andamento para avaliar se o programa das UPPs e a UPP Social apresentam sobreposições com os níveis de pobreza e acesso a serviços sociais na cidade. A vida com a UPP: Qual é a diferença? As percepções sobre a UPP parecem ser influenciadas pelo histórico que cada favela tinha com os traficantes de drogas e a polícia antes da chegada da própria UPP. Apesar das muitas semelhanças no que se refere às percepções sobre a UPP em cada favela, o trabalho de campo revelou padrões distintos entre elas. Em termos simples, quando o histórico recente era dominado por conflitos com traficantes de drogas, as percepções da UPP tenderam a ser mais positivas (Chapéu). Quando era dominado por conflitos com a polícia, as percepções tenderam a ser mais negativas (Pavão). Quando era dominado por intenso conflito com traficantes de drogas e policiais, as percepções combinaram fortes sentimentos de alívio com intensa preocupação sobre o futuro e o retorno dos traficantes de drogas (Borel). Apesar dessa variação, houve uma série de pontos em comum em todas as favelas em termos de: (i) interações sociais e vida comunitária dentro da favela: A principal mudança associada à vida com a UPP foi a possibilidade de os moradores andarem pela favela com muito mais liberdade. As mães disseram que estavam aliviadas por poderem buscar os filhos a pé na escola, sem medo de acabar em meio ao fogo cruzado entre gangues rivais ou a polícia. Já os pais mencionaram o surgimento 14 Resumo executivo de novos exemplos para os filhos, que agora podem caminhar pelas favelas sem estarem expostos a armas (em uso) e violência. Outros descreveram como, pela primeira vez em muito tempo, estão aprendendo a dormir a noite toda sem ficarem atentos a tiros nem precisarem estar prontos para esconder as famílias debaixo da cama. O processo de pacificação também redefiniu a vida da comunidade de muitas outras maneiras – algumas intencionalmente, outras de modo acidental ou inevitável. Uma dessas maneiras é a regulamentação da “diversão” e do lazer da comunidade, assunto que divide opiniões. De um lado, há a população de jovens, insatisfeita com a falta de atividades após a proibição dos famosos bailes funk, que durante décadas definiram grande parte da cultura das favelas; de outro, há os trabalhadores, que aceitaram de bom grado os fins de semana silenciosos. O estudo também descobriu que, com frequência, os policiais das UPPs são chamados para cumprirem um papel de mediação em conflitos entre vizinhos, posição exercida anteriormente pelos traficantes de drogas. No fundo dessas questões está a definição ainda obscura dos limites do envolvimento legítimo da UPP em assuntos da comunidade. Enfim, há também uma transformação das manifestações culturais e sociais, com representações simbólicas de violência e poder sendo substituídas por outras de paz e cidadania. (ii) a relação dos moradores com a polícia: A UPP tem o potencial de melhorar a relação de moradores de favelas com a polícia e de redefinir a cultura da polícia do Rio de Janeiro. Talvez o achado mais importante sobre este tema seja o de que, embora a UPP represente uma tentativa de trazer a paz para as favelas para quem vê de fora e para a narrativa oficial, na visão da maioria dos moradores a UPP representa uma tentativa por parte do Estado de pacificar a polícia. No entanto, alguns casos de abuso que foram relatados mostram que esse novo relacionamento ainda precisa ser institucionalizado. Embora reconheçam a mudança do comportamento da nova polícia, os moradores em geral também enfatizam que essa nova relação “depende do plantão” de cada policial ou capitão. 15 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro (iii) a integração das favelas à cidade em um âmbito mais amplo: As expectativas da integração total dos moradores das favelas com a cidade propriamente dita parecem estar materializando- se lenta e gradualmente. Em algumas dimensões, como na regularização dos serviços públicos e no acesso a programas sociais, as mudanças são mais evidentes. O esforço de pacificação criou um ambiente mais seguro, em que serviços sociais em maior quantidade e qualidade – do fornecimento regularizado de eletricidade e água até creches, escolas e postos de saúde – podem agora funcionar, e no qual os investimentos do setor privado podem florescer. Ainda existe, é claro, a necessidade de melhores escolas, mais professores qualificados, postos de saúde e geração de empregos. Mas a realidade de hoje apresenta uma clara melhoria em relação à época do controle das gangues, na qual os serviços sociais eram mínimos e sujeitos a fechamento de acordo com os desejos do chefe do tráfico de drogas. Em outras dimensões, no entanto, esses serviços ainda estão iniciando. Seria possível dizer que a UPP resultará em aumento de oportunidades econômicas e de desenvolvimento para as favelas, embora ainda seja muito cedo para saber com certeza. Novos negócios foram abertos, e os antigos ganharam novos consumidores – desde trabalhadores da UPP e do PAC até turistas e outros moradores do Rio, que agora se sentem seguros para subir os morros que antes eram zonas proibidas para o resto da cidade. Mas os moradores mostraram um otimismo cauteloso sobre esse novo fluxo, que representa a abertura de um processo pelo qual parte do estigma ligado a eles talvez esteja diminuindo. Ao mesmo tempo, os esforços das UPPs para “regularizar” muitas empresas informais também foram recebidos de diferentes maneiras, trazendo a preocupação de que a regularização poderia representar a ruptura de uma das principais fontes de emprego para os moradores da favela. Alguns vendedores ambulantes, carpinteiros, pequenas empresas, bares, salões de beleza e outros prestadores de serviços locais preocupam-se com a possibilidade de serem forçados a abandonar seus negócios caso sejam obrigados a registrar-se e pagar impostos. Ao mesmo tempo, o custo de vida nas favelas pacificadas está subindo à medida que os serviços urbanos (que, anteriormente, estavam disponíveis a um custo mínimo, por meio de conexões piratas) são formalizados. Além disso, em algumas dessas áreas, os preços dos imóveis começaram a crescer, reforçando 16 Resumo executivo os temores reais dos efeitos perversos da gentrificação – o que os moradores chamam de “remoção branca”. O cumprimento das metas da UPP, que vão além da segurança e do controle territorial e têm como objetivo a integração social e econômica das favelas, vai depender em grande parte da criação de empregos que permitam às pessoas arcarem com esses novos custos e substituírem as antigas fontes ilícitas de renda – especialmente no caso dos jovens. O ceticismo sobre a extensão da atenção do Estado aos problemas da favela é abundante, embora seja maior em algumas comunidades do que em outras. Manguinhos, o caso de controle, serviu durante todo o trabalho de campo como um vívido lembrete do que significa viver em um local onde a liberdade de expressão ainda é reduzida pelo tráfico de drogas e onde a desconfiança em relação à polícia e ao Estado ainda está muito arraigada. A sustentabilidade futura do programa e a consolidação de seus objetivos, com a integração definitiva de moradores de favelas ao resto da cidade e a restauração de sua cidadania, vai depender de sua capacidade de construir e manter essa nova relação de confiança. Algumas das principais implicações para as políticas públicas são: • A UPP deve personalizar a abordagem de acordo com a relação que cada favela tinha com a violência (tanto relacionada ao tráfico de drogas, quanto causada pela polícia) antes da pacificação. • A UPP deve investir em melhorar a seleção, o treinamento e o monitoramento de seus policiais para minimizar as más práticas expressas pelos moradores. • Para a UPP ser um processo irreversível, necessita tornar-se uma referência, assim inspirando uma ampla reforma das políticas públicas de segurança, orientada para os cidadãos e comunidades. Essa reforma mais ampla da segurança pública também terá de enfrentar algumas das perguntas e desafios restantes, não respondidos pela UPP até agora, tais como: o que o Estado está fazendo com os criminosos que fugiram das favelas? E quais são os planos do governo para as centenas de favelas que ainda não foram “pacificadas”? • Em termos de integração política, o governo deve reforçar a densidade associativa existente nas áreas pacificadas, para que as instituições regulares possam substituir as UPPs no médio prazo. 17 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro • Em termos de integração social, o Estado precisa dar a programas como a UPP Social o mesmo nível de atenção e recursos que tem dado às UPPs. Também precisa priorizar o desenvolvimento de programas específicos voltados para os “órfãos do tráfico de drogas”. • Em termos de integração econômica, o governo precisa minimizar a ameaça da gentrificação, com a expansão e o fortalecimento de programas que promovam criação de empregos, geração de renda e formalização das pequenas empresas já existentes, bem como a criação de novas. • Uma agenda robusta de pesquisa e avaliação aumentará muito as chances de sucesso do esforço de pacificação. A maior realização da UPP é a de abrir um espaço para imaginar, nas favelas do Rio de Janeiro, um cotidiano livre da ditadura do tráfico de drogas. A resistência e o avanço da UPP no tempo e espaço aprofundarão esse efeito, incentivando os moradores das favelas a seguirem em frente com suas vidas como se não houvesse tráfico de drogas e, dessa forma, progressivamente minando o poder do tráfico sobre a vida da comunidade, os meios de subsistência e as expectativas futuras. Espera-se que, como consequência, um dia o Rio de Janeiro tenha orgulho de distinguir-se não só como uma das mais belas cidades do mundo, mas também como uma das mais seguras e integradas. 18 Resumo executivo 19 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro 20 Capítulo 1. O que significa pacificar as favelas? Capítulo 1. O que significa pacificar as favelas? 21 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro a. UPP: uma chance de romper com a história Este relatório conta a história de um momento decisivo na vida do Rio de Janeiro, o momento em que a paz e o estado de direito começaram a retornar às favelas. A cidade do Rio de Janeiro, conhecida como “cidade maravilhosa”, sempre cativou a imaginação das pessoas em todo o mundo. Nas últimas décadas, no entanto, as altas taxas de criminalidade e violência, impulsionadas por um florescente comércio de drogas, levaram o Rio a ser visto como um lugar muito perigoso e dividido. Boa parte dessa violência e criminalidade concentrava-se nas favelas – povoações informais espalhadas pela cidade. Durante várias décadas, o Estado brasileiro procurou – sem sucesso – exercer sua presença nas favelas por meio de incursões policiais periódicas. Em 2008, o Brasil rompeu com essas tentativas do passado e lançou um ambicioso programa de proximidade policial e de desarmamento, chamado Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), com o objetivo de recuperar o controle dos territórios do crime organizado, desarmar os traficantes de drogas e criar condições para a integração social, econômica e política das favelas na cidade. Este relatório é a história dessa iniciativa a partir do ponto de vista dos moradores das favelas. A vida nas favelas nunca foi fácil, mas o crescimento do tráfico de drogas deixou-a mais complicada do que nunca. Com a chegada da cocaína ao Rio de Janeiro durante os anos 1980, o tráfico de drogas surgiu como um empreendimento altamente rentável que necessitava de um mercado interno e de locais para reembalagem. As favelas do Rio de Janeiro, onde a presença do Estado nunca havia sido bem estabelecida, eram territórios extremamente desejáveis para gangues de traficantes buscando constituir um negócio. Com o aumento de escala do tráfico de drogas, que anteriormente era algo menor e envolvia principalmente o cultivo caseiro de maconha, passou a ser necessário um controle altamente organizado e hierárquico sobre o território em que um “dono” (o traficante) impõe sua própria lei sobre os moradores para proteger a favela da infiltração da polícia (Dowdney, 2003). Há mais de 25 anos, o domínio dessas gangues afeta as condições de vida, o acesso a serviços, o capital social e a maneira como os moradores das favelas são vistos por quem é de fora, diminuindo 22 Capítulo 1. O que significa pacificar as favelas? as possibilidades de mobilidade social e espacial (Perlman, 2010). Embora forneça favores ocasionais a alguns moradores para mostrar benevolência, o tráfico ocupou o lugar dos líderes eleitos livremente pelas associações de moradores, mantendo controle ditatorial sobre as comunidades por meio do uso excessivo e arbitrário da força. A punição por comportamentos suspeitos ou desleais, bem como por crimes menores dentro da favela, como o roubo, é rígida e pode variar da expulsão da favela a uma bala na mão ou no pé, ou até a morte (Arias, 2006). Os efeitos desse controle são devastadores para a maioria das pessoas que vivem nessas áreas. Em um estudo longitudinal da vida nas favelas ao longo dos últimos 40 anos, Perlman (2010) mostra que, com a chegada dos traficantes, a maior parte dos moradores passou a sentir-se mais marginalizada e excluída do que nunca, além de dizer que tinha menos poder de barganha do que na época da ditadura. A maior mudança no dia a dia foi ter de viver com medo de morrer no fogo cruzado entre gangues de traficantes rivais ou entre as gangues e a polícia, pois o comércio de drogas e armas cresceu, e a violência fatal tornou-se um fato comum do cotidiano. Quase uma em cada cinco pessoas nesse estudo relatou que um familiar já foi vítima de homicídio. A estimativa da taxa de homicídios de jovens em favelas é sete vezes maior do que no resto da cidade (Perlman, 2010). Com a aprovação da candidatura do Rio de Janeiro para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, a confirmação do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014 e o fato de que os olhos do resto do mundo estarão sobre a “Cidade Maravilhosa”, tornou-se uma prioridade política mudar esse quadro e superar a infame reputação de uma cidade bela, mas terrivelmente violenta. Em 2006, um grupo formado pela alta cúpula do governo estadual, pelo setor de inteligência e por líderes influentes do setor privado começou uma séria discussão sobre as possíveis soluções para o dilema da segurança pública da cidade. Depois de um ano estudando gestões de segurança pública bem-sucedidas em outras cidades do continente americano, eles concluíram que, para avançar, a primeira ação precisaria ser uma retomada definitiva dos territórios perdidos para o tráfico, seguida pela instalação de policiamentos preventivos permanentes.3 Como resultado, temos as UPPs. A colaboração necessária entre o governo municipal, estadual e federal foi possível devido a uma afortunada 3 Os bastidores dessa história são pouco conhecidos — a equipe de pesquisa descobriu-os por meio de conversas em reuniões com pessoas importantes da comunidade empresarial e do governo. Até onde se sabe, não há nenhum material escrito sobre o assunto, e ninguém o discute ou se responsabiliza por ele. 23 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro aliança entre os partidos políticos em cada nível – uma ação pioneira desde o retorno das eleições diretas, em 1985. O programa também foi fortemente apoiado pelo setor privado e pelos meios de comunicação, além de recebido com otimismo pelo público em geral, cansado da incapacidade do Estado no que tange à garantia de segurança pessoal e à cumplicidade evidente entre as gangues, a polícia e o judiciário. Existem atualmente 28 UPPs na cidade, abrangendo mais de 100 comunidades e afetando mais de 400 mil pessoas. Mais de 3,5 mil policiais fazem parte do programa. O governo estadual espera ter unidades operando em 40 desses territórios, atingindo um total de 750 mil beneficiários e utilizando 12 mil policiais até 2014. A UPP Social, a fase de desenvolvimento social do programa, concebida pelos governos estadual e municipal para coordenar as intervenções de desenvolvimento social e urbano nas favelas, está ativa em todas elas.4 A UPP já foi reconhecida, no Brasil e no exterior, como uma iniciativa muito promissora, e este relatório aponta o mesmo. No entanto, a fim de ser consolidado como uma política efetiva, o programa terá de resolver, em longo prazo, várias questões desafiadoras, muitas das quais são discutidas neste estudo. O programa já serviu de inspiração a outros países onde os cartéis de drogas mantêm um controle significativo sobre os territórios e as vidas das pessoas. Porém, dado o contexto específico das favelas do Rio de Janeiro, serão as medidas de acompanhamento a serem tomadas com a UPP – para manter a paz e promover o desenvolvimento após a reconquista do território – que poderão ser repetidas em outros países. b. Objetivos e metodologia Este projeto de pesquisa foi realizado no início de 2011 para explorar as perspectivas dos moradores das favelas sobre essa nova e ousada iniciativa do governo. Especificamente, o objetivo é compreender as transformações que ocorrem nas condições de vida das favelas do Rio de Janeiro depois da implantação da UPP, explorando a forma como o programa está afetando o cotidiano dos moradores das favelas e como eles estão lidando com a nova situação. O estudo explorou percepções de mudanças em três áreas 4 Dados obtidos com a equipe da UPP Social em dezembro de 2012. 24 Capítulo 1. O que significa pacificar as favelas? principais: (i) as interações sociais e a vida comunitária dentro da favela, (ii) a relação dos moradores com a polícia e (iii) a integração das favelas com a cidade como um todo em termos de serviços públicos, oportunidades econômicas e desestigmatização. O trabalho de campo também sondou os moradores sobre as perspectivas para o futuro: expectativas, esperanças e receios, além de sugestões sobre o que gostariam que fosse feito. Os resultados da pesquisa fornecerão dados para a UPP Social e servirão de base informativa para a rápida implantação de UPPs em outras favelas, conforme programado para os dois próximos anos. Vários estudos e pesquisas foram realizados com medidas quantitativas, mas sem abordar os impactos do programa sobre a dinâmica das comunidades e a maneira como a política se desenvolveu em cada uma delas. A maior parte dos estudos produzidos até agora se baseia em dados secundários e analisa principalmente estatísticas de criminalidade, serviços e indicadores socioeconômicos, porém não busca descobrir as opiniões dos moradores das favelas. Este projeto de pesquisa foi feito para preencher essa lacuna de compreensão, descrevendo as transformações que ocorrem na vida dos moradores das favelas a partir de seus próprios pontos de vista. A análise segue um estudo qualitativo desenvolvido com o propósito de compreender a perspectiva dos moradores. A estrutura da pesquisa é baseada em quatro estudos de caso de favelas, em diferentes estágios de implementação da UPP. Os dados foram coletados por meio de pesquisas de campo realizadas de fevereiro a outubro de 2011. Três dos locais de estudo de caso compõem o programa de UPP. O quarto caso foi incluído como caso de controle. Esse caso não tem UPP e permanece sob o controle de traficantes de drogas armados, com taxas de homicídios comparáveis às de guerras civis, além das mortes adicionais de usuários de crack.5 As três favelas com UPPs foram selecionadas com base em discussões com os funcionários do governo responsáveis pelo desenvolvimento do programa UPP Social,6 na época em que este estudo estava sendo projetado. Eles estavam interessados em descobrir se havia diferenças significativas na abordagem da UPP ou na reação das comunidades na época em que o programa 5 Consulte ROSALES, Kristina e BARNES, Taylor. New Jack in Rio — Six years ago, crack cocaine was virtually unheard of in Brazil. Now it’s out of control. Foreign Policy, 11 de setembro de 2011. (http://www.foreignpolicy.com/articles/2011/09/14/new_jack_rio) 6 A UPP Social é o braço de desenvolvimento social do programa de UPPs. Ele busca coordenar serviços sociais e prover infraestrutura nas favelas pacificadas, assim ajudando-as a integrar-se ao resto da cidade. (Ver seção 2.c) 25 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro de UPPs começou em cada uma delas. A partir disso, selecionamos Babilônia/Chapéu Mangueira, como um dos iniciantes (2008); Pavão- Pavãozinho/Cantagalo, como um caso intermediário (2009); Borel/ Casa Branca, que é mais recente (2010), e Manguinhos, na época do trabalho de campo ainda não pacificada, como a comunidade de controle. Esse conjunto de casos também proporcionou variação em termos de: (i) localização (Norte e Sul), (ii) tipo de vizinhança das favelas (rica, classe média e pobre), e (iii) engajamento anterior e atual das melhorias urbanas. Sobre este aspecto, os casos foram selecionados para que pudessem elucidar a relação entre o programa das UPPs e outro programa de desenvolvimento de favelas no Rio, o PAC-Favelas (Programa de Aceleração do Crescimento em Favelas), mostrando se e como esses dois programas – UPP e PAC – afetam um ao outro. Tivemos o caso extremo de Manguinhos, com um extenso projeto de habitações e obras públicas do PAC em andamento, mas sem pacificação da comunidade. Por outro lado, Chapéu Mangueira/ Babilônia e Borel/Casa Branca tinham postos de UPP, mas não do PAC. Por fim, o Pavão-Pavãozinho/Cantagalo tem tanto UPP quanto PAC. Este relatório usa uma simplificação para se referir a essas Tabela 1. Critérios para favelas. Todas constituem complexos que abrangem mais de uma seleção de estudos de caso comunidade e, por isso, muitas vezes têm nomes longos. Para com UPP facilitar a leitura, utilizamos apenas a primeira palavra da favela para se referir à mesma (ver Tabela 1). < Ondas de criação da UPP Primeira onda Segunda onda Terceira onda Caso de controle (12/2008-06/2009) (07/2009-12/2009) (01/2010-06/2010) Casos Chapéu Mangueira/ Pavão-Pavãozinho/ Borel/Casa Branca Manguinhos Babilônia Cantagalo Nome usado no relatório Chapéu ou Pavão ou Favela do Borel ou Favela do Favela do Chapéu Pavão Borel Data de instalação das Junho de 2009 Dezembro de 2009 Junho de 2010 UPPs Local Sul/Leme Sul/Copacabana – Norte/Tijuca Norte/Manguinhos Região/bairro (bairro de classe alta/ Ipanema (bairros de (bairro de classe (bairro de classe média) classe alta/média) média) pobre) Tem PAC? Não Sim Não Sim Programa anterior de Bairrinho Favela Bairro Favela Bairro desenvolvimento urbano 26 Capítulo 1. O que significa pacificar as favelas? Dentro de cada favela, o estudo focalizou quatro grupos de maior interesse: (i) moradores da comunidade, (ii) líderes da comunidade, (iii) proprietários de empresas locais e (iv) jovens.7 Em cada comunidade, grande parte do tempo foi dedicada a ganhar a confiança dos moradores. Antes de iniciarmos as entrevistas, passamos um tempo nas comunidades, participando de discussões informais, frequentando bares ou lanchonetes locais, observando as interações entre a polícia de pacificação e membros da comunidade e participando de eventos da comunidade. Em alguns casos, os coordenadores de campo já tinham experiência na favela. Quando esse não era o caso, o pesquisador da comunidade facilitava o processo de aprendizagem e o contato com os habitantes locais. As equipes entrevistaram um total de 97 pessoas. A ideia era manter a amostra pequena, mas assegurar a diversidade de experiências e perspectivas. Tanto as pessoas cujas casas estavam perto da sede da UPP de cada favela ou das obras civis do PAC quanto as que residiam em localidades mais distantes foram incluídas, a fim de estabelecer uma mistura dos moradores das melhores partes de cada favela, bem como das mais pobres. Além disso, foram realizadas cinco discussões em grupos focais, uma por favela, com um total de 56 pessoas cada, incluindo duas separadas para Pavão-Pavãozinho e Cantagalo. Cada grupo focal contou com mulheres, homens, jovens e idosos, alguns dos quais já haviam participado de uma forma ou de outra do tráfico. É claro que a população das favelas do Rio de Janeiro, hoje estimada em 1,4 milhão de pessoas,8 permanece cética sobre até que ponto o governo, em geral, e a polícia, em particular, podem ser confiáveis no que tange a manter a palavra e aplicar a lei de maneira igualitária a todos os cidadãos. Cada tentativa frustrada de policiamento comunitário ou de proximidade contribuiu para esse ceticismo. Hoje, há uma janela de oportunidade para mostrar que, desta vez, será diferente. Nossa esperança é de que as descobertas desta pesquisa possam ajudar a fornecer bases informativas para a política pública e facilitar correções ao longo do projeto, à medida que a UPP amplia suas atividades. 7 Nas citações do relatório, os moradores estão identificados por sexo, faixa etária e atividade: liderança (comunitária ou religiosa) ou pequeno empresário/comerciante. 8 De acordo com as estatísticas do IBGE, quase 1,4 milhão de pessoas, ou 22% da população do Rio, moram em favelas, ou “comunidades irregulares e fora do padrão de habitação”. Quando comparado ao censo anterior, de 2001, este número representa um crescimento de 27,6% em dez anos – contra o crescimento de 3,4% da população no resto da cidade ao longo do mesmo período. 27 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro 28 Capítulo 1. O que significa pacificar as favelas? Capítulo 2. A UPP e o histórico do Rio com o tráfico de drogas 29 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro a. Vivendo sob o comando dos traficantes de drogas A história do Rio de Janeiro e de suas favelas não começa com o tráfico de drogas. Porém, o tráfico é o responsável pelo início da história da UPP. Uma apropriação progressiva do espaço físico e da estrutura social das favelas pelo tráfico de drogas começou em meados da década de 1980. Dessa forma, as “bocas de fumo” 9 passaram de pontos de vendas de drogas a um exemplo de soberania na favela. O termo “boca” originou-se como referência ao local em si onde as drogas eram vendidas.10 Neste caso, porém, a boca é simplesmente uma aglomeração de jovens (com muito ou pouco armamento, dependendo do horário) que podem facilmente se espalhar quando a polícia aparece. Antes da década de 1980, as bocas eram pequenos negócios que rendiam lucros amadores, comandados por velhos moradores da comunidade em seus 30 e 40 anos, cujos laços familiares e de afinidade garantiam uma relação de respeito com a população geral da favela. Em relação aos moradores, esse “respeito” dos traficantes se evidenciava na disposição em esconder as armas, na proibição do consumo de drogas nos espaços públicos das favelas e no papel de benfeitores da comunidade – por exemplo, ao comprarem medicamentos para os enfermos e idosos, ajudarem famílias em extrema necessidade econômica e assim por diante. O avanço do comércio de cocaína nas redes criminosas existentes transformou as bocas e suas relações de poder, à medida que uma nova geração de homens fortemente armados, cada vez mais jovens, até mesmo adolescentes, começou a administrar um negócio altamente rentável. Disputas com facções inimigas e incursões violentas da polícia levaram o comércio de drogas a aumentar a vigilância dentro de seus territórios a fim de proteger seus mercados. Gradativamente, essa nova estruturação do tráfico de drogas e as guerras territoriais por ela provocadas influenciaram praticamente todos os aspectos da vida nas favelas, incluindo a organização da vida associativa, o que é evidenciado pela sua interferência em associações de moradores. O resultado dessa nova estrutura é a sensação de um afastamento crescente da ordem pública e das políticas institucionais. A partir 9 “Boca de fumo” é uma expressão diretamente relacionada à atividade original das “bocas”, ou seja, o comércio da maconha. 10 Pode haver mais de uma boca em cada favela, em geral localizadas perto das áreas de acesso a pé. 30 Capítulo 2. A UPP e o histórico do Rio com o tráfico de drogas da década de 1990, as invasões violentas de certas favelas por parte de facções inimigas potencializaram a sensação de estranhamento entre o tráfico de drogas e os moradores, especialmente em áreas onde os novos líderes trouxeram ao poder o que os residentes chamam de comércio “migratório” de drogas, caracterizado por uma total falta de afinidade com a comunidade, substituindo assim as antigas relações de “respeito” por outras consideradas “predatórias”. Assim, encontramos um processo de alijamento gradual dos moradores de favelas em suas comunidades. Ao passo que, no início, os bandidos tinham o costume de esconder suas atividades ilegais, hoje eles as ostentam. Da mesma maneira, ao mesmo tempo em que o espaço da favela “pertencia” anteriormente aos moradores, hoje eles vivem no território do comércio, respeitam as regras dos traficantes e vivem sob sua autoridade (Cavalcanti, 2007). A extensão e o alcance da autoridade do tráfico de drogas ficam evidentes na chamada “lei do silêncio” nas favelas. A lei do silêncio foi desenvolvida como parte do processo histórico de proteção das fronteiras das favelas, de maneira que o comércio de drogas tivesse total controle sobre o que acontecia dentro de seu território. Regras como não roubar, não estuprar, não brigar (fisicamente) e não espancar têm como objetivo manter a polícia à margem. As regras são reforçadas pela proibição de relacionar-se com forasteiros (“alemão”) de qualquer tipo, em especial membros de outras facções de drogas ou da polícia. Qualquer violação dessas leis é resolvida “na boca”, que agora não significa mais apenas o local em si onde as drogas são vendidas, pois engloba também o sistema paralelo de ordem pública que sustenta o controle social das favelas pelo tráfico de drogas.11 Esse sistema paralelo acaba por cortar o acesso dos moradores a instituições formais legais, na medida em que disputas domésticas ou locais passam a ser resolvidas sempre pelo próprio tráfico. Resolver conflitos “na boca” significa levar reclamações ao chefe local, que julga quem está “certo” e determina punições a quem quer que considere um descumpridor das leis da favela. As punições são infalivelmente exercidas no corpo do “delinquente” para servir como um exemplo que reforce as proibições. Podem variar de espancamentos até a execução, e também incluem “avisos” que marcam o “infrator” com as marcas visíveis de sua trapaça, como no 11 Em Manguinhos, no entanto, o tráfico de drogas enraizou-se tanto que as bocas tornaram-se de fato os espaços físicos, com sofás e tendas improvisadas a fim de fazer sombra para traficantes que trabalham, literalmente, atrás do balcão. Lá e em Jacarezinho, as drogas são frequentemente vendidas em barracas originalmente destinadas a serem usadas em feiras de hortifrutigranjeiros. 31 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro caso de ladrões que levam um tiro na mão ou no pé. Os “espetáculos” que envolvem as punições variam de favela para favela, dependendo do gosto pessoal do chefe do tráfico no comando.12 O fato de a pena de morte nunca ter realmente deixado de ser uma opção nas favelas teve dois efeitos principais. Primeiramente, quase conseguiu acabar com certos tipos de crimes, como estupros e roubos. Porém, a natureza cruel da punição também significava que os moradores contrários a uma punição violenta para conflitos de pouca importância encontravam-se completamente impedidos de buscar qualquer possibilidade de mediação de conflitos. Essas dinâmicas gerais criam uma ordem extremamente precária e eternamente provisória – sempre sujeita a interrupções na forma de tiroteios – entre facções inimigas ou entre traficantes de drogas e policiais. Assim, a vida cotidiana se desdobra também na expectativa contínua do próximo tiroteio, situação que se traduz em um senso dominante de incerteza. Os tiroteios constantes produzem as estatísticas alarmantes da cidade, que resultaram de disputas territoriais entre gangues de traficantes rivais – principalmente o Comando Vermelho (CV), o Terceiro Comando (TC) e os Amigos dos Amigos (ADA) – e de conflitos entre a polícia militar e essas gangues. À medida que mais favelas caíam sob a influência dos traficantes de drogas e das milícias,13 muitos líderes eleitos de maneira legítima por suas associações de moradores eram assassinados ou forçados a ir embora. Em razão disso, as eleições das Associações de Moradores passaram a ser frequentemente esvaziadas, caracterizadas por disputas de candidatos únicos e baixo número de votantes. Em outras palavras, o efeito do tráfico de drogas sobre o cotidiano das favelas não tem relação apenas com a opressão e a proibição, mas também com o desligamento de qualquer senso de autonomia de seus moradores. 12 O sociólogo Luiz Antonio Machado da Silva usa o termo “sociabilidade violenta” para nomear esse “princípio de interação” (Machado da Silva, 2008). 13 Compostas em parte por policiais, bombeiros e agentes penitenciários corruptos, as milícias foram formadas inicialmente para preencher o vácuo deixado pelo Estado nas favelas — e obter uma fonte adicional de renda para seus membros — ao oferecerem proteção contra os traficantes de drogas aos moradores e donos de pequenos empreendimentos. Com o passar do tempo, começaram a cobrar por esses serviços e acabaram por estabelecer o mesmo tipo — às vezes até pior — de controle territorial e brutal desses territórios e suas populações. 32 Capítulo 2. A UPP e o histórico do Rio com o tráfico de drogas Quadro 1. O que é uma favela? A mesma vida sob o controle do tráfico de drogas a qual moldou o imaginário coletivo dos moradores e a narrativa dos acadêmicos e dos formuladores de políticas criou uma imagem negativa da favela para o exterior. Hoje, ao analisarmos as favelas objetivamente, é difícil identificar o que as diferencia de outros sistemas de moradia urbana de baixa renda no Rio de Janeiro, como loteamentos irregulares e conjuntos habitacionais. É difícil encontrar algum critério realmente objetivo, seja o tipo de relação jurídica com o solo urbano, o tipo de construção das habitações ou ainda as características socioeconômicas dos moradores. Em nenhuma das hipóteses a tentativa de sustentar a especificidade da forma favela resiste a um teste empírico: as favelas não são os únicos espaços de ocupação informal da terra urbana, e nem todas as áreas geralmente definidas como favela são compostas de habitações informais – é frequente encontrarmos maior índice de pobreza em loteamentos localizados na periferia do que em favelas localizadas em áreas centrais da cidade. Essa não diferenciação entre espaços populares se deve tanto aos avanços conquistados pela favela em termos de urbanização quanto à degradação de outros espaços, inclusive de bairros populares. Se a categoria “favela” não é uma descrição de características objetivas do espaço, então pode ser compreendida como um amálgama de representações. Por exemplo, quando uma pessoa é acusada de comportar-se como “favelado”, termo pejorativo usado normalmente para referir-se a uma pessoa da favela, o que isso significa? O elemento mais generalizado presente nos diferentes significados dados aos termos favela e favelado é a ausência – total ou parcial – da ordem pública, ou seja, de regras e direitos sancionados pelo Estado, entre eles o direito à segurança e à liberdade de ir e vir.14 À medida que o Rio passou a integrar ao resto da cidade essas áreas segregadas por tais misturas de representações, as pessoas de fora também começaram a usar a palavra “comunidade” – já utilizada pelos moradores de favelas. De acordo com o Instituto Pereira Passos (IPP), responsável pelo planejamento urbano do governo municipal, existem 599 favelas no Rio de Janeiro, com um total de 954 comunidades. Além disso, o IPP considera que existem na cidade outras 87 comunidades que já foram “urbanizadas”. Por outro lado, o último censo do IBGE, publicado em 2011, identifica 763 desses territórios na cidade. O IBGE define favelas como “aglomerados subnormais”. 14 Para uma visão mais profunda desse ponto, leia “What’s in a Name”, de Janice Perlman, p. 29-36 e “Toxic Terminology”, p. 36-39 em Favela (2010), e “Favela, Conjuntos Habitacionais, Bairros Populares e Outras Formas Urbanas: por uma agenda de luta pela cidade”, de Marcelo Burgos, Em: Cidades Saudáveis, Ed. Fiocruz, Rio de Janeiro, no prelo. 33 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro < b. Tentativas frustradas de recuperação do À esquerda: Pavão- Pavãozinho, vista do controle territorial Cantagalo; à direita: Cantagalo, vista do Pavão- Várias tentativas foram feitas com a intenção de alterar a Pavãozinho terrível situação descrita acima. Ao longo das três últimas décadas, (foto: Rich Press) essas políticas foram manifestadas na forma de incursões policiais periódicas e muitas vezes violentas nas favelas, muitas delas organizadas em conexão com a realização de eventos internacionais. Antes da UPP, essas políticas haviam fracassado em grande parte na tentativa de acabar com o controle de tráfico dentro das favelas e estabelecer uma presença constante. Iniciativas anteriores do Estado nas favelas, fossem por meio de programas de requalificação urbana ou de segurança pública, melhoraram as condições de vida, mas não conseguiram recuperar o controle dessas áreas, e tampouco levaram o estado de direito ou proteção aos moradores. Muitos projetos de melhoria de favelas foram experimentados. O mais ambicioso, o Favela-Bairro, começou em 1994 e continuou por três fases de cinco anos. Ele foi incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e no recém-lançado programa de melhorias Morar Carioca15. A proposta de criar um tipo diferente de força policial no Rio tem raízes nos anos posteriores ao período da ditadura, quando o legado da tortura manchou a imagem da polícia, especialmente nas favelas. Os primeiros esforços para implementar o policiamento comunitário foram realizados pelo governador Leonel Brizola, mas foram recebidos com dura resistência dentro da força policial e 15 O Morar Carioca é um projeto municipal em prol da integração à cidade de favelas e outros povoamentos informais. Foi lançado em julho de 2010 como parte do legado que a prefeitura quer deixar após os Jogos Olímpicos. O município pretende investir R$ 8 bilhões e urbanizar todas as favelas da cidade até 2025. 34 Capítulo 2. A UPP e o histórico do Rio com o tráfico de drogas agravados pelos desafios de enfrentar um comércio de drogas cada vez mais poderoso nas favelas (Soares e Sento-Sé, 2000; Soares, 2002). Os anos seguintes, durante o governo de Moreira Franco, foram marcados pela intensificação dos conflitos e pela volta das incursões policiais. Como resposta às taxas crescentes de crime entre 1987 e 1990, o Rio presenciou a consolidação de uma política de repressão que colocou em segundo plano o respeito aos direitos humanos (Soares e Sento-Sé, 2000:16; Ribeiro et al., n.d.). O início dos anos 1990 presenciou uma renovação dos esforços de policiamento comunitário e a criação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), construído para ser a elite da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ). As políticas nesses anos foram consistentes com a diretriz de respeitar os direitos humanos. Em 1991, por exemplo, o Centro de Denúncias foi criado com o objetivo de reduzir a criminalidade policial por meio de denúncias anônimas da comunidade sobre violência policial (Ribeiro, Silva e Silva, 2010). O conflito entre o crescente tráfico de drogas nas favelas e a polícia intensificou-se com as chacinas da Candelária e Vigário Geral, que tiveram grande repercussão midiática, caracterizando a brutalidade policial como um símbolo do tratamento dado pela polícia às áreas de classe popular no Rio de Janeiro.16 Políticas de policiamento subsequentes, como a “gratificação faroeste”, só colocaram lenha na fogueira. Esse incentivo financeiro, que variava de 50% a 150% do salário mensal, é tido como o responsável pela grande elevação do número de pessoas mortas pela Polícia Militar. Entre janeiro e março de 1995, a média por civil morto pelas mãos da Polícia Militar foi de 3,2 pessoas por mês. Entre junho de 1995 e fevereiro de 1996, essa média chegou a 20,55 por mês (Zaverucha, 2001; Ribeiro, Silva e Silva, 2010). Na gestão de Anthony Garotinho (1999-2002), foi adotada a iniciativa mais próxima de um precursor da UPP, a saber, o Grupamento de Policiamento de Áreas Especiais (GPAE). O GPAE surgiu como resultado da tensão intensificada e dos episódios brutais que levaram a uma considerável atenção da mídia, com o objetivo de aproximar a polícia (e o Estado, mais abertamente falando) da 16 A chacina da Candelária ocorreu em julho de 1993, quando policiais militares assassinaram seis menores de idade e dois adultos que dormiam no entorno da Igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro. No mês seguinte do mesmo ano, em agosto, policiais militares encapuzados invadiram a favela de Vigário Geral e mataram 21 pessoas (incluindo mulheres, adolescentes e homens), nenhuma delas com ficha criminal. Atribui-se a chacina a motivo de vingança devido ao assassinato de quatro policiais por traficantes locais no dia anterior. 35 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro “comunidade” por meio de programas como as Delegacias Legais (com prédios reformados), áreas integradas de policiamento e alguns programas de policiamento especializado. No entanto, a exemplo de iniciativas anteriores, o GPAE foi descontinuado por conta de denúncias de corrupção policial e por não terminar com o tráfico de drogas e a presença de traficantes armados nas favelas. Em geral, o GPAE e os programas anteriores não conseguiram controlar a violência além de alguns meses, e muitos até mesmo exacerbaram a violência por meio do conluio entre gangues de traficantes ou milícias (ISER, 2003; Arias, 2006; Perlman, 2010). Quadro 2. GPAE: Tentativa de policiamento comunitário em resposta à intensificação dos conflitos na década de 2000 O GPAE veio para substituir a breve tentativa do Mutirão Pela Paz, que durou apenas dez meses. O Mutirão Pela Paz vislumbrava não apenas a ocupação de favelas pela polícia, mas também a mobilização de diversas secretarias do governo de modo a atender às demandas sociais das comunidades ocupadas. O primeiro GPAE, em Pavão-Pavãozinho/ Cantagalo, foi instalado após a morte de cinco jovens da comunidade pela polícia, incidente que levou a protestos nas ruas de Copacabana. O segundo GPAE, em Formiga/Chácara do Céu, foi então implementado como resultado da intensificação de conflitos entre grupos rivais de traficantes na região. A morte do jornalista Tim Lopes da Rede Globo em 2002, durante a realização de uma reportagem, levou à instalação do GPAE na favela da Vila Cruzeiro (Ribeiro et al., n.d.). O programa das Delegacias Legais foi criado em janeiro de 1999 como parte do GPAE e correspondeu a um dos maiores investimentos já feitos na área de política de segurança pública em um curto período de tempo. O objetivo do programa era buscar maior eficiência e transparência no trabalho policial por meio da modernização da infraestrutura física das delegacias, assim como da informatização do seu sistema de informações e das redefinições de algumas de suas funções (Misse e Ferreira, 2010). A história das políticas fracassadas de experimentos de policiamento especializado em favelas não apenas serviu para aprofundar a desconfiança crônica de parte da população em relação à polícia, mas também pavimentou o caminho para se fazer “justiça com as próprias mãos”, algo posteriormente conhecido como milícia. Durante um breve período, esse tipo de organização contou com certo apoio da grande imprensa, que via nela uma espécie de solução endógena para o problema da ocupação territorial dos 36 Capítulo 2. A UPP e o histórico do Rio com o tráfico de drogas traficantes. No entanto, logo ficou evidente que as milícias muitas vezes aproveitavam-se das comunidades. Extorquiam “impostos” em troca de proteção, segurança e outros serviços básicos, e muitas vezes havia conluio com o tráfico de drogas. A expressão “milícias” foi adotada pela mídia e oficializada pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, realizada em 2008.17 A fim de afastar-se da manchada herança do policiamento repressivo no Rio, o programa das UPPs foi construído em torno de um conceito diferente que salientou, em primeiro lugar, a recuperação do controle territorial das favelas das mãos das gangues de traficantes e milícias e, em seguida, o restabelecimento da presença do Estado nessas áreas com um novo tipo de força policial. c. UPP: um novo começo? Após tantas tentativas e erros, o modelo da UPP usou as lições tiradas de experiências anteriores e surgiu para marcar uma clara mudança na política de segurança pública nas favelas. A “fase de pacificação” da UPP segue quatro passos básicos. Primeiro, os policiais do BOPE realizam uma maciça operação coordenada para retomar o controle da favela dos traficantes de drogas. Nas primeiras favelas a serem pacificadas, essa fase, chamada de “retomada”, foi realizada sem prévio aviso. Como resultado, as operações iniciais envolveram violentos confrontos entre gangues e policiais, com um número considerável de vítimas. Essa fase é agora anunciada com antecedência pela polícia, a fim de dar às gangues um alerta para que saiam voluntariamente ou entreguem as armas. A incursão militar abre caminho para a etapa de “estabilização”, na qual o patrulhamento da favela continua sob a responsabilidade do BOPE. A “ocupação definitiva” é, então, consolidada pelo controle da área por parte da UPP recém-inaugurada. Isso é muitas vezes acompanhado por um “choque de ordem” contra diversas formas de informalidade, de habitações precárias a camelôs. 17 O aclamado filme Tropa de Elite 2 aborda o problema das milícias nas favelas. 37 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro Sede da UPP no Chapéu- Mangueira (foto: Rich Press) < UPP Social: Levando o Estado de volta A fase “pós-ocupação” vem com a entrada da UPP Social, o braço de desenvolvimento social do programa, que busca coordenar os serviços sociais nessas áreas e integrar as favelas ao restante da cidade. A UPP Social foi lançada em agosto de 2010, sob a direção da Secretaria do Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH), dois anos depois da primeira pacificação da UPP.18 A UPP Social surgiu com base no reconhecimento de que o sucesso imediato da UPP, desarmando os traficantes de drogas nas favelas e dando às pessoas a liberdade de ir e vir em segurança, não garante a criação de condições para novas oportunidades econômicas, sociais e políticas para melhorar a vida dos moradores das favelas. Portanto, o programa UPP Social tem como objetivo consolidar a paz e promover o desenvolvimento social das favelas em longo prazo pela coordenação de vários serviços sociais. A UPP Social segue um processo de três estágios. A fase de pré- implantação começa após a retomada do território pela UPP – é aí que entra a UPP Social, com um grupo de coordenadores locais que passa até três semanas conversando com associações, lideranças e moradores em geral, para começar a identificar as demandas mais urgentes. Esse processo é seguido pela realização de um mapeamento 18 A implantação da UPP Social foi atrasada em função do remanejamento da equipe que a idealizara, desde a SEASDH até o Instituto Pereira Passos – órgão da Prefeitura do Rio de Janeiro, responsável pela gestão de dados e informações sobre a cidade. 38 Capítulo 2. A UPP e o histórico do Rio com o tráfico de drogas participativo rápido, que fornece uma avaliação socioeconômica de cada favela e aponta as prioridades a serem atendidas. Com base nesse diagnóstico inicial, o Fórum da UPP Social é realizado em cada favela, trazendo, para discutir as principais demandas identificadas e suas respectivas possíveis respostas, o presidente e funcionários do Instituto Pereira Passos (IPP), representantes de todas as secretarias municipais relevantes (saúde, educação, habitação etc. – em média, 15 a 20 setores estão presentes), lideranças locais, o comandante de polícia da UPP local e representantes do setor privado. Toda a comunidade é convidada. Os resultados desses fóruns, incluindo a lista de solicitações, participantes e acordos, são disponibilizados ao público no site da UPP Social.19 Por fim, uma equipe de coordenadores locais da UPP Social (dois ou três, dependendo do tamanho da comunidade) é permanentemente instaurada nas comunidades, realizando visitas diárias para que sirvam de mediadores entre a comunidade, o governo e outros prestadores de serviços. Quadro 3. A UPP e o crime nas favelas Os relatórios iniciais sobre os efeitos do programa têm sido positivos, sobretudo no que diz respeito a taxas de homicídio. A análise mais completa já feita até hoje abrange 11 indicadores de crime e violência, de janeiro de 2006 a junho de 2011 (UERJ e FBSP, 2012).20 O estudo mostra que as mortes violentas (por exemplo, homicídios e mortes em encontros com a polícia) diminuíram 78% em áreas de UPPs ao longo desse período, enquanto outros crimes não violentos aumentaram substancialmente, tais como ameaças (de 29,4 para 99 por 100 mil habitantes), violência doméstica (de 27 para 84,6 por 100 mil) e estupro (de 1,3 para 4,8 por 100 mil). Coordenada pelo estudioso Ignacio Cano, com décadas de pesquisas nessa área no Rio, a análise argumenta que esse tipo de crime pode ter crescido porque hoje não há poder “paralelo” de chefes do tráfico impondo a ordem brutalmente aos moradores de favelas e às suas relações com os vizinhos e familiares ou porque a denúncia de crimes intensificou-se com a chegada das UPPs. Utilizando os dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP) sobre 18 UPPs, suas vizinhanças e vizinhanças de fronteira, outro estudo de Frischtak e Mandel (2012) mostra que as UPPs levaram a uma diminuição geral de 10% a 25% dos homicídios e de 10% a 20% dos casos de roubo, com o maior declínio na vizinhança 19 http://www.uppsocial.org 20 Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) (coord. Ignacio Cano), 2012. “Os Donos do Morro: Uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) do Rio de Janeiro”. Rio de Janeiro: UERJ e Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 39 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro onde a UPP se situava e o menor declínio nas vizinhanças próximas das UPPs (vizinhanças de fronteira). Os dados também mostram que os efeitos sobre o crime também são heterogêneos entre UPPs, oscilando desde quedas de 60% a 70% nas taxas de homicídios até praticamente nenhuma queda.21 No nível da cidade, os homicídios e roubos tiveram queda em média de 15% na comparação de meados de 2009 com meados de 2011. Usando resultados de regressão para a construção de taxas de crime e estatísticas contrafatuais de toda a cidade, os autores mostram que, sem as UPPs, a queda das taxas de homicídio e roubo no Rio teria sido 14% e 20% menor, respectivamente. Os autores também descobriram que a desigualdade entre os preços residenciais diminuiu significativamente por causa do programa. Segundo o estudo, a queda da criminalidade beneficiou propriedades desproporcionalmente menos valorizadas, reduzindo as desigualdades entre as propriedades. A expansão da UPP Em seus quase cinco anos de existência, as UPPs foram gradualmente ganhando o apoio de diferentes setores da sociedade. O programa conseguiu unir grupos políticos e figuras que desempenhavam papéis opostos em relação a segurança pública, justiça social, cidadania e acesso a direitos. Em geral, a maioria dos políticos de esquerda e de direita, ativistas populares, intelectuais, líderes comunitários, entidades empresariais e meios de comunicação apoia o programa publicamente. Apesar de também existirem críticas com relação a diversos aspectos do programa, as iniciais hoje em dia famosas – UPP – tornaram-se uma marca; estão estampadas em outdoors e propagandas de ônibus, colocadas em placas de trânsito e reivindicadas por diferentes iniciativas dos governos estadual e municipal. As três primeiras favelas a receberem a UPP – Santa Marta, Cidade de Deus e Batan – foram expandidas espacialmente e representam três tipos muito diferentes de territorialidades. Apesar dessa diversidade inicial, dali em diante, o mapa de ocupação seguiu o que se tem denominado de “cinturão olímpico”, privilegiando 21 É importante perceber que há uma controvérsia no Rio com respeito a suas estatísticas de homicídio. Um estudo de Daniel Cerqueira (2011) questionou os dados oficiais de redução da taxa de homicídios no Rio de Janeiro pós-UPP ao constatar a existência de um processo de “pacificação das estatísticas” na segurança estadual desde 2007. Cerqueira observou que, embora os homicídios tenham caído de 7.099 em 2006 para 5.064 em 2009, o número de mortes violentas provocadas por causas externas “indeterminadas” aumentou de 10 mortos (para cada 100 mil habitantes), em 2006, para 22 mortos, em 2009. Em geral, de cada dez pessoas mortas por causas externas violentas “indeterminadas”, oito foram assassinadas. 40 Capítulo 2. A UPP e o histórico do Rio com o tráfico de drogas as favelas localizadas em regiões estratégicas para a realização dos megaeventos que a cidade sediará nos próximos anos – em particular, a final da Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. Ao passo que, inicialmente, as UPPs adentravam as favelas uma a uma, agora a estratégia é a ocupação simultânea de diferentes favelas. Desde o início, a UPP concentrou-se na “retomada” dos territórios que o Estado havia perdido nas favelas, mas não necessariamente no término do tráfico de drogas nessas áreas.22 A partir do momento em que o governador e a Secretaria de Segurança começaram a anunciar as ocupações com antecedência nos meios de comunicação, houve menos confrontos com traficantes de drogas no processo de ocupação. Isso não quer dizer que a iniciativa não tenha encontrado resistência do tráfico de drogas – muito pelo contrário. Em outubro de 2009, um helicóptero da polícia foi derrubado enquanto realizava uma operação no Morro dos Macacos, na Vila Isabel, bairro de classe média da Zona Norte da cidade. Dois policiais morreram na queda. O episódio teve o efeito de acelerar a expansão das UPPs pela cidade, bem como a sua aprovação pelo público geral. Na operação seguinte, pelo menos dez supostos traficantes foram mortos. No entanto, em novembro de 2010, com a pressão contínua e crescente após a rápida expansão da presença da UPP, traficantes começaram a fazer retaliações por meio de uma onda de veículos roubados e incendiados.23 A UPP respondeu com a invasão do Complexo do Alemão, onde se acreditava estarem escondidos vários dos traficantes que haviam fugido de favelas ocupadas pela UPP. Esta foi a segunda vez nos últimos anos em que o Complexo do Alemão foi ocupado, e a experiência, neste caso, não poderia ter sido mais diferente. A primeira invasão do Complexo do Alemão ocorrera em junho de 2007, imediatamente antes de o Rio sediar os Jogos Pan-Americanos, e um ano antes do lançamento das UPPs. A operação envolveu 1,2 mil policiais, e 19 pessoas foram mortas, muitas das quais com evidências de terem sido executadas. Ja a operação em 2010 foi transmitida ao vivo pela televisão e contou com 2 mil homens, navios blindados da Marinha, tanques e helicópteros. Desta vez, a ocupação se deu sem maiores 22 José Mariano Beltrame, secretário estadual de Segurança desde 2007, é citado dizendo que seu “objetivo principal é livrar as ruas de armamentos de guerra, não necessariamente terminar com o tráfico de drogas”. (NYT, 11 de outubro de 2010, p. A. 1). 23 Houve 120 casos de incêndio, o que reduziu a cinzas aproximadamente 34 ônibus, seis caminhões, 84 carros e uma propriedade. “Alemão e Vila Cruzeiro: 200 ataques em nove dias desencadearam ocupação das favelas”. Extra, O Globo, 24 de novembro de 2011. 41 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro 3 22 21 18 7 14 17 13 12 11 10 15 8 16 2 9 1 4 6 20 5 19 < 1 Santa Marta 12 Turano Mapa 1. Cidade do Rio de 2 Cidade de Deus 13 Macacos Janeiro e favelas com UPPs 3 Batan 14 São João 4 Chapéu Mangueira / Babilônia 15 Fallet-Fogueteiros / Coroa em março de 2012, por 5 Pavão-Pavãozinho / Cantagalo 16 Escondidinho / Prazeres ordem de implementação 6 Tabajáras / Cabritos 17 São Carlos (os três estudos de caso 7 Providência 18 Mangueira de UPPs estão destacados 8 Borel 19 Vidigal 9 Formiga 20 Rocinha em amarelo) 10 Andaraí 21 Complexo do Alemão Fonte:Instituto Pereira 11 Salgueiro 22 Complexo da Penha Passos 42 Capítulo 2. A UPP e o histórico do Rio com o tráfico de drogas incidentes. Com a retomada do Alemão, considerava-se superado o desafio da ocupação de um grande conglomerado de favelas. A escala da ocupação militar, sua ampla midiatização e a forma relativamente pacífica como ocorreu também serviram de estímulo à ampliação, agora com mais intensidade, da política de implantação das UPPs. Ao longo de 2011, o “cinturão” de favelas com UPPs no entorno das Zonas Norte e Sul se completou – de um lado, pela Zona Norte, com a ocupação da Mangueira e de favelas no bairro do Engenho Novo, como o Morro de São João; de outro, pela mais recente ocupação da Rocinha e do Vidigal por outros batalhões da polícia militar. d. O que torna a UPP diferente de políticas anteriores? Como descrito acima, a UPP emergiu de décadas de experimentação com diferentes modelos institucionais de intervenção da polícia nas favelas. Ela busca incorporar lições dessas tentativas anteriores e se difere delas em vários aspectos importantes, como pela ênfase na expulsão dos grupos armados das favelas, na submissão da agenda social à lógica da ocupação policial, e no amplo apoio midiático e forte mobilização do empresariado. Uma ambição mais realista – Uma das diferenças mais importantes da UPP em comparação com os experimentos anteriores é o rompimento com a ideia de que a crise da segurança pública poderia ser solucionada com o fim do tráfico de drogas e atividades comerciais associadas. Esta ambição mais realista tem estado presente em diversos pronunciamentos feitos por autoridades. José Mariano Beltrame, o secretário estadual de segurança, é citado dizendo que o objetivo principal do programa é livrar as ruas de armamentos de guerra, não necessariamente terminar com o tráfico de drogas.24 As constantes reclamações sobre a incapacidade dos GPAEs para acabar com o tráfico de drogas, por exemplo, serviram para deslegitimá-los. Ao substituir a pretensão de “acabar com o tráfico” pelo objetivo de “acabar com a circulação de armas nas mãos de gangues de traficantes”, as UPPs mudaram o debate sobre segurança pública, dissociando o problema do combate ao tráfico de drogas do problema da territorialização 24 “In Rough Slum, Brazil’s Police Try Soft Touch”, New York Times, 11 de outubro de 2010; “Não tenho pretensão de acabar com o tráfico”, diz Beltrame, Estadão.com.br, 30 de novembro de 2010; “A Favela da Rocinha já tem data para ser ocupada, diz secretário de Segurança — Beltrame diz que não tem pretensão de acabar com tráfico, mas policiamento dificulta”, R7 Notícias, 9 de setembro de 2011. 43 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro da economia do tráfico. O programa pode, então, concentrar-se na “recuperação de territórios”, efetivamente comprometendo-se com uma agenda mais orientada a emancipar os habitantes dessas áreas, embora a permanência da presença da polícia certamente ajude a inibir algumas atividades de comércio de drogas. Social depois da segurança – Outro diferencial das UPPs, quando comparada com as políticas anteriores, é a complementação da agenda social à agenda de policiamento. O fato de que o programa UPP Social tenha sido tão rotulado de acordo com um protótipo de agenda de iniciativas a serem realizadas após a ocupação policial é um grande indicador disso. O acesso aos programas sociais e às iniciativas de inclusão social que se multiplicam nas áreas de UPP fica, assim, subordinado a uma espécie de desconstrução da favela como lócus por excelência da criminalidade. O sequenciamento do programa é, portanto, crucial, com a expansão e a intensificação de uma agenda de desenvolvimento social apenas podendo ser adotada após a conclusão da fase de policiamento e a retomada do território. Ao mesmo tempo, essas mesmas iniciativas sociais são necessárias, a fim de sustentar os efeitos do programa e atingir seus objetivos finais. Apoio da mídia – A terceira e mais marcante característica da experiência da UPP tem sido o apoio da grande mídia, que não deve ser compreendido como um reflexo “espontâneo” do êxito e visibilidade do programa, e sim como peça-chave da sua própria montagem. Prova evidente disso é que, desde o início, logo após a ocupação da primeira favela (Santa Marta), a mídia conferiu uma cobertura desproporcional ao alcance da UPP naquele momento.25 Esse fator foi crucial para angariar forte apoio público em um curto período de tempo. Isso, por sua vez, encorajou as autoridades a apresentarem a experiência única de Santa Marta como um novo modelo de política para divulgação.26 A mídia também ajudou o governo a receber apoio sólido de organizações da sociedade civil 25 Uma pesquisa realizada em 2010 pelo CESEC/UCAM com policiais da UPP demonstra que os próprios policiais entendem que a mídia fala melhor da UPP do que eles próprios. Os dados foram apresentados em um seminário aberto ao público. 26 Momento importante dessa construção midiática ocorreu em agosto de 2009, quando o jornal O Globo publicou uma série de reportagens especiais, ao longo de uma semana, intitulada “Democracia nas Favelas”. Esse material apresentou a UPP como força policial vitoriosa e destacou previsões e projeções dos custos e efeitos da implantação de unidades em todas as favelas da cidade. O que é ainda mais notável, contudo, é a forma como essa série foi estruturada. Usando o discurso sobre a cidadania dos habitantes de favelas, as reportagens analisam a importância das UPPs, em contraste com a imagem há muito estabelecida das favelas simplesmente como paraíso do crime e de criminosos, sejam reais ou potenciais. Essa mudança de discurso também pode ser atribuída a mais de uma década de intenso trabalho por parte das organizações da sociedade civil, com foco nos direitos dos moradores de favelas. 44 Capítulo 2. A UPP e o histórico do Rio com o tráfico de drogas (algumas das quais se tornaram mais críticas em relação ao programa com o passar do tempo, mas ainda apoiam sua estratégia geral). Um exemplo é o apoio público dado pela famosa ONG Viva Rio, uma das mais tradicionais organizações da sociedade civil que trabalham no campo da segurança cidadã. A ONG tornou-se uma das mais importantes parceiras do governo nas áreas pacificadas.27 Imagem melhorada da força policial – Também vale mencionar o esforço do secretário de segurança para construir uma nova imagem da polícia por meio da mídia. Isso foi possível pela contínua divulgação de investimentos públicos na formação desses novos policiais, bem como por chamar a atenção para a existência de “intelectuais” na polícia, agentes que também fizeram cursos de graduação e são especializados em diferentes disciplinas das ciências sociais. Ex- agentes do BOPE aparecem no noticiário noturno como especialistas em segurança pública, e o papel das mulheres coordenadoras de UPPs é amplamente divulgado. A capitã Priscila, de Santa Marta, recebeu recentemente o prêmio “Faz Diferença” do jornal O Globo. A ideia de uma força policial jovem (ou seja, nova e sem a mesma reputação cruel da força antiga) e sensível aos problemas de gênero (por exemplo, deve sempre haver policiais do sexo feminino em número suficiente para abordar e revistar mulheres) é constantemente reforçada. O programa também destaca os aspectos de “policiamento comunitário” que devem ser incorporados por novos policiais, incentivando-os e, sobretudo, incentivando o comandante local a construir uma relação estreita com a comunidade. Por exemplo, o capitão da UPP local está frequentemente presente em reuniões com a comunidade e em todas as edições do Fórum Social UPP. Embora os próximos capítulos possam mostrar que essa relação varia substancialmente, dependendo da favela e dos policiais locais, a mensagem geral e o direcionamento do governo ainda é de construir confiança e respeito entre essa nova polícia e a comunidade. Apoio do setor privado – Outra característica ímpar da UPP refere- se ao amplo apoio que a iniciativa vem recebendo do empresariado, também efetivamente relacionado com o apoio fornecido pela grande mídia de massas. Como já observado, o programa das UPPs foi concebido e adotado em meio ao processo de transformação do Rio de Janeiro em palco de grandes eventos internacionais. Esse contexto confere novos papéis ao empresariado na gestão da cidade. 27 A Viva Rio é parceira do governo estadual e da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) na oferta de um curso de treinamento em Saúde Preventiva e Assistência à População de Áreas Pacificadas. O curso foi criado para a polícia e concentra-se na prevenção da violência e no auxílio aos moradores locais. Para mais informações, consulte www.vivario.org.br. 45 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro Portanto, setores do empresariado, como os ligados à economia do petróleo, ao capital imobiliário, ao turismo, às comunicações e aos serviços em geral, gradualmente começaram a aderir à UPP. Esse apoio assume diferentes formas, como contribuições financeiras para a manutenção e apoio logístico para a UPP. Não menos importante tem sido o apoio que a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) vem dando às iniciativas da UPP Social. 46 Capítulo 2. A UPP e o histórico do Rio com o tráfico de drogas 47 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro 48 Capítulo 1. O que significa pacificar as favelas? Capítulo 3. A importância da história: situando os estudos de caso 49 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro A percepção que os moradores têm da UPP em uma favela em particular é influenciada pela história daquela favela com respeito ao uso (ou falta) de autoridade e ordem pública e pela conjuntura particular dessa história na qual a UPP intervém. Isso se dá principalmente porque as relações sociais e o papel de mediação que a UPP procura romper (no caso do tráfico de drogas) ou promover (movimentos associativos locais) são o resultado de décadas de interações diárias que, ao longo do tempo, cristalizaram relações de autoridade e espaços de ação política especiais de cada comunidade. Estão em jogo aqui relações profundamente enraizadas entre os agentes do Estado, a polícia e os agentes sociais locais. A UPP e o PAC não constituem o primeiro contato das comunidades das favelas com o Estado. E as formas como os esforços anteriores foram realizados têm impactos muito concretos na maneira como os moradores recebem e avaliam hoje em dia as UPPs. Resultados diferentes, por sua vez, refletem a dependência do histórico da recepção das UPPs quanto às relações sociais construídas ao longo do tempo. Experiências anteriores, junto com as lembranças da resistência organizada às remoções forçadas e dos dias que antecederam o surgimento do tráfico de drogas, também integram o imaginário social e a memória coletiva dos moradores das favelas, agora confrontados pela implementação das UPPs. Este capítulo está organizado em duas partes principais. A primeira apresenta uma breve história da trajetória de cada favela em termos de consolidação urbana, acesso a serviços, sociedade civil e governança local. A segunda apresenta certos indicadores básicos das quatro favelas, além de analisar a conjuntura em que a UPP chega a cada uma e como isso afeta a recepção por parte dos moradores da comunidade. a. Compreendendo as trajetórias das favelas Percebemos melhor a importância da trajetória distinta de relações com a autoridade e com o Estado dentro de cada favela ao comparar e contrastar as favelas do Chapéu e do Pavão. À primeira vista, ambas as comunidades parecem ter muitas características em comum. Cada uma está localizada em um extremo da praia de Copacabana, um dos principais pontos turísticos da cidade. A localização privilegiada permite uma proximidade com os grandes e dinâmicos mercados de trabalho formal e informal do setor de 50 Capítulo 3. A importância da história: situando os estudos de caso serviços da Zona Sul, bem como acesso facilitado ao transporte público para muitas outras regiões da cidade. O Chapéu e o Pavão foram estabelecidos aproximadamente na mesma época, com os primeiros barracos surgindo nas primeiras décadas do século XX e uma expansão constante a partir dos anos 1930 e 1940, alimentada em grande parte pelo desenvolvimento do bairro de Copacabana em si. Como a maioria das favelas do sul da cidade, Chapéu e Pavão abrigavam a mão de obra de muitos serviços necessários para manter o estilo de vida da elite que vive na Zona Sul. Dessa maneira, a composição sociodemográfica dessas favelas é um tanto diferente da do Borel e de Manguinhos, onde funcionários de fábricas sempre constituíram uma porcentagem significativa da população. Essa proximidade aos bairros formais vizinhos é uma característica distintiva das favelas da Zona Sul do Rio de Janeiro. Enquanto na Zona Norte (Borel) e nos subúrbios industriais antigos (Manguinhos) o desenvolvimento de um senso de autonomia política esteve intimamente ligado à criação de movimentos sindicais e sindicatos, na Zona Sul os pedreiros e operários da construção civil que construíram os edifícios altos (em que suas esposas muitas vezes acabaram trabalhando como empregadas domésticas ou babás) não formaram essas associações. Em vez disso, a autonomia política desses moradores tendeu a enraizar-se na própria comunidade, muitas vezes sob a orientação e assistência interessada da Igreja Católica (cuja presença em todas as quatro comunidades também foi fundamental para suas consolidações). As trajetórias de Chapéu e Pavão também convergem no que concerne ao cronograma geral da chegada progressiva dos serviços. As favelas da Zona Sul funcionaram como laboratórios de experimentação de políticas sociais – da mesma forma que com as UPPs – precisamente devido à pequena escala, e, talvez, à proximidade geográfica e social com aqueles que concebem as políticas públicas em questão. Ambas beneficiaram-se de programas- piloto de urbanização na década de 1980, como o Mutirão e o Mutirão Remunerado. O Chapéu foi alvo do programa Bairrinho em meados dos anos 1990, e o Pavão recebeu intervenções do programa Favela Bairro no começo dos anos 2000. Dadas as suas trajetórias semelhantes em termos de consolidação, história, constituição social e localização na cidade, seria de se esperar que as expectativas dos moradores e suas percepções da UPP também fossem parecidas. No entanto, como 51 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro mostrarão os próximos capítulos, as opiniões dos moradores dessas duas favelas foram bem diferentes. Essas diferenças podem ser explicadas por suas relações particulares com o Estado e com os regimes conflitantes de autoridade, representados em cada caso pelo tráfico de drogas e pela polícia. Assim, um imaginário contínuo da situação do cotidiano das favelas pôde ser rastreado a partir da perspectiva de sua ordem pública (ou falta dela). Nesse contínuo, por suas relações históricas com políticas institucionais e baixo nível de conflito violento, o Chapéu ocuparia um extremo, e o Manguinhos ocuparia o outro. Borel e Pavão ocupam o meio termo, conforme detalhado a seguir. Vida associativa e governança nas favelas Em cada favela, a vida associativa assume formas específicas em função das características históricas de sua liderança, ou devido às oportunidades que cada contexto oferece para avanços no processo de organização coletiva. No entanto, essas diferenças surgem de uma trajetória amplamente compartilhada de consolidação da favela. Em todos os três casos de favelas com UPPs, verificamos esforços de organização da comunidade desenvolvendo-se historicamente como parte da luta contra a remoção das favelas e evoluindo então para um plano que incorporou demandas por educação, saúde e instalações de lazer. Em Manguinhos, a situação foi diferente. Seu aparecimento também está intrinsecamente conectado às tentativas de remoção de favelas desde os anos 1940. No entanto, em vez de sofrer as tentativas de remoção, Manguinhos foi o local para o qual foram mandadas as pessoas removidas das muitas favelas da cidade que haviam sido demolidas ao longo do século XX. Mas, também em Manguinhos, a formação de direitos coletivos instigou as demandas coletivas por serviços e infraestruturas urbanas básicas, como acesso a escolas, saúde e instalações de lazer. Nos quatro casos, a vida associativa passou por um período de subjugação ao poder nos anos 1960, durante o contexto do regime militar, seguida por um breve período de luta por autonomia, especialmente durante os anos 1980, época em que floresceu um movimento associativo mais forte, porém de vida curta. Na década de 1990, no entanto, a influência do tráfico de drogas e do envolvimento das lideranças comunitárias com as máquinas partidárias levou à 52 Capítulo 3. A importância da história: situando os estudos de caso deslegitimação das associações aos olhos das populações que elas pretendiam representar. No entanto, o fato de as associações de moradores terem ficado internamente desacreditadas não significa que seu papel estratégico no atual cenário político do Rio de Janeiro possa ser subestimado. Os presidentes de associações de moradores continuam sendo os principais mediadores da implementação de políticas e serviços públicos estatais nas favelas: as transações imobiliárias são formalizadas por meio de um certificado da associação, e as cartas são entregues na associação. Sua atribuição é, portanto, a de organização empresarial. Qualquer pessoa ou instituição que tenha a intenção de estabelecer qualquer tipo de empreendimento na favela, como via de regra, deve contatar a associação de moradores.28 Cada vez mais, essa função está ficando estratégica, com a melhoria de investimentos em recentes programas públicos, como a combinação da UPP, da UPP Social e do PAC. E Ao passo que a legitimidade é consideravelmente prejudicada na visão de seu suposto eleitorado (moradores “comuns”), no caso de adoção de políticas públicas, nem o Estado e nem o tráfico de drogas podem funcionar sem um órgão de mediação. Isso não quer dizer que todos os representantes das associações de moradores sejam necessariamente submissos ao tráfico de drogas, pois muitos já foram mortos ou banidos das favelas como resultado de sua insubordinação. No entanto, não há dúvida de que existem limites para a autonomia de qualquer associação e de que qualquer pessoa legitimamente eleita pode ser expulsa a qualquer momento. O fato é que a função essencial das associações de moradores (ou seja, fornecer mediação entre partes diferentes, legítimas e ilegítimas) não pode ser realizada sem o estabelecimento de plataformas de deliberação, tanto em relação ao Estado quanto em relação ao tráfico de drogas. Conclui-se daí que tanto Estado quanto traficantes de drogas precisam da mediação da associação de moradores. Enquanto perdura essa situação de dependência mútua, o comércio de drogas trabalha para garantir alguma influência nas atividades rotineiras das associações de moradores de toda a cidade. Os moradores de todas as quatro favelas tendem a ser quase unânimes ao criticarem o desempenho dos presidentes das associações, mas isso não significa que as plataformas de liderança política ou mediação tenham entrado em colapso. Significa, no 28 Observe-se que esta é uma “regra” enraizada na soberania do tráfico de drogas sobre o território da favela: entrar na favela por meio da associação de moradores é uma medida de segurança que reconhece e reforça a posse da favela por parte do tráfico de drogas. 53 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro entanto, um sinal de que surgiram29 outros locais de legitimação que servem como alternativa às associações, em sua maioria iniciativas da sociedade civil e programas sociais. A legitimação desses “líderes” permanece informal, mas dois grupos de lideranças emergentes em potencial estão prontamente disponíveis em qualquer favela consolidada. Os primeiros podem ser considerados líderes históricos. Esses líderes, com frequência, são membros de sindicatos ou eram membros ativos de associações de moradores na década de 1980. As trajetórias desses líderes históricos variam, mas há um padrão claro de sua migração para ONGs ou até mesmo para o Estado, onde encontram margem de manobra para influenciar politicamente a vida diária na favela sem terem interações diretas com o tráfico de drogas. O segundo grupo social cuja liderança emergente é amplamente reconhecida abrange estudantes ou pessoas formadas em universidades cujo engajamento político ou profissional na comunidade fornece-lhes credenciais e contatos que lhes dão uma aura de respeito. Sua emergência como líderes comunitários potenciais reside no reconhecimento público das suas realizações: enquanto suas trajetórias reforçam suas excepcionalidades na medida em que são exceções à regra geral na favela, suas realizações também funcionam como exemplos de novas possibilidades para a juventude em geral. Esse pode ser o ingrediente para a construção de modelos alternativos ao contraste do traficante e do policial, cuja força, poder e valores ainda são medidos por armas e conflitos violentos. A sensação de desconexão entre planos políticos legítimos e o funcionamento das associações de moradores em todas as quatro favelas pode explicar o consenso altamente compartilhado de que todos os projetos de urbanização recentes, como o PAC e o Morar Carioca, carecem de mecanismos eficazes para garantir participação. Todos esses projetos exigem a demolição de algumas casas e a realocação temporária de seus moradores, e há um sentimento geral nas favelas de que as regras que regem essas intervenções não são nem claras, nem abertas a discussão. Portanto, apesar da onda de investimentos que inundou as favelas quase simultaneamente à chegada da UPP, os moradores mantêm certo ceticismo que varia em intensidade de favela para favela, como detalhado abaixo. Para entender totalmente as implicações desse ceticismo, no entanto, é necessário analisar um segundo grupo de 29 Isso é particularmente visível no estudo de caso de Manguinhos, mas processos semelhantes já estavam em andamento nas favelas com UPPs. 54 Capítulo 3. A importância da história: situando os estudos de caso relacionamentos que organiza o contexto no qual acontecem as interações diárias na comunidade – por exemplo, a forma como a violência afeta a construção de demandas coletivas e o sensação de autonomia e voz dos moradores das favelas. O retrato dessa dinâmica foi feito no Capítulo 2.a. (Vivendo sob o domínio dos traficantes de drogas), e por isso não o repetiremos aqui. Com essas perguntas em mente, podemos agora enunciar como as histórias e as relações particulares em cada contexto afetaram a recepção das UPPs pelos moradores de cada comunidade. b. A favela do Chapéu O Chapéu recebeu a quarta UPP da cidade. O processo iniciou-se em maio de 2009, dia em que equipes do BOPE e do 19º Batalhão da Polícia Militar (Copacabana) ocuparam os dois morros (Chapéu Mangueira e Babilônia), realizando prisões e apreensões de drogas e armas.30 A instalação da UPP deu-se em 10 de junho de 2009. A sede da UPP, localizada na parte mais alta da comunidade da Babilônia, é composta por 100 policiais. Considerando-se que a população alcançada é de cerca de 3.740 moradores, a razão é de um policial para cada 37 residentes. A favela do Chapéu fica localizada na Zona Sul da cidade, no bairro de classe média/alta do Leme, vizinho de Copacabana, e ao longo do Morro da Babilônia. O Chapéu tem os melhores indicadores socioeconômicos dos quatro casos analisados, com o maior índice de desenvolvimento social (0,510, não muito abaixo do 0,604 do resto da cidade).31 Também tem uma infraestrutura bem desenvolvida em relação às outras favelas do Rio. Há quase 100% de cobertura de água, esgoto (94% na Babilônia) e coleta de lixo nas duas comunidades, e aproximadamente 75% dos moradores são donos legítimos de suas casas. Na comunidade do Chapéu, apenas 4,3% da população com mais de 15 anos é analfabeta, enquanto na Babilônia esse percentual é significativamente maior, de 15,9%.32 No Chapéu, conflitos relacionados com o comércio de drogas eram notoriamente raros até meados da década de 2000. Durante 30 “Bope ocupa morros do Leme em busca de armas e traficantes”, O Globo, 14/05/2009. 31 O índice de desenvolvimento social (IDS) é um indicador calculado pelo Instituto Pereira Passos com base em dados do censo nacional do IBGE. O indicador vai de 0 a 1, sendo 0 o menos desenvolvido socialmente e 1 o mais desenvolvido. 32 Dados do Instituto Pereira Passos, com base no censo de 2010 do IBGE. Disponíveis em www.uppsocial.com.br. 55 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro a maior parte dos anos 1990, os bailes de funk no Chapéu eram frequentados por jovens de classe média. Além disso, os efeitos da favela sobre os mercados imobiliários no pequeno bairro do Leme haviam sido mínimos até meados dos anos 2000.33 Mas essas situações são testemunhas do que talvez tenha causado uma das relações mais harmoniosas entre uma favela dominada pelo tráfico e seus arredores. Em anos recentes, quando a favela sofreu uma série de tentativas de invasões por parte de facções inimigas, e os tiroteios foram gradualmente tornando-se mais frequentes, essas relações começaram a desintegrar-se, como lembram os moradores. A inclusão da favela no projeto das UPPs aparece como resultado de uma longa história de articulação política com as autoridades públicas, em particular com o Partido dos Trabalhadores (PT).34 Nela foi criada uma das primeiras associações de moradores da cidade, fundada como resposta às constantes ameaças de remoção do Chapéu desde o início dos anos 1940 (Burgos, 1998). Para enfrentar essas ameaças, a comunidade mobilizou-se a fim de estabelecer um nível mínimo de infraestrutura, tarefa para a qual contou com a considerável assistência da Igreja Católica. No início da década de 1970, uma parcela da comunidade foi transferida para outro local na periferia da cidade, assim reacendendo a resistência coletiva. Com a redemocratização na década de 1980, os líderes que emergiram do movimento sobressaíram-se e permanecem sendo figuras importantes em suas comunidades até hoje. Exemplos são Dona Percília, da comunidade da Babilônia (ver Quadro 4), e Benedita da Silva – esta última tornar-se-ia mais tarde vereadora, deputada federal, senadora, ministra e governadora estadual interina, sempre pelo Partido dos Trabalhadores. Quadro 4. Duas gerações de lideranças na Babilônia, favela do Chapéu: Dona Percília e Palô Dona Percília, presidente honorária da Associação de Moradores da Babilônia, na favela do Chapéu, representa a liderança típica da favela em uma época que antecedeu a presença formal do Estado nessas 33 Em contrapartida, no Borel, em meados dos anos 1990, os mercados imobiliários nos prédios diretamente em frente às favelas foram virtualmente incorporados aos mercados das favelas. Veja Cavalcanti, no prelo. 34 O Partido dos Trabalhadores, fundado em 1980, tornou-se posteriormente o partido mais importante da esquerda brasileira. Após diversas eleições ganhas para cargos de prefeitura e governo, o partido chegou à presidência com a vitória de Lula em 2002. Desde então, manteve-se no poder, agora sob a presidência de Dilma Rousseff. 56 Capítulo 3. A importância da história: situando os estudos de caso áreas. Quando nenhum programa de desenvolvimento de favelas conseguia proporcionar serviços básicos, Dona Percília organizava os moradores para que trabalhassem juntos em prol das melhorias à comunidade, liderando iniciativas como a construção de escadas nos morros e criação de comitês de água, que construíram reservatórios e tubulações, atingindo casas mais distantes no topo do morro (sistema que ainda existe). Dona Percília também foi a responsável pela construção, no início de 1990, da primeira (e agora única) escola primária na comunidade, construída na sede da associação de moradores. A escola oferece serviços de tutoria, esportes, canto, dança e outras atividades, e recebeu financiamento de uma ONG sueca e hotéis em torno dessa área. Dona Percília foi também a responsável pela convocação de uma reunião na comunidade, no tempo em que as discussões sobre a chegada da UPP ainda estavam no ar. Nessa reunião, os moradores concordaram em não venderem ou alugarem suas casas, a fim de evitar a especulação imobiliária que poderia resultar – e resultou, como o relatório mostrará mais adiante – do processo de pacificação. De acordo com o filho de Dona Percília, Carlos Antonio Pereira, conhecido como Palô, Dona Percília foi “aquela pessoa que sujava as mãos pra fazer as coisas funcionarem”. Hoje, Palô é o presidente da associação e lida com sua organização cotidiana, mas Dona Percília permanece uma figura simbólica importante para a comunidade, presente em todos os eventos relevantes. A impressão de que os laços históricos das favelas com a política formal foram essenciais para sua inclusão no início do programa das UPPs foi reforçada pelo fato de que a ocupação policial coincidiu com o anúncio de que o Chapéu seria um dos primeiros a beneficiar-se do projeto municipal de urbanização Morar Carioca. Talvez ainda mais importante, a favela foi selecionada como a localidade piloto para o programa, neste momento renomeado Morar Carioca Verde, como parte da intenção governamental de exibi-lo na conferência Rio+20. A escolha indica o nível de articulação política dos líderes da favela com autoridades públicas, nesse caso facilitado pelo fato de que o ministro da Habitação também pertence ao PT. Para concluir a rotulação do Chapéu como caso pioneiro, sua UPP também foi renomeada UPP Verde, num esforço para unificar a mensagem de maiores investimentos nessa favela em particular. Esse tipo de intervenção no Chapéu também mostra que o processo de pacificação ajudou também a trazer uma abordagem mais integrada de revitalização urbana às favelas, o que é buscado pelo governo em outros lugares da cidade e no estado do Rio de Janeiro. Isso tem permitido ao governo e aos cidadãos observarem 57 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro diferentes riscos e oportunidades identificados nas favelas e atuarem sobre eles (sejam eles ambientais, relacionados a desastres naturais etc.). Apesar do acúmulo de privilégios em relação aos outros estudos de caso apresentados aqui, os moradores queixam-se bastante sobre a forma como essa recente safra de investimentos estatais foi imposta, em vez de ser resultado de um diálogo público. Em uma favela que se beneficiou da maioria das políticas públicas disponíveis, sejam elas urbanistas (Mutirão, Mutirão Remunerado, Gari Comunitário, Bairrinho) ou de segurança (como a GPAE do começo dos anos 2000), uma reclamação desse tipo parece verídica. É óbvio, a partir da trajetória anterior da comunidade, que seus moradores já tinham experiência em negociações com o Estado. c. A favela do Pavão O Pavão recebeu a quinta UPP, inaugurada no dia 23 de dezembro de 2009 com 176 policiais. Com população de 10.338 moradores entre as duas comunidades que compõem a favela e a maior densidade demográfica entre todas as favelas pacificadas (808 moradores por hectare), esta UPP tem a proporção de um policial por 58 moradores. Localizadas entre Copacabana e Ipanema, também na Zona Sul, as comunidades de Pavão-Pavãozinho e Cantagalo têm, respectivamente: 99,6% e 98,6% de suprimento adequado de água; 99,4% e 98,9% de esgoto adequado; 99,9% de cobertura de coleta de lixo (em ambos os casos); e 54% e 68% dos moradores são proprietários de suas casas. A taxa de analfabetismo entre a população acima de 15 anos é de 7,1% no Pavão-Pavãozinho e de 5,5% no Cantagalo. O Pavão tem o segundo maior índice de desenvolvimento social (0,492) dos quatro casos.35 Em uma comunidade onde as disputas entre gangues diferentes nunca foram problema, a memória coletiva da violência tende a relacionar-se em primeiro plano com a polícia. No caso do Pavão, a memória traumática do clímax do conflito violento é ligada ao período em que houve um posto do GPAE na comunidade. As lembranças de batidas violentas, tiroteios ocasionais e relações ilícitas – mas ostensivamente corruptas – entre os traficantes de drogas e a polícia constituem uma visão predominantemente negativa da polícia. 35 Dados do Instituto Pereira Passos, com base no censo de 2010 do IBGE. Disponível em www.uppsocial.com.br. 58 Capítulo 3. A importância da história: situando os estudos de caso Essa impressão foi corroborada pelas formas como os residentes do Pavão perceberam a implementação das obras do PAC, em realização na favela desde 2007. O PAC investiu R$ 35,2 milhões em obras de infraestrutura social e urbana, incluindo as implantações e ampliações do sistema de abastecimento de água, de esgoto e de drenagem pluvial; a recuperação e construção de vias internas e de acesso ao morro; a construção de dois elevadores de acesso; e investimentos para moradia. A relação entre o PAC e os traficantes que dominavam a favela foi marcada por episódios de tensão, e houve momentos em que o trabalho teve de ser interrompido. No entanto, a implementação deste programa de forte modernização na favela também contribuiu para abrir mais espaço para o contato entre o Estado e o tráfico de drogas, uma vez que foi necessário haver diálogo e negociações entre ambas as partes. Isso teve dois resultados. Por um lado, promoveu um sentimento de desconfiança no governo entre os moradores, que viram o Estado como cooptado. Ao mesmo tempo, as gangues se tornaram menos envolvidas nas hostilidades, o que foi necessário para permitir o progresso das obras. Assim, no Pavão, com mais frequência do que em outros estudos de caso, ouvimos dizer que o tráfico de drogas manteve a discrição (“o tráfico só mexe com quem mexe com ele”) e que raramente impediu a circulação de pessoas dentro a comunidade. Se, no Chapéu, a UPP foi imediatamente identificada com a ideia de pacificação, como resultado da memória recente de um aumento de conflitos violentos, no Pavão a ocupação policial foi amplamente percebida como a ruptura de um período razoavelmente pacífico. Esse ponto de vista abertamente negativo do Estado como propenso a esquemas de corrupção e relações ilícitas com o tráfico de drogas, tanto na sua versão urbanizadora quanto na sua face policial, promove uma atmosfera de desconfiança em torno da UPP. Isso é normalmente expresso pela suspeita de que a inclusão da comunidade no programa UPP ocorreu como resultado de fatores externos e interesses relativos à localização da favela entre Ipanema e Copacabana. Os moradores, portanto, encaram a UPP com grande ceticismo, frequentemente dizendo que a pacificação oferece maior proteção aos moradores dos bairros das redondezas do que aos das favelas. No contraste com o contexto de uma comunidade onde a vida associativa é mais fragmentada do que no Chapéu ou no Borel, e onde as lembranças recentes de intervenções do Estado não incluem melhorias significativas na vida civil, não é nenhuma surpresa que o programa de pacificação seja imediatamente percebido como (mais 59 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro uma) iniciativa fadada a não cumprir a promessa de garantir o acesso dos moradores de favela aos seus direitos básicos. d. A favela do Borel A UPP do Borel foi a oitava unidade estabelecida na cidade e a primeira da Zona Norte. Atualmente, a unidade é operada por aproximadamente 380 policiais e atende 12.815 habitantes de sete comunidades diferentes.36 Isso significa que ela opera na proporção de um policial por 33 habitantes. Os indicadores socioeconômicos e a disponibilidade de serviços básicos variam entre as diferentes comunidades. Por exemplo, enquanto no Borel, a maior das comunidades (7.551 habitantes), 93,8% dos moradores obtêm abastecimento adequado de água, 83,5% têm acesso a esgoto adequado e 98,2% recebem o benefício da coleta de lixo, no morro Casa Branca, a segunda maior comunidade (2.539 habitantes), esses números estão em 100%, 82,4% e 100%, respectivamente. O analfabetismo é de 7% no Borel e de 4,6% no Casa Branca. As condições de ocupação do solo também variam, com 81% dos moradores do Borel sendo donos de suas propriedades contra 72% no Casa Branca. O índice de desenvolvimento social geral da favela inteira é de 0,468, o pior dos quatro estudos de caso.37 A história do Borel é bastante diferente da dos outros dois estudos de caso com UPP. Na época em que a UPP chegou à favela, os moradores já estavam esperando ansiosamente o programa de pacificação.38 A UPP propriamente dita foi inaugurada, tendo como sede a Chácara do Céu, em 7 de junho de 2010, e posteriormente outras unidades foram implantadas na Tijuca e bairros adjacentes.39 A razão por trás das grandes expectativas em torno da chegada da UPP no Borel vinha da importância de conflitos violentos no cotidiano da comunidade antes da UPP. Já faz 20 anos que o Borel está em conflito com as favelas 36 Consulte no Anexo I a lista de comunidades. 37 Dados do Instituto Pereira Passos, com base no censo de 2010 do IBGE. Disponíveis em www.uppsocial.com.br. 38 Em 2010, o procedimento padrão da implementação de UPPs já dependia das declarações públicas na mídia por parte do secretário de segurança estadual, Mariano Beltrame. Em abril de 2010, quando Beltrame declarou que uma nova UPP estava a caminho, os moradores do Borel tiveram certeza de que sua hora havia chegado – e a maioria a acolheu. Mas, quando o BOPE ocupou o Morro da Providência, a reação que dominou os residentes do Borel foi de decepção. O Borel iria receber uma UPP apenas alguns meses adiante. 39 As comunidades inicialmente afetadas foram Borel, Chácara do Céu, Casa Branca, Cruz, Indiana e Formiga. A Formiga ganhou sua própria UPP em 1º de julho do mesmo ano, 2010, o mesmo ocorrendo nas favelas do Andaraí (28 de julho), Salgueiro (17 de setembro), Turano (30 de setembro), Macacos (30 de novembro) e São Carlos (11 de fevereiro de 2011). 60 Capítulo 3. A importância da história: situando os estudos de caso vizinhas por conta da divisão de controle territorial entre as gangues principais ao longo das diferentes comunidades. Esse conflito, ao longo do tempo, desenvolveu certos rituais e rotinas: vários observadores, em diferentes pontos no tempo, notaram períodos em que tiroteios entre Borel e Casa Branca, ou Borel e Chácara do Céu, desenvolveram suas próprias regularidades e previsibilidade, chamados de “tiroteios de hora marcada”. Porém, o conflito duradouro com as favelas vizinhas teve efeitos que foram além dos tiroteios ou das invasões violentas. Ele traduziu- se em uma série de limitações à mobilidade dos moradores pela cidade. As disputas pelas bocas da região separaram as comunidades do Borel e Chácara do Céu – esta última localizada bem no topo do morro do Borel. Essas comunidades, que haviam sido percebidas uma vez por seus moradores como extensões uma da outra, também compartilhavam uma longa história de planos de mobilização política, em parte devido aos laços sociais promovidos nas fábricas espalhadas pela região. No entanto, elas também compartilhavam uma vida social no sentido mais amplo do termo, abrangendo desde as relações familiares para a prestação de serviços, até igrejas, festas e eventos da comunidade em geral. Por causa das guerras de facções, os laços que conectavam as seis comunidades da região da Tijuca (Borel, Chácara do Céu, Indiana, Casa Branca, Cruz e Formiga) foram inicialmente desgastados e progressivamente quase cortados por inteiro, uma vez que os moradores sentiam-se compelidos a alterar seus itinerários habituais a fim de não entrarem em território “inimigo”. As disputas de facções dão aos moradores de favelas uma identidade de gangue muitas vezes forçada que governa o ir e vir em territórios de gangues.40 Uma das consequências da intensificação da violência no Borel sobre os movimentos associativos foi a reestruturação de demandas organizadas, as quais deixaram de ser questões relacionadas à infraestrutura e passaram a se concentrar significativamente nos direitos humanos. A “Rede de comunidades e movimentos contra a violência”,41 fundada no Borel e ativa na cidade em geral, figura entre os movimentos sociais mais eficazes e visíveis que lidam com a brutalidade policial. Originalmente iniciada por mães de jovens mortos pela polícia na sequência do episódio conhecido como a Chacina do Borel, quando a polícia executou quatro 40 Essas disputas chegam à cidade formal e incorporam espaços como escolas públicas na dinâmica de territórios de facções. 41 Veja http://www.redecontraviolencia.org/Home. 61 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro jovens estudantes em 2003, a rede permanece como um dos pontos centrais de associação do Borel. Ela opera a certa distância de ambas as associações de moradores e das instituições do Estado na favela. A combinação de uma sólida história de ação coletiva com um contexto de cotidiano constantemente permeado e perturbado pelo conflito violento é fundamental para compreender a ambivalência dos moradores quanto à UPP Borel do após sua instalação. Após a UPP, uma série de iniciativas começou a ser implantada na favela. Exemplos foram melhorias na infraestrutura e regularização de serviços como iluminação e coleta de lixo; cursos de formação profissional e outras atividades relacionadas ao empreendedorismo e geração de renda; incentivos à legalização de empreendimentos; promoção de atividades esportivas, culturais e de lazer; e cursos de mediação de conflitos para a polícia. No entanto, apesar da recepção positiva no momento de chegada da UPP e da profusão de iniciativas, os moradores do Borel não se mostraram entusiasmados em participar dos eventos abertos ao público para discutirem o futuro da UPP. Essa reviravolta – de uma comunidade que ansiava por sua vez no programa de pacificação a uma quase indiferença aos novos “rituais” de cidadania e de participação controlados agora por uma ampla gama de agentes sociais – pode ser facilmente associada com o contexto da vida diária no Borel pré-UPP. A forte tradição de mobilização da favela tende a intensificar as controvérsias locais muitas vezes causadas por qualquer política pública implementada nas favelas. Com a UPP, uma vez que arrefeceu o alívio imediato após o fim dos tiroteios constantes, os muitos desafios relativos à gradual desestruturação da ordem pública, à falta de confiança na representação da associação dos moradores e à fragmentação das práticas associativas no Borel tornaram-se acentuadamente visíveis. Assim, no Borel, a UPP acabou também sendo alvo de disputas internas que resultaram em esforços diferentes para articular alianças com instituições externas e o Estado em si. e. Manguinhos: a “Faixa de Gaza” A diferença mais notável com relação aos outros casos deste estudo é que Manguinhos se situa nos subúrbios do norte da cidade, em um território plano. O Complexo de Manguinhos engloba um aglomerado de 15 favelas e blocos de habitação habitados por uma população de 31.432 pessoas, de acordo com o censo domiciliar 62 Capítulo 3. A importância da história: situando os estudos de caso realizado pelo PAC. Essa grande área conurbada está próxima de outras grandes favelas – Complexo do Alemão, Maré, Jacarezinho – em uma região desenvolvida com a implantação, na década de 1940, de uma zona industrial que se encontra em franca decadência há décadas. Na área plana de Manguinhos, a favela não contrasta com a chamada cidade formal. Em vez disso, ela se estende ao horizonte, com a construção típica de favela emaranhada com as ruínas de fábricas abandonadas. Frequentemente, essas fábricas tornam-se “ocupações”, sendo incorporadas na favela, como os conjuntos de habitação construídos nos anos 1970, que também foram engolidos pelas favelas ao seu redor. Ao declínio da vida econômica da região somou-se a intensificação das rotinas territorializantes da criminalidade e violência do tráfico de drogas, de meados dos anos 1980 em diante. A localização no centro de uma vasta região dominada pelo Comando Vermelho garantiu ao complexo a condição de fortaleza que mantinha longe tanto a polícia quanto as facções rivais. Dessa maneira, a ousadia da apropriação dos espaços públicos da favela por parte do tráfico de drogas chega a níveis bem maiores, quando comparada ao escopo limitado da atividade de tráfico nas Zonas Sul e Norte. Em Manguinhos, os moradores incorporam o título de “Faixa de Gaza” para nomearem a região feita da interseção entre a Av. D. Helder Câmara e a Avenida dos Democráticos, ao longo das quais o complexo da favela se estende. Desde execuções públicas ocasionais em áreas públicas de alta visibilidade até incursões policiais auxiliadas pelo Caveirão (o apelido do veículo blindado do BOPE, em referência ao “logotipo” do grupo), Manguinhos exacerba a militarização do espaço das favelas. Os confrontos com a polícia e as dinâmicas mundanas do tráfico de drogas são muito mais descarados do que na Zona Sul ou nos bairros de classe média da Zona Norte, como o Borel. Todas as atividades relacionadas com o tráfico de drogas são mais visíveis, das vendas à vigilância e ao consumo. Tanto a venda quanto o consumo de maconha, crack e cocaína acontecem abertamente em várias localidades de Manguinhos e concentram-se nas ruas de bares e bordéis, onde se prostituem as viciadas em crack de todas as idades, espalhando-se no asfalto e nos arredores da própria comunidade. A visibilidade amplificada do tráfico de drogas pode ser atribuída, aqui, à estabilidade histórica da comunidade como área de hegemonia incontestável do Comando Vermelho, a mais antiga facção de traficantes da cidade, cuja liderança de gangue é a menos vulnerável a 63 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro invasões inimigas. As operações estratégicas do Comando Vermelho, como o armazenamento de armas e a distribuição regional de drogas para as favelas da Zona Sul, centralizavam-se no Complexo do Alemão. Com a ocupação do Alemão pelo exército em novembro de 2010, Manguinhos entrou, sem perceber nem esperar, na era UPP, já que havia herdado muitas das funções estratégicas do Alemão nas operações do Comando Vermelho. Como discutido amplamente no Capítulo 7, o período cuja experiência, nos outros três casos, foi de pacificação, em Manguinhos traduziu-se num aumento na escala e na visibilidade do comércio de droga, bem como nos fluxos de forasteiros e migrantes nos becos e cantos da comunidade. Dessa maneira, os moradores de Manguinhos expressam grande angústia em um mundo onde o equilíbrio do poder, que já era precário, agora é abertamente instável. A sensação de que o equilíbrio do poder desestabilizou-se é reforçada pelas recentes transformações espaciais na comunidade, realizadas pelas obras do PAC, que tiveram repercussões significativas na dinâmica da vida associativa local já fragmentada e dispersa. Comparada às favelas na Zona Sul, Manguinhos é um deserto em termos de projetos sociais, ONGs e práticas associativas. O influxo sem precedentes de recursos do PAC para Manguinhos acelerou um processo de substituição de líderes ligados a associações de moradores remanescentes de contextos anteriores de movimentos sociais relacionados a sindicatos de trabalho. O aumento dos riscos envolvidos na vida associativa da comunidade forneceu uma atividade atraente para o tráfico de drogas, e, dessa maneira, líderes não escolhidos foram trocados silenciosamente por novos, que exercem o papel de mediadores entre o tráfico de drogas e o Estado. Essa reviravolta produziu uma espécie de “profissionalização” de representantes das associações de moradores de Manguinhos, com a emergência de novos líderes, alguns deles nem mesmo residentes do complexo. Isso não significa que o PAC não tenha trazido mudanças positivas para a vida cotidiana de Manguinhos. Entre março de 2009 e maio de 2010, os moradores de Manguinhos testemunharam uma série de inaugurações de instalações públicas construídas no âmbito do PAC: escola de ensino médio, grande biblioteca pública, unidade de atendimento de saúde, centro de referência para a juventude, bem como um conjunto habitacional para onde foram realocados moradores de “áreas de risco” dentro do complexo ou 64 Capítulo 3. A importância da história: situando os estudos de caso em outras favelas do entorno.42 Também foi realizada uma série de pavimentações, bem como a construção de espaços públicos nas comunidades e a elevação da ferrovia, ainda em construção, abaixo da qual um parque e várias lojas serão construídos. A construção de espaços públicos ainda não provocou, no entanto, um reforço da ordem pública. As obras do PAC em Manguinhos demonstram claramente alguns dos maiores desafios dos projetos de intervenção urbana em áreas onde a ilegalidade dita o uso do espaço, e, principalmente, a manutenção das obras. As obras do PAC simplesmente varreram o consumo de drogas das calçadas do complexo para o centro da comunidade. Agora, a cracolândia de Manguinhos estende-se por três campos de futebol (um deles construídos pelo PAC), com viciados espalhados nas novíssimas calçadas que já ostentam o lixo e os entulhos associados ao consumo do crack. À margem desses campos, centenas de homens, mulheres e jovens consomem a droga abertamente. Essas mudanças, junto com a promessa da construção de uma Cidade da Polícia bem no centro da “Faixa de Gaza”, geram um sentimento de incerteza em meio a rápidas transformações (ver Capítulo 7). Contudo, mesmo no meio dessas mudanças, uma coisa permanece constante em Manguinhos e em todos os lugares: a desconfiança que os moradores sentem pela polícia. Enquanto em comunidades como o Borel, onde a disputa entre gangues rivais tende a dividir os ressentimentos de moradores “comuns” entre a violência do tráfico de drogas e a brutalidade da polícia, em Manguinhos, moradores (cujas opiniões divergem em quase todos os pontos) são unânimes em condenar o comportamento da polícia dentro da favela. Em sua grande maioria, os moradores de Manguinhos apenas conseguem conceber o comportamento da polícia como adequado “nas ruas”, “nas calçadas”, “na Zona Sul” e, ocasionalmente, “na UPP”, mas nunca em Manguinhos. Pode-se dizer que essa impressão da polícia vem da ausência do Estado – especialmente em termos de segurança – que caracteriza a vida diária em Manguinhos, onde o policiamento da comunidade 42 A maior parte dessas instalações foi erguida no terreno que havia funcionado anteriormente como Depósito de Suprimentos do Exército — o DSup. As instalações do DSup, no entanto, perfazem apenas uma parcela das intervenções do PAC na região. A importância do DSup e do espaço público por ele produzido não deve ser subestimada. Sem a área do DSup, realizar a pesquisa desse projeto teria sido bem mais difícil e perigoso. A área – e a biblioteca, em particular – oferece um refúgio seguro para os pesquisadores entre cada entrevista e visita de campo. 65 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro nunca foi efetivamente implementado.43 Ou seja, as relações dos moradores de Manguinhos com a polícia são amplamente limitadas às violentas “incursões” da polícia na favela. No entanto, a alternativa óbvia ao modelo de “incursão” – espécie de policiamento comunitário ou de proximidade – não gerou resultados diferentes em experiências anteriores às UPPs. No Borel e no Pavão, ambas comunidades que haviam sido alvos do GPAE, a proximidade com a polícia só rendeu ressentimentos em relação ao uso arbitrário de força bruta e promoveu desprezo por sua propensão a estabelecer relações manifestamente corruptas com o tráfico de drogas. No Pavão em particular, a presença constante dos policiais da UPP provoca memórias traumáticas da época estável do GPAE na comunidade. Essas experiências passadas são, portanto, cruciais para entender a interpretação da chegada da UPP por parte dos moradores de cada comunidade. 43 A única iniciativa de policiamento comunitário em Manguinhos foi o breve estabelecimento de um Destacamento de Policiamento Ostensivo (DPO) no começo dos anos 1990. As lembranças dos moradores sugerem que a experiência tenha sido traumática, principalmente porque muitos alegaram informalmente que a polícia era responsável por um surto de sequestros, e que seus reféns eram mantidos em Manguinhos. O antigo local do DPO na favela Mandela permanece vazio, com uma esmerada laje de concreto demarcando seus limites. 66 Capítulo 3. A importância da história: situando os estudos de caso 67 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro 68 Capítulo 3. A importância da história: situando os estudos de caso Capítulo 4. A redefinição das interações na comunidade 69 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro A chegada da UPP criou um vácuo temporário com relação a muitos tipos de decisões comunitárias e a formas de interação que, até então, tinham sido regulamentadas pelos chefes do tráfico de drogas. Esse vácuo foi parcialmente preenchido pelas ações da UPP ou pela iniciativa de moradores ou agentes externos. Este capítulo destaca as mudanças feitas ao longo de três dimensões da vida da comunidade após a chegada da UPP: (i) a liberdade de circular e viver sem medo, (ii) a regulamentação do lazer e da vida comunitária, e (iii) as aspirações para o futuro. a. A liberdade de ir e vir e viver sem medo Percepções de maior liberdade. Em perguntas sobre as mudanças cotidianas por conta da chegada da UPP, houve duas respostas mais frequentes: aumento da liberdade de ir e vir dentro e fora da favela, e, mais ou menos na mesma linha de pensamento, a redução do medo de ferir-se por conta da violência armada. Essas mudanças tiveram seus impactos em muitas dimensões do bem-estar – do acesso e aproveitamento de espaços públicos dentro e fora da favela à possibilidade de desfrutar de uma noite de sono bem descansada. Muitos moradores com menos de 30 anos de idade nunca tinham experimentado a segurança de sair de casa – seja para ir trabalhar, ir à escola ou apenas sair com os amigos – sem preocuparem-se com a possibilidade de serem mortos no fogo cruzado durante uma batida policial ou uma guerra de gangues. Essa é uma mudança drástica na vida cotidiana. A imensa tensão nas favelas não pacificadas, que ainda estão sob o controle das gangues de drogas (como, por exemplo, Manguinhos), abre o caminho para maiores reflexões sobre a valorização dessa mudança por parte dos moradores. O fato de as pessoas das comunidades com UPPs agora poderem sentar nos degraus de casa à noite, ouvir ou tocar música, reunir-se nas áreas públicas, visitar os amigos ou familiares e andar depois de escurecer é um testemunho da enorme diferença que o desarmamento fez para a vida social nas favelas. No entanto, essas percepções variam entre as comunidades. Moradores das favelas do Chapéu e do Borel pareceram valorizar mais a maior liberdade de mobilidade que os do Pavão. Nossa hipótese é de que isso depende das trajetórias históricas das favelas antes da UPP. Como mostrado no Capítulo 3, o Pavão apresentou nos últimos anos um tipo de relação de menor confronto entre traficantes e 70 Capítulo 4. A redefinição das interações na comunidade policiais, resultando em um menor sentimento de exposição tanto à dominância dos traficantes de drogas quanto à brutalidade policial. Na favela do Chapéu, os moradores mencionaram que essa liberdade lhes dá a possibilidade de fazer coisas que não podiam quando as gangues de droga dominavam a área: Os jovens podem sair à noite: “Para as minhas filhas agora está ‘mil por cento’ de bom. Porque antes... não era bom (...) Hoje elas podem voltar para casa de madrugada (...) Agora a UPP está aqui. Para fazer nossa segurança. Antigamente, anos atrás, eu nem deixava elas saírem: era bandido, tiro, muita coisa. E essas coisas não acontecem mais. Mas antes eu ficava com medo até de dormir aqui.” (Mulher, 35 anos, moradora, Chapéu) Vizinhos podem se visitar e andar pela comunidade: “Muita coisa mudou com a chegada da UPP. Agora eu tenho a liberdade de chegar, de sair a hora que eu quiser, sem me preocupar com tiroteio. Eu acho que a maioria dos moradores tem esse sentimento, mas tem uma porcentagem que discorda, até pelo fato mesmo da abordagem. Mas eles preferem como está hoje do que como era antes. Hoje a gente não vive mais esse medo todo que vivia antes.” (Homem, 24 anos, morador, Chapéu) Além disso, podem se considerar mais cidadãos: “A UPP, ela ampliou o nosso direito de ir e vir. Hoje, se eu quiser ir lá num canto do Chapéu, eu posso ir tranquilo porque eu sei que não vou encontrar um grupo armado. Se eu quiser ir lá no alto da Babilônia eu posso ir porque eu sei que não tem perigo de ter uma troca de tiros. Essa liberdade de ir e vir, essa liberdade da comunidade recuperar os caminhos, recuperar as vielas, que antes eram ocupadas por outros grupos...” (Homem, 49 anos, morador, Chapéu) E as pessoas estão sentindo uma certa “restauração” da situação antes do tráfico: “A primeira coisa foi a sensação de liberdade. Você se sente liberto! Eu vejo nas iniciativas, festa, futebol, todos os acontecimentos na arte, na cultura, no esporte… Aquela sensação de liberdade! Porque nós vivemos um longo período… Porque tem rapazes e moças, jovens, que nunca viveram fora da coerção do tráfico.” (Homem, 62 anos, residente, Chapéu) “Liberdade de andar na rua não se tinha, por causa do poder paralelo do tráfico. Eu mesmo perdi vários amigos. E aí eu nem 71 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro podia ficar muito na rua. Meus pais não me deixavam, não podia. Se a minha mãe soubesse que eu estava na quadra, eu tomava uma coça em casa. Por quê? Porque já havia a presença do tráfico. Desde que eu era criança, desde a minha infância, há 30 anos, já tinha. Era uma convivência harmoniosa, mas dava uma falsa sensação de paz e de proteção.” (Homem, 37 anos, comerciante, Chapéu) Na favela do Borel, o trauma infligido pelos tiroteios constantes entre facções de drogas e pelas repetidas incursões policiais também influenciou a percepção dos moradores sobre esse tópico: A UPP permitiu que as mães deixassem as filhas voltarem sozinhas da escola: “Hoje em dia eu levo minha filha na escola e ela volta sozinha. Antes, quatro horas da tarde parecia que eles já sabiam a hora certa para começar os tiros. E era a hora mais complicada, porque a gente tinha que buscar as crianças na escola e não podia.” (Mulher, 32 anos, moradora, Borel) “Para mim, ela (a UPP) me trouxe paz o suficiente. Não tem mais tiroteios, o que permite que as crianças de hoje, a nova geração, sejam criadas em outro ambiente. Antes, as crianças tinham medo da polícia, pois a viam de maneira diferente, já que a polícia chegava no morro matando pessoas e trocando tiros, e isso era na época em que as crianças estavam saindo da escola.” (Grupo focal, Borel) Na favela do Pavão, pelo contrário, a tendência entre os entrevistados era de subestimar o efeito intimidante que a atividade do tráfico costumava ter na circulação de pessoas na comunidade. Para alguns, a vida sob o tráfico de drogas não era tão ruim e opressiva quanto para os outros, e por isso o contraste foi menor. A afirmação de que “o tráfico só mexe com quem mexe com ele” não significa que os moradores não reconheçam que o tráfico “oprimia” a população, mas, isto sim, que a presença do tráfico não chegava a anular a possibilidade de que as pessoas vivessem no cotidiano segundo certo padrão de normalidade. Outros deram a entender que a UPP só estava tendo um impacto limitado: “Pra mim a única coisa que mudou é que não vemos mais as armas, mas só.” (Grupo focal, Pavão) Manguinhos, nosso caso de controle, serviu como lembrete do que significa viver em um lugar onde a liberdade de expressão é tolhida pelo tráfico de drogas. A liberdade que os moradores dos três casos de UPP enfatizaram quando falaram sobre o programa, 72 Capítulo 4. A redefinição das interações na comunidade seja criticando ou elogiando, mostrou que foi criado um novo espaço para a expressão de opiniões sobre a vida na favela. Em Manguinhos, pelo contrário, era claramente mais fácil posicionar-se contra a UPP do que falar em sua defesa. Os entrevistados em geral preferiram não responder a nenhuma questão sobre a UPP. Ao ouvir a menção às UPPs, uma comerciante que havia nos contado sobre os constantes tiroteios em seu bar há pouco tempo, suspira ao dizer “agora é que começam as perguntas difíceis” e se esquiva de qualquer tentativa de se posicionar diante de um possível cenário de Manguinhos com UPP. Outro comerciante que havia dado uma entrevista com fortes críticas às ações do Estado no processo de expropriação de seu bar calou-se quando questionado sobre a possibilidade da chegada de uma UPP: “Aí eu não sei, porque não tem nada aqui.” Apesar da resposta vaga, houve certo nível de aprovação da UPP – mesmo que um pouco tímido e indireto. Quando questionado sobre o que estava acontecendo no Alemão, complexo vizinho, a primeira comerciante afirmou: “Está começando a reviver.” Proprietários de pequenos negócios pareciam estar entre aqueles em favor da UPP, especialmente no Chapéu e no Borel, onde o processo de pacificação certamente abriu espaço para que seus “mercados” crescessem (mais detalhes no Capítulo 6). Curiosamente, o trabalho de campo em Manguinhos também mostrou que a UPP pode ter um efeito em termos de mobilidade mesmo nas favelas em que o programa não chegou ainda (ver Capítulo 7). b. A regulamentação da alegria e do lazer da comunidade Uma das mudanças provindas da UPP que mais renderam conflitos dentro da comunidade foi a regulamentação da “diversão” e do lazer. Embora a presença da UPP tenha sido mais acolhida em termos de liberdade de ir e vir sem medo, seu impacto em outras áreas da vida comunitária rendeu opiniões muito mais desencontradas por parte dos moradores. A retirada dos chefes do tráfico deixou um vácuo no que diz respeito a questões comunitárias que haviam sido regulamentadas por eles, tais como as relacionadas às festas da comunidade e outras atividades recreativas. A polícia da UPP, intencionalmente ou não, ocupou esse vácuo, criando suas próprias regras, que frequentemente foram muito contestadas pelos moradores. Os entrevistados falaram sobre muitas situações 73 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro nas quais a polícia ficou “em cima do muro”, num limite tênue entre discrição arbitrária e autoridade legítima. De todas as atividades de lazer, os bailes funk foram o centro de toda a controvérsia. Por causa do papel proeminente que tinham sob o regime pré-UPP e seus fortes laços simbólicos com o tráfico de drogas, a regulamentação dos bailes funk tornou-se parte de uma espécie de “guerra cultural” em torno da definição do que era divertido em termos de legalidade em um mundo pós-tráfico. O baile funk é tradicionalmente associado, pela polícia do Rio de Janeiro, a festas dançantes que duram a noite toda, dadas nas favelas pelos traficantes de drogas, com armas à mostra, drogas à venda e letras que glorificam a vida dos traficantes, o sexo sem limites e o uso de drogas. Quando a polícia da UPP chegou à favela, ela proibiu os bailes funk e estabeleceu limites de tempo e de ruído para as festas. O funk carioca é um gênero musical que começou a ganhar popularidade no Brasil com sua ligação às favelas do Rio nos anos 80. A batida e os bailes tornaram-se um fenômeno nos anos 90, principalmente nas favelas e em bairros pobres do Rio, e nos anos 2000 começaram a atingir o resto da cidade e outras partes do país. Sua ligação com o tráfico faz-se evidente pelas próprias letras e pelo fato de que os bailes eram dados nas favelas que estavam sob o domínio do tráfico de drogas. A UPP alegou estar aplicando as regulamentações do Estado e protegendo o direito ao descanso dos moradores que queriam silêncio nos fins de semana. Uma legislação estadual aprovada em 2008, poucos meses depois da instalação da primeira UPP, criou exigências que tornaram praticamente impossível aos moradores das favelas promoverem bailes desse tipo. A lei estabeleceu, entre outras coisas, o seguinte: a necessidade de solicitar uma autorização do governo com 30 dias de antecedência, a instalação de câmeras e banheiros para homens e mulheres no local, toque de recolher à meia-noite e uma série de documentos pessoais do solicitante. Após um ano de muita persuasão por parte de “funkeiros”, músicos e algumas organizações de sociedade civil, que argumentavam haver uma discriminação aberta contra o gênero musical, essa legislação foi revogada e outra foi aprovada, reconhecendo o funk como manifestação cultural legítima.44 Os bailes estão lentamente reaparecendo em algumas comunidades pacificadas, o que denota 44 Em junho de 2008, o governador Sérgio Cabral aprovou a lei nº 5265, regulamentando bailes funk e festas rave no estado do Rio de Janeiro. Com a aprovação da lei nº 5.543, em 2009, a lei anterior foi revogada, e o funk foi estabelecido como expressão musical legítima e patrimônio cultural. 74 Capítulo 4. A redefinição das interações na comunidade uma importante lição aprendida ao longo da implementação do programa. No entanto, os bailes ainda são muito mais restritos do que costumavam ser. O recente estudo sobre os impactos das UPPs da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (UERJ e FBSP, 2012) recomenda que as polícias da UPP não reprimissem mais as manifestações culturais relacionadas às drogas, como bailes funk, a fim de deixar de vê-las como uma representação do “inimigo”. O estudo defende que isso ajudaria as UPPs a ganharem a confiança dos jovens, que, como o nosso relatório confirma, muitas vezes consideram as ações das UPPs arbitrárias e injustas. Também é importante perceber que os bailes funk não eram a única atividade de diversão inicialmente banida ou regulamentada com maior rigidez. Um estudo realizado pelo instituto ISER em 2012, com a participação de seus pesquisadores em uma série de bailes funk de três favelas diferentes com UPPs, mostrou que a Resolução nº 013 de 2006, que regula o volume do som e os toques de recolher das festas em todo o estado do Rio de Janeiro, estava sendo usada para controlar esses e outros tipos de festas nas favelas. De acordo com esse estudo, na prática, a regulamentação específica dos bailes funk varia de acordo com o capitão da UPP, e, portanto, em algumas comunidades, esses eventos ainda estão banidos. Os autores argumentam que a regulamentação dessa atividade cultural deve seguir uma abordagem de estabelecer pactos locais entre cada comunidade e a UPP, em vez da proibição e do controle puros. Essa abordagem também ajudaria a reconstruir de forma diferente a relação histórica da ausência de confiança entre os dois, especialmente entre os jovens e a polícia.45 Enquanto a maioria dos jovens se queixou dessa mudança, muitos adultos e idosos aprovaram a regulamentação. Moradores que se opunham a ela viram-na como uma imposição arbitrária, uma invasão por parte da polícia sobre a autonomia da comunidade e uma falta de respeito a seus direitos básicos. Eles ressentiram-se porque a prática negava uma das poucas fontes de diversão na comunidade e porque nem sempre era fácil ou prático procurar outras opções de lazer fora da favela por razões financeiras e de estigmatização. Ainda assim, outras vozes apreciaram o sentido de ordem e justiça trazido pelas regras, especialmente para os moradores que precisavam descansar e não conseguiam fazê-lo por causa do barulho vindo dos bailes. 45 ISER, 2012b. O Funk está “pacificado”. Rio de Janeiro: ISER. 75 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro As opiniões sobre o papel da UPP na regulação de bailes funk não pareceram variar entre as favelas. Surgiram críticas até mesmo entre os que responderam mais positivamente à presença das UPPs, como pode ser visto a partir destes trechos de entrevistas na favela do Chapéu: “Para mim, a UPP é um mal necessário. Mas eu acho eles meio chatos, porque atrapalham a vida dos outros, não deixam ter festa. Quer dizer, ela é boa pela segurança, mas se acham os donos da comunidade. (…) Antes, as festas não tinham hora para acabar. Agora eles ficam na porta da casa, falando pras pessoas pra acabar com a festa. E acho também que eles são muito abusados, revistam todo mundo.” (Rapaz, 15 anos, Chapéu) “Agora não podemos ter nada, é tudo proibido! As festas, a curtição, não dá pra fazer nada, ao ponto de você ter que sair daqui e ir em outra comunidade se quiser ir a uma festa ouvir uma música ou dançar.” (Homem, 25 anos, morador, Chapéu) Enquanto isso, nas favelas que outrora não tinham uma opinião muito entusiasmada quanto à UPP, alguns moradores expressaram seu apoio total a medidas como a regulamentação dos bailes e a criação de uma “versão pacificadora” da “Lei do Silêncio” – agora com um significado diferente e realmente legalizado, em oposição à “Lei do Silêncio” prévia, que se referia a um acordo implícito entre as comunidades de que ninguém poderia falar sobre o tráfico de drogas (ver Capítulo 2). Essa nova lei, disseram, preservava os direitos individuais daqueles que preferiam ter um pouco de silêncio. “Na minha opinião, melhorou muita coisa. Acho que agora temos um pouquinho mais de privacidade, que a gente não tinha. O silêncio, né, porque a Lei do Silêncio existe, entendeu? Tipo, tu tem que trabalhar e descansar um pouco. (...) Antes tudo isso era feito de uma forma desordenada, não tinha mais como conter isso tudo. Pra mim, estava havendo muito desrespeito entre as pessoas. A rapaziada com os moradores, os caras estavam sentindo que podiam fazer de tudo, faltavam o respeito mandando ir tomar não sei aonde, botavam as armas na sua cara, diziam que quem sabia e decidia eram eles. Agora não tem mais isso… Entendeu? “ (Grupo focal, Pavão) Ainda assim, para alguns moradores, a situação na favela pré- UPP pareceu ter causado o que eles interpretaram como o fim do funk. Na favela do Borel, por exemplo, onde o conflito entre as 76 Capítulo 4. A redefinição das interações na comunidade facções costumava ser muito tenso, alguns moradores alegaram que estavam dispostos a pagar esse preço em troca da paz: “Não tem nenhum lazer mais aqui. Na época dos traficantes tinha, tinha o baile funk, agora não tem nem mais isso. Muitos moradores estão reclamando porque o Borel agora está morto. No final das contas, estar morto é bom, é melhor do que como estava antes.” (Mulher, 32 anos, moradora, Borel) As regras da UPP estenderam-se além dos bailes para outros tipos de eventos e até o uso de espaços comunitários. No Borel, por exemplo, um jovem de 16 anos disse que “para ter evento tem que ir uma semana antes no capitão, para ele liberar, e tem que acabar cedo, umas três e pouco, quase quatro horas”. Na favela do Chapéu, as regras para acesso a quadras de esportes levantaram controvérsias. Antes um espaço público da comunidade sem gestão direta de nenhum órgão, a quadra passou por reformas e agora sedia as instalações da Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC).46 Com isso, vários cursos e atividades passaram a ocorrer no local, cujo público-alvo é essencialmente de moradores da favela. No entanto, são bastante comuns queixas a respeito das restrições em relação ao uso da quadra e da necessidade de pedir autorização à FAETEC e à UPP. A direção local da FAETEC se defende dizendo que agora apenas há organização e que antes acabava prevalecendo a “lei do mais forte”, quando crianças costumeiramente não podiam usar a quadra, por exemplo, pois acabavam sendo postas para fora pelos mais velhos. c. Mediação de conflitos A polícia da UPP é frequentemente chamada para mediar conflitos entre vizinhos ou familiares, conflitos estes que costumavam ser administrados ou desfeitos por traficantes. Por exemplo, na favela do Borel, havia uma rivalidade forte entre as comunidades do Borel e da Casa Branca, e os residentes de uma área sabiam que não poderiam passar para a outra, o que foi reforçado pela facção dominante de cada parte da favela. Com o advento da UPP e a quebra dessa barreira invisível, está acontecendo uma renovação gradual de contato entre esses moradores, com um aparente recomeço de velhas hostilidades, exigindo mediação de conflitos pela polícia. 46 Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC), vinculada à Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (SECT). 77 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro Todos esses problemas têm ligação, em seu cerne, com a definição do que é o envolvimento legítimo da UPP nos assuntos da comunidade. Além do papel pretendido de reforçar as regras da lei e manter o desarmamento, as UPPs assumiram no local verdadeiros papéis governamentais de mediação de disputas, resolução de conflitos, fiscalização e tomada de decisão na maior parte dos assuntos relacionados à vida comunitária. No mínimo, essa é uma situação constrangedora. As UPPs admitem não estarem preparadas e adaptadas para essas tarefas. Para alguns moradores, principalmente para os jovens, não há limites suficientes para o poder da UPP. Isso leva a sugestões de que mudou apenas o uniforme das pessoas que detêm o poder, e de que os moradores de favelas agora sofrem o mesmo tipo de controle abusivo por parte da UPP que sofriam anteriormente sob as regras dos traficantes de drogas. No entanto, ao passo que as opiniões variam dentro de cada favela, novamente parece haver uma curiosa tendência que pode ser explicada pela trajetória pré-UPP. No Borel, onde as associações foram influenciadas pelo tráfico de drogas, alguns moradores não questionaram a presença de terceiros na tomada de decisões e disseram que preferiam o comando da polícia ao dos traficantes: “(...) Antigamente a gente procurava quem tinha que procurar (traficantes) e não resolvia, agora, a gente procura o capitão, conversa com ele e sempre dá um conselho pra gente, aí resolve uma coisinha, a gente nunca sai de lá com um não.” (Mulher, 32 anos, moradora, Chapéu) No Chapéu, apesar da satisfação geral com a UPP, os moradores mostraram-se preocupados com os limites e com o risco de ela ter poder demasiado. O Chapéu foi caracterizado por uma forte vida associativa, muito independente dos traficantes. Assim, as associações de bairro tinham sido capazes de preservar muitos dos seus papéis tradicionais, tais como mediadores de conflitos, que haviam sido enfraquecidos em outras favelas pelo poder dos traficantes de drogas. Os moradores manifestaram preocupação quanto à UPP substituir a associação na mediação de conflitos e regular a vida da comunidade, bem como quanto à perda da possibilidade de os próprios moradores resolverem seus problemas pelo diálogo em vez de chamar a polícia. “Os policiais da UPP é uma outra situação. Eu sou contra a militarização nas comunidades. (...) Nós debatemos sobre as UPPs passarem a fazer o trabalho que é da associação de 78 Capítulo 4. A redefinição das interações na comunidade moradores. Eles têm que manter a ordem e os trabalhos sociais serem feitos pelas associações.” (Homem, 62 anos, liderança, Chapéu) “(...) Muitas vezes, a UPP fica no lugar do poder paralelo, mas acaba por exercê-lo também. Em vez de ser polícia, eles passam a querer ser juízes.” (Homem, 57 anos, liderança, Chapéu) “O papel da UPP não é ditar regras, mas criar normas de convivência sem alterar a vida da comunidade, porque a comunidade tem vida própria.” (Homem, 49 anos, morador, Chapéu) d. Aspirações e modelos Como resultado da UPP, as representações simbólicas e culturais produzidas pela e em torno da favela estão sendo redefinidas. Essa redefinição se manifesta nas conversas dentro da favela e em termos de modelos e aspirações sobre o futuro. Como mostrado no Capítulo 3, o chefe do tráfico foi por muito tempo a referência cultural para mobilidade social na favela – dinheiro, mulheres, poder: tudo isso era associado à sua figura. Com a chegada da UPP, essas referências culturais sumiram de repente do espaço público. Em seu lugar, vieram os homens e mulheres da polícia da UPP. As conversações públicas parecem estar mudando: “Não se vê o tema tráfico mais. As pessoas estão tendo hoje outro tipo de discussão, nas ruas, nas casas. Antigamente você via em bar nego conversando sobre guerra sei lá onde (em referência ao tráfico e às rixas), que fulano tomou, que vai invadir. Isso diminuiu bastante.” (Homem, 62 anos, liderança, Chapéu) Os modelos de adultos que as crianças e pessoas mais jovens têm agora para seguir também parecem estar mudando, o que pode ser visto neste diálogo entre duas mulheres do grupo focal do Borel: “Eu tenho dois filhos, um tem 12 e o outro tem 9. (...) Antigamente, antes da UPP, os meus filhos me pediam revólver e arma de Natal. Nós somos os responsáveis pela educação dos nossos filhos, eles seguem o caminho que dizemos para seguirem, mas se eles veem traficantes de drogas com pistolas e rifles, eles vão querer ter o mesmo, pois aquelas eram as pessoas que controlavam tudo. Agora, eles pedem uniformes policiais. 79 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro Entende? As gerações que estão por vir vão ser totalmente diferentes.” Uma jovem da favela do Chapéu compartilhou da mesma visão: “As crianças não tem mais exemplo de querer ser bandido, pelo contrário, querem estudar, está mudando. (...) Tem colégio, o SESI, eu estou terminando o segundo grau. Todo mundo quer estudar! Tem até mesmo uma lista de espera.” (Mulher, 26 anos, moradora, Chapéu) Quando perguntamos sobre as aspirações para o futuro, os entrevistados reforçaram as expectativas de que o tráfico de drogas deixe de ser a referência para os jovens nas favelas: “Tem outra situação também. A situação do jovem, em médio e longo prazos, tem a questão das oportunidades. Em curto prazo, ainda tem a questão do traficante como herói, em médio prazo isso está se perdendo, e em longo prazo essa figura vai sumir. (…) A juventude não tem mais aquele espelho que tinha! Ela tem agora o espelho da sala de aula, a visão da sala de aula.” (Homem, 62 anos, liderança, Chapéu) Este jovem, da mesma favela, repete a mesma mensagem de paz: “Agora os jovens terão mais oportunidades, sem precisar entrar para o tráfico de drogas.” (Homem jovem, 15 anos, Chapéu). Até em Manguinhos, onde há ausência de UPP, alguns moradores referem-se com otimismo ao legado em potencial da UPP: “Eu acho que o problema com a mídia negativa vai diminuir, porque, onde tem UPP, temos certeza de que o tráfico não parou, mas ele mudou. (...) Se as pessoas dizem que não há drogas onde há UPP, estão mentindo! Tem (drogas) sim! Agora, o que percebi falando com os antigos líderes dos anos 70 e 80 da Cidade de Deus e outros lugares, é que a violência objetiva diminuiu. Não se vê ninguém armado... Não se vê gente gritando os preços das drogas... E isso traz um impacto. As crianças não veem isso mais, ficou mais discreto.” (Homem, pouco mais de 40 anos, Manguinhos) 80 Capítulo 4. A redefinição das interações na comunidade 81 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro 82 Capítulo 1. O que significa pacificar as favelas? Capítulo 5. Pacificar a polícia? 83 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro H istoricamente, a regulamentação da violência nas favelas costuma ser marcada pelos relacionamentos entre as três categorias de agentes: a polícia militar, os traficantes de drogas e os moradores das favelas. A UPP trouxe um quarto agente em potencial a esse triângulo: a “nova polícia” ou a “polícia da UPP”. As percepções que os moradores têm sobre essa “nova polícia” e suas relações para com a “velha polícia” são instáveis, graduais e moldadas por forças que vêm de dentro e de fora da favela. O nosso trabalho de campo tentou captar alguns capítulos dessa história em andamento. O trabalho não questionou os moradores especificamente sobre o que pensavam da polícia pacificadora, mas essas percepções inevitavelmente vieram à tona enquanto eles descreviam a nova vida nas favelas sob o comando da UPP. Talvez o conhecimento mais importante adquirido nesse tópico tenha sido o de que, enquanto para pessoas de fora e para a narrativa oficial a UPP representa uma tentativa de pacificação de favelas, os moradores das favelas questionam-se quanto à possibilidade de a UPP ser uma tentativa (genuína) do Estado de pacificar a polícia. Mais curiosamente ainda, os moradores parecem estar desenvolvendo uma compreensão mais sutil do papel da polícia, a qual captura diferenças nos estilos e tipos de aproximação e valoriza a possibilidade do que poderia ser um policiamento diferente, mais orientado em prol da comunidade. Essas compreensões diferem de maneira importante, dependendo da história da comunidade pré- UPP. a. Variedades de comportamento da polícia Será esta uma nova polícia? No geral, as entrevistas mostram que ainda há dúvidas. Alguns moradores perceberam que a UPP era de fato um novo tipo de força policial. Outros confirmaram as visões pré-existentes da UPP como sendo “mais do mesmo”. Esta pesquisa ouviu relatos de má conduta e, algumas vezes, de brutalidade por parte da UPP, e outras sobre a bondade e generosidade dos policiais. Sem dúvida, em comparação com a polícia militar do passado, houve um grande avanço. Ainda assim, esse passado não está tão distante – três anos no máximo. Muitos que entravam na academia de polícia o faziam pela aventura e pelo poder de usar força letal. É possível que tenham origens semelhantes às dos moradores das favelas, mas frequentemente tratam os membros da comunidade com desrespeito 84 Capítulo 5. Pacificar a polícia? e desdém a fim de reafirmar seu status. Alguns ficam frustrados com seu papel de “trabalhadores sociais”. Em suas críticas, os moradores também mencionam o fato de que os policiais são muito jovens e não têm preparação para estar na favela. Por outro lado, de acordo com alguns moradores, outros policiais parecem felizes por estarem integrados com as comunidades. Estes trechos ilustram a ampla gama de opiniões: Alguns moradores descobriram que policiais não são necessariamente “monstros”. “A gente tá vendo também o lado humano do policial, porque ele para, conversa, fala de futebol. A gente vê o ser humano atrás da farda. Está muito melhor.” (Homem, 37 anos, comerciante, Chapéu) Outros disseram que eles são piores que os traficantes. “Antigamente o traficante pegava e cobrava as coisas, agora não, agora quem faz isso são os próprios policiais. Batem nos moradores, entram nas casas dos outros para desligar o som e para roubar as coisas.” (Grupo focal, Pavão) E outros criticaram a polícia, mas ainda assim estavam satisfeitos de poderem reclamar caso não gostassem do comportamento dela. “Quando você (outro morador) diz que o bandido e o policial são a mesma coisa, em certos aspectos, isso é verdade. Mas antes, quando o bandido dizia alguma coisa, todo mundo respeitava ele. Agora, quando o policial diz, muitas pessoas vão ao posto policial para reclamar. Então, algumas coisas melhoraram, algumas coisas. Temos mais liberdade para fazermos certas coisas, pessoal.” (Grupo focal, Pavão) As reclamações sobre a ação policial passam por todos os níveis de gravidade: Alguns contaram histórias de abuso de poder. “Um policial parou na padaria para beber, eu estava voltando cheia de compra da padaria, e ele estacionou na passagem para minha casa. Pedi para ele tirar o carro e ele nem olhou.” (Mulher, 62 anos, moradora, Chapéu) Outras vezes essas histórias eram um pouco mais sérias. Um rapaz de 17 anos, casado com uma jovem de 16 anos e pai de uma criança de um ano, disse ter sido abordado com truculência por dois policiais e ter revidado com uma tentativa de soco em um dos policiais. De acordo com ele, a revista policial foi abusiva. 85 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro Mas algumas histórias beiraram a criminalidade. O caso mais notável aconteceu na favela do Pavão, envolvendo um morador do Cantagalo, de 35 anos, que levou um tiro nas costas após uma discussão entre os residentes e alguns policiais que haviam entrado no galpão de uma escola de samba para encerrar uma festa de aniversário. O caso recebeu cobertura completa da imprensa. O rapaz teria discutido com policiais, mas em seguida afastou-se da multidão que se formou após os policiais terem usado spray de pimenta para dispersar a população. Nesse momento, ele teria sido alvejado por um tiro pelas costas que, segundo ele e outras testemunhas, foi disparado por um policial. A vítima contou em entrevista ao jornal O Globo que estava dentro do seu bar quando policiais bateram na porta e pediram para revistar o ambiente. “Devido à falta de educação de um deles, discuti com ele. O policial queria me algemar para me levar à delegacia por desacato. Eu me recusei a pôr algemas e ir para a delegacia para fazer uma queixa sobre o abuso da autoridade.” (...) “Ainda de acordo com a versão dele, um pouco antes de ele cair no chão, já baleado, três PMs teriam passado por ele e um deles, colocado o pé para que André caísse. Embora não tenha visto de onde veio o tiro, ele acredita que tenha sido algum policial o autor do disparo.” (...) “De acordo com a versão dos quatro policiais, houve troca de tiros durante a averiguação de uma denúncia de que traficantes armados estariam na favela.”47 Ainda que os procedimentos das abordagens policiais testemunhadas por nossa equipe sempre tenham estado de acordo com os limites da lei, o quadro de desconfiança dominante parece transformar qualquer excesso policial percebido pela população em narrativas que se multiplicam dentro dos variados grupos sociais existentes na comunidade. Quando os moradores tentaram explicar por que a polícia havia se comportado de maneira imprópria, eles se referiram... ...ao “poder do uniforme”: “O policial está praticamente na mesma classe social do morador, mas quando ele veste a farda se sente superior, e não respeita às vezes as pessoas. (...)” (Homem, 62 anos, liderança, Chapéu) …ou aos “preconceitos” dos policiais em relação aos moradores de favelas: “Somos uma comunidade. Se os policiais 47 “Morador atingido no Cantagalo afirma que não houve tiroteio na favela”, O Globo, 6 de julho de 2010. 86 Capítulo 5. Pacificar a polícia? fizessem o trabalho deles como deveriam, eles teriam de ter a consciência e a compreensão de que nem todo mundo dentro da comunidade é o que eles pensam que é, ou seja, pessoas de vida torta, vamos dizer assim.” (Grupo focal, Pavão) No entanto, parece existir preconceito nos dois sentidos. Para alguns moradores, é difícil remover a percepção arraigada de que a polícia e os traficantes são a mesma coisa, e por isso eles tendem a criticar e ignorar as conquistas das UPPs. Essa percepção remonta ao histórico de relações conflitantes entre as comunidades e a polícia, que rende aos moradores a ideia fixa de que os policiais e os traficantes praticam ações igualmente ofensivas, “com a única diferença sendo a cor do uniforme”. Esse fato é analisado extensamente em trabalhos etnográficos realizados no fim de 1990, que identificaram que a diferença entre os policiais e os traficantes na visão dos moradores era marcada exclusivamente pelas cores que os identificavam: azul para a polícia e vermelho para a facção traficante principal, o Comando Vermelho (Alvito, 2001). As histórias pré-UPP das comunidades também fazem diferença. O incidente do Cantagalo, no qual a polícia atirou nas costas de um morador, parece ter acirrado uma animosidade entre os moradores do Pavão e a polícia – animosidade esta não observada nos outros dois casos. No Borel, as opiniões parecem ser dadas mais pelo fato de que o conflito entre as facções é mais recente, e o tráfico de drogas está mais entranhado na favela. No Borel, alguns moradores sabem que alguns dos traficantes de drogas ainda operam na comunidade: “Tenho medo de a UPP ir embora e todos nós morrermos. (...) Tenho medo do que viria a seguir, e desculpe a honestidade, mas mesmo com a UPP, o tráfico ainda existe. Tem muita gente que fica de olho no que todo mundo está fazendo. Da mesma maneira que temos a investigação policial, eles têm a deles (investigação dos traficantes).” (Grupo focal, Borel) Eles também têm medo de serem vistos como apoiadores da UPP, como mencionado pela dona de um café no Borel: “Estou na lista (a lista negra dos traficantes), o meu marido e eu, porque meu marido tem um empreendimento. Eles acham que a polícia não pode entrar no café, não pode passar por ali e dizer bom dia. Temos um caixa automático do Bradesco dentro do café. No evento de inauguração, o gerente do Bradesco chamou o capitão (da polícia), mas ele não pôde ir e mandou 87 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro outro cara no lugar dele. Eu não lembro o nome dele... Bom, daí nós tiramos uma foto com ele, e quando a gente fez isso, pronto. Foi como se a gente tivesse colocado o pé na cova.” Isso os deixa confusos e “tentando entender” qual é a nova situação: “Antes nenhum morador queria se relacionar com a polícia, nem eu e nem ninguém, isso porque tínhamos outro poder aqui na comunidade. Agora o que eu percebo, é que tem uns moradores que se relacionam tão bem com a polícia... Não sei, ainda estou tentando entender quase um ano depois da implantação da UPP.” (Mulher, 40 anos, liderança religiosa, Borel) Policiais da UPP no Borel (foto: Rich Press) < b. A importância dos plantões As distinções que os moradores fizeram em relação à polícia foram menores entre a UPP e a polícia tradicional e maiores entre diferentes policiais e plantões da UPP. Há uma tendência óbvia entre as comunidades de valorizar as idiossincrasias e o estilo de cada policial como um parâmetro importante para avaliar a atitude da polícia da UPP e distingui-la da polícia normal. Isso sugere que a relação com a polícia ainda não está consolidada institucionalmente. Muitos fizeram menção ao fato de que os policiais da UPP eram mais jovens: “Tem uns deles (do outro batalhão) que são agressivos. Estes são mais antigos, mais cheios de marra. Os mais novos, que têm um uniforme mais clarinho, não... Esses da UPP 88 Capítulo 5. Pacificar a polícia? são novinhos, todos com cara de menininho novinho.” (Mulher, 32 anos, moradora, Borel) Ainda assim, foram mencionadas, de maneira consistente em todas as favelas, as distinções entre policiais que trabalham em plantões diferentes. No Borel, por exemplo, esta liderança faz uma afirmação: “Depois a gente entendeu que tem a questão dos plantões. Tem o plantão dos que são bacanas, dos que são legais e dos que são mal-educados. Dependendo do plantão os policiais são bacanas, conversam. Existe, é fato, não é uma impressão nossa. Por exemplo, tem aqueles que não sabem abordar um morador, parte pra grosseria, quer mostrar que o poder está com eles. Por exemplo, nos bares, às vezes o pessoal conversando, se divertindo, um deles pode chegar e pedir para fazer silêncio do nada, sem critério (...)” (Mulher, 40 anos, liderança, Borel) Afirmações semelhantes foram feitas no Chapéu, onde um jovem morador indica o perfil mais bruto de certo policial: “X é um cara que gosta de esculachar todo mundo. Se sente a vontade em dar tapa, de agredir, todo mundo se retrai quando ele chega! A gente não pode fazer um evento no dia do plantão dele. Porque X acaba com as festas, diz que a associação não manda em porra nenhuma! ‘Quem manda aqui sou eu!’ Já em outros plantões, tudo é conversado!” Inversamente, na mesma favela foram destacadas as qualidades positivas de um capitão que, segundo documentado nas entrevistas, é tido como “bastante acessível aos moradores, sendo raramente visto com armas aparentes”. Foi no Pavão que o problema da “troca de plantões” ficou ainda mais claro. A esse respeito, este trecho do grupo focal é bastante significativo, revelando uma tendência da população de reproduzir na sua relação com a polícia uma atitude bastante semelhante à sua relação com o tráfico, não apenas por tentar entender aspectos da personalidade do policial – tal como ela fazia com o “chefão” local – para poder prever seu comportamento, mas também por uma atenção permanente aos sinais, nem sempre evidentes, de mudança no humor dele: [Moderadora] O que veio de bom além da redução da violência? Porque vocês falaram que antes tinha violência armada, e isso foi a única coisa que saiu, não é isso? A- “Saiu uma violência e entrou outra, foi isso.” 89 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro B- “Sendo que essa (outra violência) tem o poder da autoridade. Não quer dizer que todos são assim, porque como eu também disse tem policial que é bom aqui.” [Moderadora] Depende do plantão? A - “Depende do plantão! Agora você pegou na veia.” B - “Depende mesmo, porque tem plantão que já chega querendo arrumar problema.” C - “É, tem uns plantões ruins mesmo. Mas também tem plantões bons! Tipo, quando tem uma emergência, como tive diversas vezes... Alguém que passa mal, que precisa ir pro Miguel Couto ou pra outro hospital, eles levam e ajudam... O que acontece é que tem essa turma que mexe com eles, então eles acham que todo mundo é igual. A coisa do som que ele falou, tem hora certa para acabar o som, é o que eu escuto. Mas tem uma molecada que não aceita. No meu ver, acabou o som, vai pra casa! Mas eles (a molecada) não, querem ficar naquele tumulto, naquela brigalhada.” Entretanto, o perfil do plantão também parece relacionado a uma espécie de estilo mais ou menos ostensivo dos policiais, de modo que os moradores parecem tentar estabelecer uma relação entre as características do policial e a decisão de abordar com mais assiduidade os moradores. A revista policial tem sido, especialmente no Pavão, uma fonte permanente de tensão, conforme demonstrado na seção anterior e por este relato de um participante do grupo focal: “Sinceramente, eu acho que antes, quando tinha bandido, era melhor. Porque eles só mexiam com quem devia dinheiro para eles ou era do meio deles, não mexiam com quem não tinha nada a ver. Mas no plantão desse policial, aí eles vão pra cima de qualquer um. Meu marido é um, coitado, que cismaram com ele, sempre pegam no pé dele, revistam, xingam. Esse policial é de meter medo!” (Grupo focal, Pavão) A importância dos plantões da polícia também foi percebida pelos empreendedores locais, que mudaram seus comportamentos de acordo com eles. Um estudo qualitativo dos impactos da UPP sobre os serviços de mototáxi no Chapéu mostrou que os plantões da UPP influenciaram a maneira como esses motoristas realizavam o seu trabalho. De acordo com quase todos os 62 motoristas, moradores e empreendedores entrevistados pelo estudo, os policiais de plantões específicos faziam vista grossa àqueles que não seguiam as regras, 90 Capítulo 5. Pacificar a polícia? desde que eles pagassem, regularmente, um “pedágio” — como, por exemplo, pagar o almoço (ISER 2012 – ver o Quadro 5, no Capítulo 6, para mais detalhes). c. A UPP vai continuar depois das Olimpíadas? Entretanto, a principal preocupação dos moradores das três favelas tinha a ver com a incerteza quanto à permanência da UPP, havendo o receio de que ela pudesse ser interrompida após os Jogos Olímpicos, em 2016, deixando-os mais uma vez nas mãos dos narcotraficantes. Eles têm medo de que todos os que se envolverem demasiado com a UPP possam sofrer consequências severas assim que as gangues retornarem, como demonstrado em diversas declarações nas seções anteriores. Eles presumem que os chefões do tráfico, refugiados em outras favelas, vão esperar o momento adequado, continuar vendendo drogas, manter seu armamento sofisticado, subornar quem for necessário e retornar assim que a UPP sair. Esse medo é justificado. Isso já aconteceu no passado, nas tentativas anteriores de políticas públicas para resolver esse problema, como descrito nos Capítulos 2 e 3. Quando questionado sobre o tempo que levará para o retorno dos traficantes após a saída da UPP, um homem respondeu o seguinte: “Eles vão até se cruzar na saída”. Essa incerteza aparece com muita nitidez no Borel, como atesta esta passagem do grupo focal: “Nós também queremos saber (sobre a continuidade da UPP). A gente se pergunta o que vai acontecer. A pergunta é essa: isso vai acontecer até a Copa de 2014 e se estender até as Olimpíadas de 2016, ou é um programa sério?” Talvez esse temor quanto à interrupção da UPP seja a mais forte demonstração do interesse dos moradores quanto à sua permanência. Ainda que sem convicção quanto ao que ocorrerá, a fala desta moradora do BCB sintetiza bem o sentimento dominante nessa favela: “Meu desejo é de que fique, e acho que vai ficar, porque meu desejo é muito grande. Mas o povo acredita que não, que não vai ficar.” (Mulher, 40 anos, liderança, Borel) De fato, mesmo em uma favela como o Chapéu, na qual, como vimos ao longo deste relatório, o entusiasmo com a UPP é muito evidente, os moradores em sua maioria parecem não ter dúvida ao identificar uma relação de causalidade entre a UPP e os 91 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro eventos internacionais que o Rio abrigará nos próximos anos. E no Pavão, obviamente, o entendimento parece ser o mesmo. É por isso que, nas três favelas, os moradores estão com medo de que a UPP perca a razão de sua existência após o término das Olimpíadas. “Mudou porque sabem que daqui a três anos é o pessoal da favela que vai trabalhar para a Copa. A UPP só subiu por causa disso, 2014 e 2016! Depois acaba. E isso é uma coisa que eu e os outros temos que lutar, para que o tráfico não volte. É mais que certo que vai acabar. Aos pouquinhos… Acabaram as Olimpíadas, vai ficar que nem a África do Sul, vai voltar tudo à tona.” (Homem, 26 anos, Chapéu) Essa percepção dominante de que a UPP faz parte da preparação do Rio para sediar grandes eventos internacionais realça questões relevantes sobre o que esteve por trás do processo decisório que deflagrou a primeira UPP, bem como da decisão do programa de se criar uma espécie de cinturão olímpico, favorecendo favelas em regiões estratégicas. No entanto, essa mesma percepção generalizada também coloca em evidência um processo em andamento de “adoção da UPP”, o qual pode transformar o programa em um benefício social pelo qual os próprios moradores desejam lutar quando as Olimpíadas acabarem. Nesse cenário, haveria um deslocamento profundo da relação do mundo da favela com a polícia e, por conseguinte, da sua própria relação com os direitos. Estas afirmações por parte dos líderes da comunidade do Chapéu ilustram esse sentimento: “Dessa vez vai ser diferente. Podem até pensar que é um projeto pra inglês ver, mas a sociedade já se apossou desse projeto, e ela não vai mais admitir perdê-lo.(…) Não é mais uma questão de um governo ou outro, ou de projeto político, para nós é uma questão social!” (Homem, 48 anos, liderança, Chapéu) “Só vai mudar se tiver reforço da educação, melhoria de qualidade das escolas e de saúde, aí isso melhora. Se for só na palavra, na base da polícia com arma, aí a gente já conhece (…) Mas de qualquer forma, para as crianças e adolescentes, é bom a gente ter essa perspectiva de melhora, de futuro! Mas a gente também tem que estar sempre consciente de que não é nenhum favor do Estado. Eles precisam lembrar que temos direitos!” (Mulher, 50 anos, liderança, Chapéu) A discussão dos direitos nos leva diretamente ao tema de nosso próximo capítulo. 92 Capítulo 5. Pacificar a polícia? 93 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro 94 Capítulo 6. Integrando os moradores de favela na cidade (e na cidadania)? Capítulo 6. Integrando os moradores de favela na cidade (e na cidadania)? 95 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro L evar a paz às favelas foi visto por muitos como o primeiro passo em direção à integração total ao “asfalto” (parte formal da cidade). Isso foi visto como uma espécie de pré-condição que facilitaria a transição da “cidade partida” à “cidade integrada”, e do morador estigmatizado à cidadania com direitos. Como se daria essa transição e em que dimensões? Este capítulo apresenta os incipientes processos de mudança que podem ser observados em quatro dimensões: a regularização dos serviços públicos, o acesso aos programas sociais e oportunidades de desenvolvimento econômico, a remoção ou redefinição do estigma da favela e a gentrificação como efeito do processo de pacificação. O foco não está apenas em medir esses resultados, mas em descrever as mudanças que estão acontecendo nas favelas e capturar as vozes e perspectivas dos moradores sobre elas. a. A regularização dos serviços públicos Trazer o “estado de direito” às favelas não significa somente garantir que os moradores gozem de seus direitos, mas também a necessidade de cumprir com uma série de obrigações. Essas obrigações têm a ver com a formalização do acesso dos moradores aos serviços públicos e o cumprimento das regulamentações públicas. Logo após a UPP, uma série de serviços de utilidade pública (eletricidade, cabo, coleta de lixo etc.) começou a formalizar o fornecimento de seus serviços ao oferecer planos especiais para​​ incentivar a regularização. Além disso, as formas locais de transporte público (como mototáxis e kombis), bem como os empreendimentos locais, precisam cumprir com as licenças e regulamentações públicas. Enfim, foram introduzidos os esforços para apoiar a titularidade de terras. Nesta seção, descrevemos esses esforços e então apresentamos as perspectivas dos moradores sobre eles. Um dos primeiros serviços a serem regularizados foi a eletricidade, que costumava ser oferecida por meio de conexões ilegais conhecidas como “gatos”. A Light, companhia privada responsável pela distribuição de energia no estado do Rio de Janeiro, foi uma das maiores beneficiadas com o novo mercado. Hoje, a companhia fornece energia a áreas sob UPP com aproximadamente 32 mil famílias,48 embora não tenhamos conseguido encontrar dados sobre a era pré-UPP em todas as favelas. Em comunidades como as 48 “Light - Relatório de Sustentabilidade 2010”, disponível em http://relatoriolight.riweb. com.br. 96 Capítulo 6. Integrando os moradores de favela na cidade (e na cidadania)? do Chapéu e do Santa Marta, onde as regularizações começaram em 2008, mais de 90% da distribuição de energia encontra-se, hoje, regularizada.49 A redução mais significante de conexões ilegais foi registrada no Santa Marta, o lar da primeira UPP. Antes da entrada da polícia, 90% da energia fornecida nessa comunidade era ilegal. Entre os 10% que recebiam o serviço legalmente na época, representados por 73 moradores, apenas 15% pagavam suas contas. Após décadas de “serviço grátis”, a chegada de uma distribuição formal teve de ser acompanhada por campanhas que alertassem os moradores sobre a importância do uso eficiente da energia e de ter serviços regularizados. “A Sky já vem dentro do caminhão do Bope” é uma piada ouvida com frequência nas favelas. Antes da entrada da UPP, o acesso à tevê a cabo era fornecido pelo sistema “gatonet”, apelido dado à conexão ilegal ao sistema de cabo. Como sugere a piada, a companhia Sky, uma das principais fornecedoras de TV paga no Brasil, foi rápida em tentar ganhar consumidores logo que começou o processo de pacificação. A Sky viu o potencial de novos mercados emergindo com a pacificação e lançou em 2010 a “Sky UPP”. O programa oferece aos moradores em comunidades com UPP um pacote de 89 canais por aproximadamente R$ 50 por mês, quase a metade do preço normal cobrado do resto da cidade. Em 2011, a companhia telefônica Embratel também lançou um pacote especial de TV, o Via Paz, para os moradores do Borel, da Mangueira e do Alemão, oferecendo 96 canais por cerca de R$ 30. Devido à topografia da favela, os mototáxis e as kombis são hoje meios comuns de transporte local para os moradores — e no passado também foram para traficantes de drogas. Os morros inclinados, as ruas estreitas e as estradas não pavimentadas que compõem a paisagem de muitas favelas tornam o transporte nessas áreas naturalmente difícil. As pessoas ainda usam os mototáxis e as kombis, acima de tudo os mais velhos e as mulheres pela noite.50 Esses serviços informais são fornecidos na maior parte do tempo por moradores locais, que sobrevivem por meio dessas atividades. Em muitos casos, eles costumavam ser administrados pelo chefe do tráfico local. Para a polícia, os mototáxis e as kombis sempre tiveram forte relação com o tráfico, especialmente como meio de transporte para os usuários de drogas. Os motoristas das favelas pacificadas ainda lutam para quebrar o estigma de seu trabalho, que carrega há tempos 49 “Light já reduziu em 90% gatos de energia em cinco comunidades com UPP”, O Globo, 2 de janeiro de 2012. 50 ISER, 2012a. 97 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro apelidos infames como “mototráfico” ou “disque-drogas”. Mototáxis e kombis ainda não foram formalmente regularizados (ou seja, os donos não são formalmente registrados como empreendedores ou prestadores de serviços). Apesar disso, com a chegada da UPP, cujos policiais também reconhecem esses serviços como legítimos, as regras básicas de trânsito (carteira de motorista e placas do veículo válidas, o uso de capacetes, o número máximo de passageiros etc.) agora são aplicadas e monitoradas. Após o estabelecimento de cada unidade, os policiais registram todos os motoristas numa tentativa de identificar quais deles estavam ligados aos traficantes. A UPP também começou a abrir caminho ou acelerou a implementação de iniciativas de regularização das comunidades por meio da concessão do registro de propriedade para os moradores que possuem casa própria.51 Um exemplo da favela do Pavão é o Projeto Cantagalo, que tem como objetivo legitimar os direitos de posse da terra para cerca de 1,5 mil famílias na comunidade do Cantagalo. O programa foi criado em 2009 e implantado por meio de uma parceria entre o governo estadual, a ONG Instituto Atlântico, a Associação dos Moradores do Cantagalo e o Projeto Segurança de Ipanema. Entretanto, os moradores do Pavão (especificamente da comunidade Cantagalo) encararam esse tipo de iniciativa com ceticismo, preocupados com os custos que ela pode acarretar. Ao mesmo tempo, outros no Chapéu se mostraram otimistas, reconhecendo que pagar impostos também faz parte do processo de uma cidadania abrangente, com direitos, mas também deveres. Outras iniciativas incentivam a regularização e o desenvolvimento sustentável de pequenas empresas informais. A Empresa Bacana, por exemplo, oferece suporte para empresas de pequeno porte que tenham um faturamento de até R$ 36 mil por ano para que entrem na formalidade e recebam toda a documentação necessária. Todo o processo acontece gratuitamente na própria comunidade e pode ser feito em apenas um dia, sem nenhuma burocracia. O projeto oferece também palestras e apoio técnico para os empreendedores locais, que, dessa forma, compreendem que a formalização permite que cheguem aos grandes fornecedores, às linhas de crédito e aos benefícios da previdência social. O programa foi lançado em 2010 e, já em 2011, facilitou a formalização de mais de 1,5 mil pequenas 51 Essa questão é muito controversa nas favelas, onde a situação dos moradores diverge substancialmente. Por exemplo, muitos moradores são proprietários de suas casas, mas não de seu terreno. 98 Capítulo 6. Integrando os moradores de favela na cidade (e na cidadania)? empresas em 14 áreas pacificadas, incluindo as do Borel, Chapéu e Pavão. Lançado em 2009 pelo governo municipal na favela da Cidade de Deus, o projeto atualmente é disponibilizado para todas as áreas pacificadas. É coordenado pelo Instituto Pereira Passos (IPP) e implementado em parceria com as secretarias municipais do Trabalho e Segurança Pública, o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e o Sescon (Sindicato de Empresas de Serviços Contábeis). A partir de entrevistas de campo feitas com proprietários de empresas e membros de suas famílias, constatou-se que ainda existem sentimentos ambíguos sobre esses processos. Enquanto alguns percebem que os benefícios da regularização superam as novas obrigatoriedades tributárias, outros se sentem inseguros de que não conseguirão manter seus negócios em longo prazo. Os funcionários da rede de distribuição elétrica se preparam para atualizar o sistema elétrico no Borel (foto: Rich Press) < O que dizem os moradores sobre todas essas mudanças? Enquanto alguns moradores reclamaram sobre os valores das contas, ou a respeito da qualidade dos serviços (e realmente tiveram de descobrir como reduzir o consumo de energia), outros se mostraram satisfeitos por terem menos problemas relacionados à energia elétrica e apagões, o que antes acontecia frequentemente: Alguns deles reclamam da mudança de hábitos: “Eu vou vender tudo e só vou ficar com o celular, pra não pagar a conta de luz (...). Nós temos dois computadores e quatro televisões em casa, e agora temos de desligar tudo pra não ficar caro.” (Grupo focal, Borel) 99 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro Outros acham que o registro é motivado pelo desejo de cobrar impostos: “Eles fazem um lugar para você ir pra pegar os registros das casas, as pessoas não têm nenhum documento. Mas para quê? Pra cobrar depois, claro! Todo mundo que tinha sua casa estava lá para pegar os documentos, tudo bem. Mas eles só fizeram isso para fazer as pessoas pagarem os impostos. Ninguém acha que aquilo era dado, de graça!” Por causa dessa UPP, as contas também estão chegando. Eles dão e tiram!” (Grupo focal, Pavão) E isso pode levar ao processo de gentrificação: “Uma coisa que vai tirar o povo é botar luz, água, gás e telefone, e estão botando tudo isso aqui. Já botaram luz lá no (Canta)Galo, mas ninguém consegue pagar a luz. E ainda vão botar água, vai ter IPTU.” (Grupo focal, Pavão) Alguns dos entrevistados disseram que suas contas de luz superavam R$ 50 por mês. Outros poucos moradores disseram que haviam recebido no início contas de mais de R$ 100. Em uma pesquisa feita pela Secretaria Municipal do Trabalho em 2011, estudos de casos com moradores de três UPPs mostraram que suas contas variavam de R$ 35 a R$ 41 mensais.52 Mas, apesar de todos os problemas, algumas pessoas estão começando a confiar novamente nas instituições públicas: “Os moradores não veem nada! Eles aceitam os serviços. É novidade para essas pessoas, que nunca foram tratadas bem (...) A reforma da Light, primeiro, que foi mal feita, não é o serviço de qualidade que é feito em outros locais. Mas como vivíamos há tantos anos largados, a gente acha que é um serviço bom (...) A CEDAE [Companhia Estadual de Águas e Esgotos] não chegou ainda, só a Light que veio mesmo, para cobrar os impostos (...) Eu não sei, só o tempo agora pra ver mesmo o que vai acontecer. Mas existe o lado bom, que as pessoas estão voltando a acreditar em alguma coisa: no presidente, no juiz.” (Mulher, 50 anos, liderança, Chapéu) E está sendo ampliada a consciência sobre responsabilidade e cidadania: “Acho que a entrada da Light é boa. Antes ninguém pagava, mas quando acabava a luz, só tinha assistência se acabasse a luz, se fosse geral, se fosse no morro inteiro! Aí eles 52 Secretaria do Trabalho e Endeavor Brasil. Setembro de 2011. “Análise das Unidades de Polícia Pacificadora”. Governo do Rio de Janeiro. 100 Capítulo 6. Integrando os moradores de favela na cidade (e na cidadania)? vinham! Agora não, os caras chegam logo! Mas antes ficavam uns dois dias sem luz.” (Homem, 25 anos, jovem, Chapéu) Ainda assim, existe um trabalho de conscientização a ser feito com alguns policiais da UPP que se mostram bastante reticentes em perceber que os moradores são os verdadeiros donos e consumidores de alguns serviços: “Nossa internet é compartilhada, e, eu não sei por que, eles foram até a casa da pessoa que eu divido a internet e cortaram o sinal, sem falar nada pra nós. Porque tem muitos “gatos” e fios elétricos, eles acharam que nós tínhamos um “gato de internet”. E a menina falou que tinha um modem em casa, com quatro entradas para a internet. E eles não puseram de volta os cabos nem ajudaram a reinstalar a internet.” (Grupo focal, Chapéu) Quadro 5. Um estudo qualitativo sobre a regularização de mototáxis na favela do Chapéu Um dos muitos legados que o tráfico de drogas deixou por décadas na vida das favelas é o relacionamento ambíguo entre o que se considera legal e ilegal, o irregular/informal e o que é legítimo. As práticas culturais e os serviços que costumavam ter ligação com o tráfico de drogas foram consolidados com o passar do tempo como parte da vida e da cultura das comunidades, e se tornaram os componentes da imaginação social sobre o papel das favelas e de seus moradores. Com o retorno da presença do Estado nessas áreas, algumas dessas “normas locais” foram alteradas. As normas estritas, primeiramente impostas pela UPP, tiveram que ser renegociadas com as comunidades posteriormente. Uma dessas dinâmicas sociais afetadas pela UPP foi a dos serviços de mototáxi. Os serviços de mototáxi funcionam no Chapéu há cerca de dez anos, com aproximadamente 25 a 30 motoristas. Apesar de funcionarem irregularmente, esses serviços sobreviveram à chegada das UPPs graças à grande necessidade existente e por sua legitimidade estabelecida dentro das comunidades. O estudo “Histórico e Usos de Mototáxi no Chapéu, Mangueira e Babilônia: Um Olhar sobre os Impactos da Política Estadual de Pacificação” realizou entrevistas individuais e grupos focais com 13 motoristas, 34 moradores, 15 empreendedores e 15 policiais de UPP nas comunidades do Chapéu Mangueira e Babilônia (ISER, 2012). O estudo demonstra que no início do processo de pacificação ocorreram conflitos, levando à prisão de alguns motoristas. Atualmente, os policiais da UPP acreditam que a relação entre os motoristas e as gangues de drogas tenha ficado para trás. Entretanto, esse cenário também revela que a maioria dos motoristas e dos moradores da comunidade enxerga as mudanças processadas pela UPP em relação às operações dos 101 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro mototáxis de maneira realmente positiva no que concerne às novas obrigações e pela “supervisão” que foram impostas sobre seus serviços. Os motoristas tiveram um período de três meses para fazerem seu registro junto aos policiais e regularizarem suas licenças e placas, o que levou alguns deles a procurarem outros trabalhos. A central, que ficava na esquina da rua que delimitava o fim do bairro do Leme e o começo da favela, foi deslocada para a entrada da comunidade. Outras regras básicas de trânsito, como a necessidade de capacetes e um número máximo de passageiros atendidos, começaram a ser aplicadas e monitoradas.53 No entanto, a exigência inicial de os motoristas usarem coletes para identificar quem entrava e saía na favela foi posteriormente abandonada. Fonte: ISER, 2012. b. Acesso a programas sociais e oportunidades de desenvolvimento econômico Com o processo de pacificação, criou-se também a expectativa de que haveria programas e iniciativas sociais que ofereceriam novas oportunidades de desenvolvimento social e econômico. A estratégia inicial pela integração das favelas com o Estado e com a sociedade era usar a polícia militar para tornar as comunidades seguras para que fossem estabelecidos os programas de saúde, sociais, culturais e educacionais. Investir no capital humano, principalmente em relação à criação, ao treinamento e à disponibilidade de empregos, foi considerado o principal elemento de integração entre o morro e a cidade e a chave para criar uma sociedade civil mais forte, capacitada a manter a paz quando as UPPs saírem dessa área. Se o Estado puder oferecer creches, unidades de saúde de pronto-atendimento, centros de convivência social, áreas recreativas e capacitação para o trabalho, as perspectivas para o futuro serão muito mais positivas. Novamente, a maior preocupação é em relação à “juventude no limbo”. Não parece haver um consenso entre as percepções em relação às mudanças que ocorrem na chegada ou no aprimoramento desses tipos de iniciativas, e é difícil avaliar até que ponto esses benefícios já estão concretizando-se, especialmente aqueles relacionados às oportunidades de geração de renda. 53 Alguns dos policiais entrevistados disseram que a UPP “regularizou” o serviço, embora várias dessas normas estabelecidas sejam diferentes das exigidas pela Lei Federal 12009/2009, que regulariza os serviços de mototáxis e motoboys no Brasil. 102 Capítulo 6. Integrando os moradores de favela na cidade (e na cidadania)? O número de programas sociais em parceria com a iniciativa privada nas favelas cresceu exponencialmente nos últimos anos. Uma avaliação rápida feita no final de 2011 identificou, por exemplo, que foram implementadas 95 intervenções pela iniciativa privada em parceria com os governos e com as ONGs, das quais somente sete já estavam sendo desenvolvidas antes da chegada das UPPs, em 2008.54 O balanço demonstrou também que o número de intervenções cresceu gradativamente durante o desenvolvimento do programa, não somente pelo fato de que as áreas pacificadas estavam aumentando, mas porque, quando há o envolvimento de uma empresa, cria-se o estímulo para que outras também invistam. Muitos dos programas novos desenvolvidos em parceria com a iniciativa privada têm foco na capacitação e treinamento profissional, com o objetivo de preparar os moradores da favela e em especial os jovens para ingressarem no mercado de trabalho formal. Uma dessas iniciativas é o SESI Cidadania, mencionado por alguns dos entrevistados. Financiado pela FIRJAN e adotado em parceria com os governos estadual e municipal, e também pelas organizações locais, o projeto envolve várias atividades concentradas em educação, cultura, esportes e lazer. Foi lançado em agosto de 2010 e, de acordo com a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN), já beneficiou cerca de 110 mil pessoas. O Coletivo Coca- Cola é outro exemplo. O programa promovido pela Coca-Cola em todas as áreas pacificadas e adotado em parceria com as ONGs locais, e com o programa UPP Social, oferece, entre outros benefícios, capacitação voltada para o empreendedorismo e cursos sobre vendas (gerenciamento, treinamento, consultoria, etc.) para jovens que tenham entre 15 e 25 anos. Uma pesquisa feita pela Secretaria do Trabalho no final de 2011 demonstrou que nas comunidades do Chapéu, Borel e Pavão, respectivamente, 70%, 65% e 58% dos entrevistados gostariam de ter seu negócio próprio.55 Muitos moradores citaram as atividades recreativas para adultos: Eles estão vindo (os projetos), mas só agora. Existem projetos para os mais velhos, como ginástica, futebol para as crianças. (...) Minha vida melhorou? Melhorou, sim! Porque, é 54 Respondendo a uma demanda da UPP Social, em novembro de 2011, o Banco Mundial contratou um consultor local para fazer uma avaliação rápida a respeito do envolvimento da iniciativa privada nas favelas pacificadas. O relatório não foi publicado formalmente, mas foi utilizado pelo Instituto Pereira Passos para dar suporte aos seus esforços de mapeamento e coordenação nas áreas das UPPs. 55 Secretaria do Trabalho e Endeavor Brasil. Setembro de 2011. “Análise das Unidades de Polícia Pacificadora”. Governo do Rio de Janeiro. 103 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro como as meninas falaram, agora nós temos aulas de ginástica, e antes não tinha. Eu não estou indo lá esses dias porque estou com o braço quebrado, e faço fisioterapia na igreja São José lá embaixo. Tem também a escola que eu estudo, eu aprendi a escrever meu nome. Para mim melhorou. E agora o médico vem aqui na quinta-feira.” (Grupo focal, Borel) E também oportunidades para os filhos: “Hoje em dia minha filha faz projeto. Ela faz cursos, dança, ela está em um projeto em que ela aprende ballet, moda, enfeite para cabelo, artesanato. (...) Antes disso (pacificação), as crianças estudavam, iam para a escola (...), mas era muito perigoso, porque o tiro era a qualquer momento, e a gente ficava preocupada. Elas tinham de ir direto para casa. Agora não. (...) Elas podem vir seis horas da noite. (...) Minha filha pode ser criança... Essa diferença maior veio com a pacificação. Eu até digo que a pacificação foi feita para as crianças.” (Mulher, 36 anos, vendedora, Borel) Especialmente no que tange à educação: “Hoje, tem um monte de cursos. Eu falo isso para as minhas filhas: que hoje tem cursos de graça, escola de graça, coisa que não tinha na minha época. Hoje não! Tem tudo na mão. (...) Eu não sei quem é que trouxe essas coisas pra cá, mas chegaram, muita gente já se formou.” (Mulher, 35 anos, moradora, Chapéu) Atualmente, cada grande companhia multinacional, regional ou nacional presente no Rio oferece alguma atividade nas áreas das UPPs. Mais do que um crescimento em relação à proporção do investimento do setor privado, houve uma transformação importante da maneira de cunho assistencialista com a qual a iniciativa privada costumava investir nessas áreas anteriormente. Dos maiores bancos às companhias de telecomunicações, passando pela Coca-Cola ou pelas marcas de cosméticos, a iniciativa privada percebeu que, com a pacificação, os investimentos feitos nessas comunidades abririam acesso a novos mercados de consumidores. Além disso, começaram a perceber o potencial nessas áreas de formação de trabalhadores para os setores da economia em expansão, como o de turismo, o de indústria e o de serviços, que apresentam alta demanda por mais capital humano. Mas os moradores também reclamaram que, em geral, os projetos não consultam a comunidade nem levam em consideração as demandas locais: “Os projetos já vêm prontos. O futebol, então, vem prontinho. (...) Você sabe qual é o projeto 104 Capítulo 6. Integrando os moradores de favela na cidade (e na cidadania)? (social) que mais tem na comunidade? Futebol. Só futebol. Outra coisa, é que nós pegamos as crianças daqui para fazer o teste no Recreio, e tem somente um menino que foi jogar nos Estados Unidos. É o único que eu vi indo jogar futebol fora.” (Grupo focal, Borel) Outros dizem que o problema principal é a falta de informações disponíveis sobre esses programas e cursos. A UPP Social oferece atualmente uma lista de serviços prestados nas comunidades pacificadas ou perto delas, incluindo as informações de contato em seu novo site.56 Também usa pôsteres, flyers, blogs e sites locais das associações de moradores para avisar sobre reuniões e cursos ou concursos, porém muitos dos moradores entrevistados ainda não estão informados sobre vários programas ou sobre a própria UPP Social. Uma das lacunas mais gritantes em relação à assistência social refere-se aos chamados “órfãos do tráfico”. A Secretaria da Assistência Social estima que possa haver mais de 3,5 mil ex- traficantes operando nas favelas controladas pela polícia militar e pela UPP, e um número muito maior nas áreas em que a UPP ainda não foi instituída. Muitos jovens que deixaram a escola e se filiaram às gangues estão atualmente sem o respaldo da educação, sem salário e sem experiência ou habilidades profissionais. É notório que a venda de drogas nas favelas pacificadas continua a existir, mas em uma escala reduzida, o que é comprovado pelo fato de que muitos dos trabalhos informais surgidos nas castas inferiores da hierarquia do tráfico de drogas não existem mais. Estudo feito por Ramos (2011)57 com essa população específica demonstra que muitos desses adolescentes e jovens adultos são conhecidos como “órfãos do tráfico”. O estudo mostra que, além do fracasso financeiro, muitos desses jovens atualmente são estigmatizados pela própria sociedade e andam como “zumbis” pela favela, sem nenhuma atividade, como um dos entrevistados relatou. 56 O novo site, lançado pela UPP Social em 10 de maio de 2012 – www.uppsocial.org – possui uma base de dados com informações básicas sobre todas as comunidades que fazem parte do processo de pacificação. As informações incluem dados socioeconômicos, mapas, notícias e eventos e também uma lista com as iniciativas e os programas promovidos pelos setores público e privado, assim como por organizações da sociedade civil. De acordo com a base de dados, o Borel tem atualmente cinco centros que oferecem assistência social, seis postos de saúde e um hospital, sete creches e oito escolas públicas. Já o Chapéu possui quatro centros de assistência social, quatro postos de saúde e um hospital, além de três escolas. Por sua vez, o Pavão possui três centros de assistência social, um posto de saúde e um hospital, ademais de uma creche e seis escolas públicas. 57 Ramos, Silvia. Trajetórias no tráfico: jovens e violência armada em favelas cariocas. Trivium (on-line). 2011, v.3, n.2, p. 41-57. 105 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro Com relação à abertura de novos negócios e a oportunidades de trabalho, nossa pesquisa de campo percebeu uma leve tendência otimista. Isso fica mais evidente nas favelas do Chapéu e do Pavão, na Zona Sul, do que no Borel, principalmente por conta de sua localização, que atrai os turistas. Além disso, essas favelas estão passando por projetos de urbanização (Morar Carioca e PAC) e inúmeras outras ações adotadas após o estabelecimento da UPP, o que ajudou a trazer um influxo consistente de pessoas trabalhando e consumindo nessas localidades. No Chapéu, existem sinais evidentes de que a UPP está promovendo novos negócios. Vários pequenos negócios, próximos ao acesso à comunidade, receberam da Secretaria Municipal da Habitação um “carimbo” que demonstra que eles foram avaliados e aprovados pela administração municipal. Atualmente, muitos deles estão bastante ocupados por conta do número de trabalhadores na comunidade e também pelos visitantes externos trazidos à comunidade pelos esforços pacificadores. Um dos casos mais famosos das novas oportunidades econômicas é o “Bar do David”, o primeiro bar de uma favela a concorrer no concurso “Comida di Buteco” (ver Quadro 6). Quadro 6. O “Bar do David” O Bar do David é o primeiro bar de uma favela a participar do concurso “Comida di Buteco”. A competição reúne diversos bares de diferentes locais do Rio e analisa vários itens de seus cardápios, entre eles os melhores petiscos. Este bar no Chapéu ficou em terceiro lugar. De acordo com um dos organizadores do concurso, a seleção de um petisco do Bar do David de acordo com todos os critérios do concurso somente foi possível considerando-se o processo de pacificação e todos os esforços que contribuíram para o sucesso do programa. O evento foi o precursor da visibilidade deste bar pela cidade, com várias histórias publicadas pelas principais mídias impressas e outros canais de divulgação. De acordo com David, alguns dos clientes novos eram pessoas que nunca haviam ido a uma favela: “A maior parte de nossa clientela que agora frequenta o bar são pessoas de fora. (...) É gratificante ver as pessoas indo a um lugar que sempre foi evitado.” Durante e após o concurso, David começou a abrir o bar também aos domingos para atender a grande demanda dos clientes. Como o movimento aumentou muito, sua cozinheira pediu um aumento de salário, e ele a substituiu por outra. Ela acabou abrindo outro negócio na comunidade da Babilônia. 106 Capítulo 6. Integrando os moradores de favela na cidade (e na cidadania)? No entanto, muitos dos empresários do Chapéu, incluindo David, ainda consideram como “incerto” o futuro de seus negócios e demandam apoio do governo local para conseguirem que a infraestrutura local seja mantida e melhorada. Vislumbrando uma boa oportunidade, David promoveu em seu bar a identidade da favela, utilizando toalhas que foram especialmente encomendadas para o concurso, destacando sua participação no “Comida di Buteco” (foto de Mario Brum). (Photo by Mario Brum) < No Borel, os efeitos não foram tão explícitos, apesar de haver referências a um aumento da diversidade de negócios. Este jovem abriu sua “LAN house” uma semana após a entrada da UPP: “Mais oportunidade de comércio sim. Serviços que não tinham antes, como precisar tirar uma xerox de um documento, ou pessoas que não vinham aqui e agora vêm.” (Homem, 24 anos, empresário, Borel, comunidade Chácara do Céu) Acesso aos serviços bancários: “Agora lá embaixo no morro nós temos bancos. Isso é por causa da UPP, porque o Bradesco, por exemplo, se não fosse pela UPP nunca ia chegar aqui. Depois da UPP, agora nós também temos CNPJ.” (Grupo focal, Borel) 107 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro c. Integração simbólica – lidando com o estigma da favela Como mencionado anteriormente, a classificação “favela” é menos utilizada para descrever as características objetivas de um espaço e mais em relação às representações sociais e culturais. O estigma do “favelado”, termo pejorativo muito usado para se referir a uma pessoa que mora na favela, faz referência às percepções de lugares e de pessoas que vivam na ausência da ordem pública (total ou parcialmente), incluindo as leis e os direitos sancionados pelo Estado. Assim, é importante saber qual é a percepção dos moradores da favela em relação à UPP e o tipo de impacto causado por essa imagem externamente. Os três casos de UPP estudados são de favelas encravadas em bairros de classe média. Essa é uma situação ecológica que, de um lado, favorece ampla inserção dos moradores das favelas no mercado de serviços domésticos, de comércio e de lazer do entorno, bem como no uso de instalações coletivas como postos de saúde e escolas públicas. Por outro lado, paradoxalmente, também favorece o desenvolvimento de uma segregação urbana de tom cultural, decorrente de que a proximidade física entre os espaços populares e os de classe média é contraposta por representações sociais negativas sobre a favela, as quais funcionam como poderoso mecanismo de produção de distância social entre os dois espaços urbanos. Nesse sentido, um dos efeitos mais esperados da UPP é o de que, uma vez expulsos os traficantes armados das favelas – personagens que encarnam a representação de violência urbana que, nas últimas décadas, passou a se confundir com o próprio significado da palavra favela –, elas gradualmente possam estabelecer novas relações com o seu entorno, superando a situação atual de segregação. É importante realçar, contudo, que a segregação urbana é anterior ao ciclo do tráfico ostensivo nas favelas. Portanto, sua expulsão certamente não produzirá automaticamente a dessegregação automática, ou uma plena integração das favelas ao bairro. Ainda assim, dada a importância do tráfico para a produção de uma forma específica de segregação, fortemente centrada na acusação da favela e de seus moradores como portadores de uma “cultura da violência”,58 pode-se esperar que a “pacificação” com a UPP no mínimo produza 58 Para saber mais sobre a “cultura da violência”, consulte Machado (2008). 108 Capítulo 6. Integrando os moradores de favela na cidade (e na cidadania)? mudanças importantes na sua imagem externa e, portanto, no conteúdo da segregação vigente. O trabalho de campo sugere que as UPPs estejam estimulando uma mudança da autoimagem dos moradores, o que parece se refletir na modificação da percepção das pessoas de fora da comunidade. Como era de se esperar, esses tipos de leitura do efeito UPP foram especialmente verificados no caso da favela do Chapéu. Conforme demonstram os muitos relatos colhidos de moradores das favelas, a UPP parece contribuir para uma reelaboração da própria condição de morador da favela, a qual, no limite, pode apontar para uma participação mais ativa na vida cívica e política da cidade. Eles se sentem mais respeitados pelos vizinhos do “asfalto”: “Hoje eles já falam diferente, dão apoio para o pessoal daqui, gostam muito daqui porque é tranquilo. A visão é bem melhor hoje. É de paz, de tranquilidade. Aquela bagunça, aqueles carros subindo, não acontece mais. Agora o pessoal fala pra mim: ‘Poxa, você mora aí em cima? Como está bom aí né?’ Agora ficou bom! Então, para mim está ótimo!” (Mulher, 35 anos, moradora do Chapéu, empregada doméstica no Leme) Há uma geração de benefícios econômicos a ambos os lados: “O pessoal todo fala aí na rua, que agora não tem tiro, essas coisas. Eu sei que o pessoal (do Leme) está gostando, todo mundo está elogiando! Os apartamentos estavam desvalorizando, agora não tão mais. Quando falam bem da comunidade eu me sinto mais respeitada. Muitas garotas não conseguiam arranjar serviço de diarista ali embaixo. Para trabalhar não podia nem morar aqui. Acho que não contratavam porque achavam que as pessoas participavam do tráfico.” (Mulher, 58 anos, moradora, Chapéu) Mais amigos estão chegando de fora: “Minhas amigas moram tudo lá pra baixo, em Copacabana. Antes, elas não vinham aqui, porque eu tinha vergonha, e medo.” (Menina, 15 anos, Chapéu) Prestadores de serviços também se arriscam a chegar: “Ah, mudou! Agora está bem melhor! Você vê… as pessoas estão visitando a comunidade. Hoje, sobe para entregar farmácia, supermercado, é tranquilo! A qualquer hora da noite.” (Mulher, 51 anos, moradora, Chapéu) “O asfalto está entrando na comunidade para tudo. Na verdade, o asfalto está conhecendo a comunidade. (...) Antes ele ouvia falar 109 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro de uma comunidade violenta, hoje não, ele fala de melhorias, de dias melhores”. (Homem, 49 anos, morador, Chapéu) Os moradores sentem mais orgulho: “Agora não acham mais que todo mundo é bandido, o pessoal lá de baixo já vê a gente com outros olhos, de outro jeito. (…) Antes, estava ali no pé da ladeira era tiroteio direto. Agora, graças a Deus o pessoal anda com a cabeça erguida na rua, e o pessoal já te vê de outro jeito, eles sobem.” (Homem, 25 anos, morador, Chapéu) Porém, ainda têm bastante consciência de que essas mudanças são difíceis: “Eu acho que permanece o estigma, o preconceito. Tudo igual! O preconceito não vai deixar de existir...” (Mulher, 62 anos, moradora, Chapéu) É nos dois outros casos que o ceticismo quanto ao fim dessa segregação aparece com mais ênfase. No Borel, a maior parte das entrevistas convergiu em torno do entendimento de que o preconceito contra o favelado vai continuar. Isso fica muito evidente no material levantado pelos grupos focais realizados com moradores da favela. Ao serem questionados sobre se houve alterações na relação entre “favela e cidade”, alguns dos participantes responderam que nada havia mudado. No Pavão, embora o trabalho de campo tenha demonstrado que muitos moradores achavam que as pessoas dos bairros vizinhos estavam observando a favela com “mais respeito”, a UPP aparentemente levantou suspeitas sobre suas reais motivações, que para muitos estão mais relacionadas a proteger os moradores da cidade do que os moradores da favela. d. Integração demasiada? Ou medo de “remoção branca”? O trabalho de pacificação teve um efeito significativo sobre os preços das residências nas favelas e nos bairros vizinhos, especialmente nas favelas localizadas na região sul. No caso da favela do Chapéu, por exemplo, um artigo publicado no jornal O Globo relatou que os maiores preços de aluguéis mensais foram encontrados na região de baixo do Chapéu: R$ 4 mil por uma loja e R$ 2 mil por um imóvel de dois quartos. Uma casa de dois quartos também foi encontrada à venda por R$ 50 mil, 66% mais cara do que um ano antes da implantação da UPP.59 Considerando a área de 18 UPPs e os valores de venda nas áreas 59 “Imóveis em favelas com UPP sobem até 400%”, O Globo, 30/05/2010. 110 Capítulo 6. Integrando os moradores de favela na cidade (e na cidadania)? vizinhas entre novembro de 2008 e novembro de 2011, Frischtak e Mandel (2012) também constataram que, por estarem em um bairro com uma unidade de UPP, os preços das propriedades tiveram um aumento 5,8% superior aos de outros locais da cidade após a chegada da UPP ter sido anunciada. O estudo também demonstra significativa heterogeneidade em relação às UPPs no que concerne ao aumento dos preços dos imóveis, variando de 6% após a inauguração da UPP do Batan a 21% após a chegada da UPP no Chapéu.60 A alta dos preços no setor imobiliário dentro e no entorno das favelas pacificadas representa um perigo real e imediato para seus residentes e seu estilo de vida. Os atuais locatários serão desafiados com ofertas de preços muito maiores por parte daqueles que vêm de fora. E os proprietários se verão pressionados por um lado pelo aumento do imposto predial e por outro pelos preços de serviços. Isso leva ao problema da “expulsão branca” – expressão usada pelos brasileiros para distinguir esse processo da remoção direta de habitantes das favelas.61 Na favela do Chapéu, mais especificamente no caso da comunidade da Babilônia, isso ficou muito claro desde o momento em que se soube que chegaria uma UPP. A associação de moradores realizou diversos encontros para discutir a questão. Com o objetivo de preservar a comunidade, concordou-se que ninguém venderia ou alugaria sua propriedade para quem viesse de fora. Os moradores das favelas têm consciência dessa tendência e possuem sentimentos ambíguos sobre ela. Embora possa parecer algo bom, os moradores observam os aumentos de preços também como uma ameaça. As ações tomadas para a regularização dos serviços públicos, como o acesso à água e à eletricidade, e a eventual necessidade de se pagar IPTU, têm se mostrado objeto de reações ambíguas por parte dos moradores. Essa incerteza aparece com mais força nas favelas da Zona Sul, onde o aquecimento do mercado imobiliário das favelas é ainda mais expressivo. “O negócio é o ‘outro lado’ se aproveitar disso tudo, se aproveitar da comunidade para fazer o que quer... Aproveitar, eu digo, porque é comunidade, mas é na Zona Sul! E acabar usando tudo isso que 60 Na Rocinha, durante os primeiros três dias de pacificação, houve uma valorização de 50% nas casas localizadas em zonas mais atrativas. Para saber mais, leia http://oglobo.globo. com/rio/em-tres-dias-preco-de-imovel-na-rocinha-aumenta-50-3255212 61 Já o Favela Bairro não gerou o processo previsto da «expulsão branca», pois não precisou lidar com os problemas da violência e do tráfico de drogas. Os traficantes foram embora durante a fase de construção e retornaram quando já havia acabado. Fatores como arquitetura, design e melhorias de engenharia não tiveram peso suficiente sobre o mercado imobiliário para fazer frente à contínua ameaça da violência. 111 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro estão fazendo em benefício próprio. De que jeito? A gente corre o risco de acabar não tendo como pagar luz, IPTU, esses impostos e sermos removidos. (...) Em muita gente aqui existe esse medo, de não poder permanecer na comunidade. A gente não sabe o que vai acontecer.” (Mulher, 50 anos, liderança, Chapéu) O estigma parece então ser algo “positivo” para alguns moradores, já que iria protegê-los da gentrificação. Os moradores das favelas localizadas nas áreas imobiliárias nobres estão amedrontados com a possibilidade de que qualquer redução da segregação possa significar que a população mais pobre seja gradativamente expulsa pelas classes médias. Esse processo poderia virar outro tipo de expulsão, não mais realizado por intervenção violenta do Estado, mas pelas próprias forças invisíveis do mercado. 112 Capítulo 6. Integrando os moradores de favela na cidade (e na cidadania)? 113 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro 114 Capítulo 7. Os efeitos da UPP nas regiões sem a UPP: o caso de Manguinhos Capítulo 7. Os efeitos da UPP nas regiões sem a UPP: o caso de Manguinhos 115 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro Q uando o trabalho de campo deste estudo se encerrou, Manguinhos ainda não possuía UPP.62 Mesmo assim, algumas consequências bastante visíveis da UPP sobre a vida e as expectativas dos moradores já haviam ocorrido. Assim, este caso será discutido dentro deste contexto de incerteza quanto a uma possível chegada ou não da UPP. Como visto anteriormente, existe um sentimento generalizado de que as UPPs estão aproximando- se do Complexo de Manguinhos. A preocupação dominante em Manguinhos não é sem fundamento. Atualmente, considerando a distribuição espacial das UPPs pela cidade, somente a região de Manguinhos/Jacarezinho e o Complexo da Maré se espalham como grandes favelas na região central da cidade sem a presença das UPPs. No entanto, esses dois complexos de favelas já vivenciam com expectativa a presença de algum tipo de polícia local. Na Maré, já está em construção a nova sede do BOPE. Na parte central da conhecida “Faixa de Gaza”, em Manguinhos, os moradores têm presenciado a construção há mais de um ano da Cidade da Polícia, amplo complexo que tem como objetivo concentrar a polícia especializada em um só lugar. Sua localização, indubitavelmente, carrega consigo uma mensagem simbólica. O governo se refere a ela como uma das três maiores sedes para operações policiais em construção atualmente e que deve se tornar um complexo de segurança. Esse complexo abrange a sede do BOPE e o Centro de Comando e Controle, que é o principal órgão controlador em vigilância e em inteligência das atividades policiais. Apesar da falta de um anúncio formal da chegada de uma UPP em Manguinhos, os boatos constantes que envolvem a Cidade da Polícia ou até mesmo uma UPP permeiam as conversas do dia a dia dos moradores locais. Assim, constata-se que o efeito da UPP sobre a favela de Manguinhos é bidirecional: por um lado, efeitos concretos já ocorreram de forma imediata, mais notadamente a migração dos vendedores e usuários de drogas das áreas ocupadas pela UPP. Por outro lado, a UPP teve efeitos sobre as percepções dos moradores, estabelecendo uma estrutura de relações entre os residentes, a polícia e os vendedores de drogas. 62 Manguinhos foi ocupada pela força do Estado no dia 14 de outubro de 2012 e deve ter a inauguração de uma UPP até janeiro de 2013. 116 Capítulo 7. Os efeitos da UPP nas regiões sem a UPP: o caso de Manguinhos a. Efeitos imediatos e concretos das UPPs O primeiro efeito foi a migração dos traficantes de drogas do Alemão para Manguinhos. Muitos dos recém-chegados já haviam fugido do Alemão quando suas comunidades foram ocupadas, oriundos das Zonas Norte e Sul. Esse tema surgiu em várias conversas como um dos focos de preocupação. De acordo com uma mulher de 26 anos, mãe de quatro filhos, “as coisas estão ficando pior”, porque “nós continuamos ouvindo essa conversa de qualquer Zé Ninguém ou de outro que vem de onde as UPPs foram instaladas”. Quando a favela da Mangueira foi ocupada durante a nossa pesquisa de campo, a mesma dinâmica se desenrolou, mas em escala menor. Assim, podemos especular o fato de que tanto o Alemão quanto a Mangueira já tiveram ondas de migração bastante similares antes de serem ocupadas. O segundo efeito concreto do programa das UPPs refere-se ao fato de que muitos consumidores de drogas do Alemão foram absorvidos pela comunidade de Manguinhos. Esse efeito pode ser descortinado principalmente durante a noite, quando se observa que o número de usuários de crack aumentou, expandindo e multiplicando as chamadas “cracolândias” (áreas onde há o consumo de crack) em Manguinhos. O membro da nossa equipe que estava fazendo pesquisa de campo sobre os usuários de crack do Alemão constatou que o seu local de pesquisa havia sido transferido de um dia para o outro para as regiões de Manguinhos e Jacarezinho. Quando observadas em conjunto, essas duas transformações são determinantes para uma mudança de patamar do mercado da droga. E, no entanto, o efeito UPP se espalha além dessas duas consequências diretas e concretas proporcionadas pelas UPPs de qualquer região; sobretudo, afeta a ideia dos moradores sobre o que é a UPP e gera certa expectativa sobre sua possível chegada a Manguinhos. Os moradores também relatam uma diminuição da visibilidade das armas durante o dia. Em favelas como Chapéu, Pavão e Borel, as rotinas do tráfico de drogas são diferentes no período diurno e após o anoitecer. Em regra, nessas e em outras favelas, o tráfico de drogas tem uma tendência à discrição durante o dia, e somente à noite é que as armas, drogas e membros do tráfico ficam à vista. Em Manguinhos, o tráfico de drogas era mais evidente, tanto de dia quanto à noite. Com a expansão da UPP, o tráfico de drogas em Manguinhos manteve suas bocas bastante evidentes durante o dia, mas as armas foram 117 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro ocultadas. Isso também pode ser creditado ao programa das UPPs, já que os relatórios provenientes de favelas como Rocinha e Vidigal, entre outras, demonstraram grande semelhança antes de sua ocupação com relação aos dados apresentados sobre Manguinhos. A menor visibilidade das armas não significa que o tráfico de drogas esteja enfraquecido, segundo os moradores. Se alguém analisar de que maneira os moradores se referem à UPP, como mostraremos a seguir, fica claro que a ausência de armas em público durante o dia é mais um elemento que contribui para a ideia de que um conflito maior ainda está por vir. b. Falando (e silenciando) sobre as UPPs em Manguinhos A ocupação do Alemão e da Mangueira passou a ideia de uma UPP mais acessível para os moradores de Manguinhos. De muitas formas, a proximidade espacial entre Manguinhos e essas outras duas comunidades levou a UPP para mais perto, até porque as redes familiares e sociais dos moradores de Manguinhos tendem a incorporar moradores do Alemão e da Mangueira. Dessa forma, os moradores de Manguinhos estavam e continuam a estar familiarizados com o território dessas favelas mais próximas e com as particularidades que compõem o tráfico de drogas em cada uma delas. Parentes e amigos sob a UPP modificaram seu ponto de vista em relação às mudanças recentes relacionadas à presença da UPP em Manguinhos. Observe a mudança entre os jovens frequentadores do grupo focal: A- “Nossa! O movimento de carro, de moto, de drogas aumentou bastante. Não sei se tem a ver com a UPP, mas imagino que sim. Se eles não estão prendendo todo mundo (envolvido no tráfico nas comunidades com UPP), deve ter muita gente saindo, fugindo para onde a UPP ainda não chegou.” B- “É claro que o tráfico de drogas aumentou. Pensa naqueles que escaparam do Alemão, eles devem vir aqui bastante. E os outros… Você pode dizer que o tráfico aumentou, mas ainda não tem uma guerra por causa disso, ainda não.” “Estão todos vindo mesmo pra Manguinhos, pra Mandela (um dos conjuntos habitacionais de Manguinhos). É verdade!” Um pastor evangélico que deu apoio total ao programa resume bem a origem e os fundamentos em relação a essa expectativa: “Pelo que 118 Capítulo 7. Os efeitos da UPP nas regiões sem a UPP: o caso de Manguinhos sei, já está chegando aqui. A próxima a ser pacificada é a Mangueira, né? Que fica bem perto daqui. Estão criando a Cidade da Polícia lá, no Jacarezinho, em Manguinhos. O governo do Estado está trabalhando (...) para dominar toda esta comunidade, o lugar todo, todo o Rio, certo?” Essas declarações dão a ideia da aproximação das UPPs, o que equivale à percepção de que as UPPs são um processo que se desenvolve com o tempo e espaço e que está chegando a Manguinhos. Um velho morador de Manguinhos usou o tempo verbal futuro para sua descrição ao ser perguntado se ele acha que a UPP está chegando a Manguinhos: “Não vai ter armas. O tráfico de drogas será mais discreto.” O mesmo morador reconheceu a dificuldade de vislumbrar uma imagem diferente da polícia: “Nós vamos precisar juntar as crianças, mostrar para o jovem o que é a polícia... Que eles não vêm aqui só para atirar e prender as pessoas. Eles precisam ver o policial como alguém que pode ajudar, não como um matador.” (Homem, 37, Manguinhos) Esta última declaração parece muito perspicaz, especialmente se forem levadas em consideração as declarações dos jovens que participam do grupo focal de Manguinhos. Com base em histórias ouvidas sobre as favelas com UPP e em suas impressões pessoais da polícia, eles expressaram seu posicionamento extremamente crítico sobre as UPPs: A- (risada irônica) “Minha prima mora na parte de baixo da Providência. Ela fala que eles (os policiais da UPP) são piores que os traficantes, que eles chamam as mulheres de vadias, ou pior. Os traficantes não te batem sem razão. Eles não mexem com você, se você não mexe com eles. Eles fazem as coisas deles lá e nós ficamos aqui.” B- “Eles falam que eles (os policiais da UPP) vão pra comunidade achando que todo mundo é traficante. Eles tratam todo mundo igual, não respeitam os moradores, os trabalhadores. Eles não sabem quem é quem, e eu não acho que eles estejam preocupados em saber.” C- “Eu acho que naquele tempo, se você não mexia com eles (traficantes), eles não mexiam contigo. Todo mundo se dava bem. Mas depois que a UPP chegou ninguém sabe mais quem é quem, então não dá para confiar em ninguém. Você não pode confiar nos policiais, eles não confiam nos moradores, que podem fazer parte do tráfico. Porque você sabe como é, o tráfico de drogas não 119 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro acaba, ele só fica escondido. Então eu acho que não adianta ter uma UPP!” D- “É horrível saber que ninguém pode deixar a porta aberta porque quando o morador volta, roubaram um monte de coisas. Se eles (policiais da UPP) veem uma TV de tela plana na casa de alguém, eles falam que foi comprada pelo tráfico e pegam pra eles. Assim mesmo. Não é como era antes, não tinha roubo, assalto ou abuso na favela. Aqui, até hoje, eu deixo minha porta aberta sem medo de roubarem minhas coisas.” Os moradores de Manguinhos leem e escutam a respeito da UPP sem terem contato direto com ela. Assim, eles projetam sobre as favelas agora sob UPP a mesma polícia com a qual convivem, justificando assim seu ceticismo em face desse tipo de ocupação policial. A fala contundente desta mulher de 32 anos, que acabou de se mudar de Manguinhos, resume tudo: “Ter a UPP não sei se vai adiantar porque nos outros lugares a gente ainda vê algumas coisas, alguns conflitos, algumas coisas que não estão dando certo. Não sei se Manguinhos vai dar certo. Não tenho como dizer. Não sei mesmo. Com relação a isso, eu sou muito insegura. Porque a gente não sabe como vai ser a ação da polícia, a gente não sabe se a polícia realmente vai dar a segurança que a população precisa, ou se vai se corromper também, ou se vai tentar por outro lado legalizado dar uma falsa segurança. Eu não sei. Eu sou muito insegura em relação a isso. A UPP não me traz tranquilidade não. No entanto, essa forte rejeição em relação à UPP deve ser vista com cautela. Como mencionado no Capítulo 4, em Manguinhos surgiu um claro padrão nas entrevistas e conversas informais: moradores “comuns” se sentiam mais à vontade para criticar a UPP publicamente – e em particular com um gravador ligado – do que para elogiar o programa. Inversamente a este panorama, os líderes em geral, e especialmente os membros das associações de moradores, expressaram seu apoio à ideia de uma UPP em Manguinhos. O dilema entre o medo do policiamento levado a cabo por uma polícia na qual não se pode confiar e o pavor de continuar a viver sob a opressão do tráfico coloca os moradores de Manguinhos em uma posição complicada, ainda mais quando se coloca em questão o tema sensível da integridade física dos filhos. A seguinte discussão, entre uma mãe (63 anos) e sua filha (43), mostra a extensão do problema. A mãe começa a lembrar de três sobrinhos adolescentes mortos pela polícia: 120 Capítulo 7. Os efeitos da UPP nas regiões sem a UPP: o caso de Manguinhos “Vinham da festinha, ali perto de casa. Eles (a polícia) pegaram, mandaram os meninos se encostar. Um era loirinho. O cabelo ficou plantado, assim “ó”, na parede. Tá? Uma covardia. Nunca posso falar de polícia. Você não tem, você não tem, eu não tenho... tranquilidade com a polícia por aqui. Eu não tenho. Detesto, detesto! (pausa).” Quando lhe perguntaram se os policiais da UPP poderiam ser diferentes, ela respondeu de forma desdenhosa que “eles são todos iguais” e passou a falar sobre os relatos de desrespeito da polícia no Complexo do Alemão. Sua filha, no entanto, discorda. Ela mesma, como mãe de um adolescente que atua no tráfico de drogas de Jacarezinho, vê a possível chegada da UPP como a resposta para suas preces: “Eu juro pra você que eu estou doida que isso entre aqui dentro. Eu tô. Tô! Não vou dizer pra você que eu não tô (...) Eu vou ter o meu filho pra mim. Eu não vou precisar botar a cabeça no travesseiro e pensar assim: pô, o meu filho pode vacilar, alguém pode pegar ele ali e bater. Anteontem eles (o pessoal do tráfico) estavam batendo aqui (...). Eu já vi muitos filhos, mães aqui chorando, filhos (...). Eu vejo o meu filho ali. E se for o meu filho eu vou bater nele. Eu vou morrer, porque eles vão me matar. Eu juro (...). Se eles encostarem um dedo no meu filho eu não vou ter pena de ninguém. Vou matar.” Resumidamente, os silêncios que sugerem uma aprovação à presença da UPP, unidos ao alto tom de aprovação dos líderes da comunidade e às vozes que bradam contra ela, mostram menos sobre como os moradores encaram a UPP e mais sobre como o discurso dos moradores de Manguinhos permanece engessado pelo tráfico de drogas. Não nos surpreende então que apenas na condição de mãe essa moradora possa encontrar a coragem e a autoridade de expressar o seu desejo pessoal de uma UPP. 121 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro 122 Capítulo 7. Os efeitos da UPP nas regiões sem a UPP: o caso de Manguinhos Capítulo 8. Conclusões para políticas públicas e pesquisas futuras 123 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro E ste relatório documenta, com base nas opiniões dos próprios moradores, uma descrição do trabalho de pacificação das UPPs. Ele se restringe a quatro das centenas de favelas da cidade. Aborda os estágios iniciais de um programa que, após o término do trabalho de campo, continuou a se expandir em escala e abrangência por meio das ações complementares da UPP Social.63 O relatório, portanto, não pretende representar ou avaliar os impactos do programa das UPPs como um todo. Seus objetivos são, antes, captar os estágios iniciais desse experimento, documentar os distintos modos como ele foi vivido por seus moradores e indicar alguns dos fatores que parecem guiar algumas dessas diferenças. A maior parte dos moradores reconhece os benefícios da transformação trazida pelo processo de pacificação. A recém- descoberta liberdade de circulação, muitas vezes chamada de “liberdade de ir e vir”, é manifestada em vários contextos, como no caso de mães agora aliviadas por poderem deixar que seus filhos voltem a pé da escola sem o medo de que caiam em um fogo cruzado entre gangues rivais ou a polícia. Há certa abertura da comunidade para negócios e serviços em nível estadual, municipal ou sem fins lucrativos – conforme ilustrado pela história do Bar do David. Existe um sentimento dos moradores de que seus vizinhos do “asfalto” gradualmente passam a aceitá-los como iguais, gerando a sensação de uma cidadania mais plena. Essas e outras mudanças semelhantes apontadas neste relatório sugerem que a construção de uma ordem social mais inclusiva pode estar em curso no Rio de Janeiro. A maior parte dos moradores, todavia, também possui preocupações com certos aspectos da implantação das UPPs e das suas perspectivas para o futuro. Eles questionam a presença de pelotões fortemente armados e as técnicas brutas de alguns policiais, bem como a regulação excessiva de certas atividades comunitárias e o risco da perda do papel legítimo das associações comunitárias. Questionam as intenções verdadeiras do programa e suspeitam de que ele componha um projeto geral de cidade centrado na criação das condições necessárias para sediar eventos globais como os Jogos Olímpicos de 2016. Também demonstram apreensões relacionadas aos efeitos da formalização de propriedades, negócios e serviços. 63 À época da concepção desse projeto, no final de 2010, havia 12 UPPs abrangendo 35 comunidades, e a UPP Social acabara de ser anunciada. Ao término do trabalho de campo, em meados de 2011, já havia 17 UPPs, e o Fórum Social UPP só havia acontecido em algumas. Hoje existem 28 UPPs, cobrindo mais de 100 comunidades, e a UPP Social está presente em todas elas. 124 Capítulo 8. Conclusões para políticas públicas e pesquisas futuras Estas, bem como outras preocupações resumidas abaixo, parecem variar de acordo com uma série de fatores: o histórico da relação da favela com o tráfico de drogas e a polícia e antes da chegada da UPP, a idade e o gênero dos entrevistados e o tipo de comportamento adotado pelos plantões policiais em suas interações com os moradores das favelas. Descobertas sobre o modo como os moradores estão vivendo o esforço de pacificação, bem como outros fatores que afetam essas percepções, devem servir para indicar possíveis ajustes ao programa. Três questões centrais destacam-se como fonte de preocupação e incerteza – todas elas com importantes implicações políticas: • A UPP levará a um novo tipo de relação entre a polícia e os moradores das favelas? Quais são as mudanças que a UPP necessita realizar para consolidar um novo equilíbrio? Como evitar que a UPP se torne mais uma tentativa fracassada? • Qual é a perspectiva de longo prazo para a UPP? Quais são as implicações para a reforma mais ampla da política de segurança pública? • A UPP possibilitará a integração da favela ao resto da cidade? Quais são as intervenções essenciais que influenciarão o caráter dessa integração? a. A UPP levará a um novo tipo de relação entre a polícia e a favela? Nem todos enxergam a chegada da UPP como a “libertação” retratada pela mídia. Muitos moradores acreditam que a ocupação das suas comunidades por gangues do tráfico de drogas foi meramente substituída pela ocupação da Polícia Militar. Eles questionam a necessidade de a polícia pacificadora andar e mostrar- se fortemente armada depois do desarmamento dos traficantes. Os policiais da UPP tendem a ocupar os mesmos locais da comunidade previamente ocupados pelas “bocas” com o único objetivo de reforçar essa impressão. A pesquisa também descobriu diversas histórias de desvio de conduta e mesmo de brutalidade por parte da UPP. Sujeitar- se aos impulsos e ânimos de homens fortemente armados é uma experiência que os moradores de favelas bem conhecem e temem. Eles tiveram muita experiência nisso, fosse por meio da opressão do chefe do tráfico local ou da “antiga” polícia militar, que fazia 125 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro incursões violentas usando tanques e atirando de modo aleatório, sem razão aparente. Muitos outros, todavia, veem a UPP como a chegada de um novo tipo de polícia e esperam que ela represente não apenas a pacificação da favela, mas também a pacificação da polícia. Comparando as percepções dos que vivem em favelas dotadas de UPPs com os que vivem sem elas, descobrimos que a UPP pode ser interpretada como uma experiência de reforma da polícia em pequena escala. Assim, os moradores reconhecem a mudança, admitem e valorizam as novas práticas da polícia da UPP e reiteram sua diferença em relação à polícia tradicional. Isso representa um importante acúmulo de capital político a favor da UPP, fazendo dela um programa desejado por outras favelas. A sustentabilidade da UPP no futuro e sua capacidade de evitar outro fracasso na tentativa de romper com os padrões históricos da violência no Rio de Janeiro serão condicionadas à capacidade, por parte do Estado, de manter essa confiança – coisa que muitos outros programas anteriores não conseguiram fazer. Essas diferentes percepções parecem ser influenciadas por pelo menos três fatores: • O histórico da favela com traficantes e a polícia antes da chegada da UPP. Em termos simples, quando o histórico recente era dominado por conflitos com traficantes de drogas, as percepções da UPP tenderam a ser mais positivas (Chapéu). Quando era dominado pelo conflito com a polícia, as percepções tenderam a ser mais negativas (Pavão). Quando era marcado por um conflito intenso tanto com os traficantes como com a polícia, as percepções combinaram fortes sentimentos de alívio pela vida sem violência com fortes apreensões com os policiais da UPP e a possibilidade de retorno dos traficantes (Borel). • A idade e o gênero, uma vez que jovens do sexo masculino tendem a ser mais críticos em relação à UPP. Diariamente, eles lidam com a suspeita dos policiais da UPP, pois têm mais propensão a serem revistados ou envolvidos em incidentes de abuso que somente reforçam a impressão de que o respeito aos seus direitos não constitui uma prioridade central da UPP. Essa percepção é alimentada por restrições impostas às suas atividades de lazer preferidas, em particular festas e música funk. 126 Capítulo 8. Conclusões para políticas públicas e pesquisas futuras • Até que ponto os policiais da UPP adotaram e se dedicaram à filosofia da polícia comunitária. Ao falarem sobre policiais da UPP, os moradores fizeram distinções claras entre os plantões; entre o educado/voltado à comunidade versus o agressivo/autoritário; entre os que respeitaram o papel dos líderes comunitários e os que impuseram suas visões e assumiram papéis de governança comunitária que não competem à polícia. Assim, os moradores frequentemente tiveram dificuldade para fazer declarações gerais sobre a UPP como um todo e preferiram falar sobre o policial X ou o plantão Y. Se a UPP deseja tornar-se um processo irreversível na sua transformação do comportamento policial e consolidar uma nova relação com os moradores das favelas, há uma série de mudanças que deve incluir em sua atuação: • Adaptar sua atuação nas favelas de acordo com a relação que cada território teve com a violência (seja causada pelo tráfico ou pela polícia) antes da chegada da UPP. Isso sugere a necessidade do desenvolvimento de métodos e ferramentas de diagnóstico e intervenção que permitam aprimorar sua atuação durante as fases de planejamento e implantação. • Melhorar a seleção, o treinamento e o monitoramento dos policiais da UPP. A UPP não pode tolerar as poucas práticas ruins denunciadas por moradores e vistas em reportagens na imprensa. Ser um policial da UPP requer a habilidade de lidar constante e diretamente com cidadãos que, durante décadas, cultivaram um medo e uma desconfiança viscerais da polícia. Mais e mais constante treinamento em questões como policiamento comunitário, direitos humanos e mediação e resolução de conflitos se faz necessário para preparar – e manter – esse novo contingente de policiais como o exemplo que a nova polícia precisa dar em âmbito municipal e estadual. O governo estadual já anunciou sua intenção de treinar milhares de novos policiais nos próximos anos. Dados os diferentes tipos de desafios enfrentados e a rapidez da implantação do programa, uma quantidade adequada de tempo e recursos deverá ser alocada para garantir esse treinamento permanente. 127 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro b. A UPP levará a uma transformação sustentável da política de segurança pública do Rio de Janeiro? A preocupação mais frequentemente citada em entrevistas e discussões informais com moradores é de que, uma vez terminados os Jogos Olímpicos, a UPP irá desaparecer e os deixar novamente nas mãos dos traficantes. Dado o histórico de tentativas fracassadas, trata-se de uma preocupação legítima e que deve ser levada seriamente em conta. Os moradores temem que todos que se envolvam com a UPP sofram consequências em um eventual retorno das gangues. Os moradores conjeturam que os traficantes que fugiram para outras favelas irão dar tempo ao tempo, continuar vendendo drogas, manter seu arsenal sofisticado, subornar quem for preciso e retornar logo após a partida da UPP. Já viram isso acontecer no passado. Quando questionado sobre quanto tempo poderia levar para o retorno dos traficantes no caso de abandono da UPP, um homem respondeu que “eles vão se cruzar na saída”. Para que a UPP se torne (e seja vista como) um processo irreversível, ela precisa levar a uma reforma mais ampla da política de segurança pública. A UPP representa, sobretudo, a reorganização da lógica do comportamento policial. Ainda que limitada a favelas, ela possui o potencial de estabelecer condições para a construção de uma política de segurança pública permanente, orientada aos cidadãos e às comunidades. Isso ultrapassa os impactos da atuação da UPP na redução da violência e inclui transformações mais amplas da cultura policial. Mudanças dessa natureza levam tempo. Essa reforma mais ampla da segurança pública igualmente terá de responder a alguns dos desafios e perguntas aos quais a UPP ainda não forneceu resposta: • O que o Estado está fazendo com os “bandidos” que fugiram das favelas? O medo da migração dos traficantes para outras favelas e áreas da cidade começou a crescer depois do anúncio da chegada da UPP, o que permitiu que se soubesse com exatidão o dia em que o BOPE chegaria. Um dos casos mencionados por moradores ouvidos neste estudo envolvia a fuga para favelas como Manguinhos. Ainda não há estudos disponíveis ou mesmo fortes evidências sobre o deslocamento do crime, mas o destino de chefes e traficantes que abandonaram as favelas permanece 128 Capítulo 8. Conclusões para políticas públicas e pesquisas futuras uma questão central com a qual o Estado precisa lidar. Como este estudo mostrou, a incerteza sobre o destino de antigos chefes do tráfico alimenta as dúvidas sobre quem se encontra, de fato, no comando da favela. O fantasma da possibilidade do retorno dos chefes do tráfico expulsos pela UPP é uma das fontes da visão da UPP como um experimento frágil. Assim, neutralizar a sua influência sobre a vida diária e a imaginação dos moradores é a chave para construir a confiança no programa. • Quais são os planos do governo para as centenas de favelas que ainda não foram pacificadas? Além do desafio de ajustar o programa para alcançar pelo menos as favelas mais “dominadas”, a UPP ainda precisa lidar com as controladas por milícias. A maioria se localiza na Zona Oeste e também apresenta altos índices de violência, incluindo as maiores taxas de homicídio da cidade. Das 28 favelas englobadas pelo programa de pacificação até o momento, somente uma – Batan – era controlada por milícias. Em 2006, havia pelo menos 55 favelas dominadas por milícias (Braga, Fernandes e Silva, 2009). A estratégia para entrar nessas áreas, todavia, terá de ser diferente. Essas organizações tendem a ser mais bem estruturadas que a dos traficantes (são mais “empresariais”) e possuem poder econômico e conexões políticas maiores – ainda que, na maioria dos casos, em escala menor (Cano, 2009). c. A UPP possibilitará a integração das favelas com as outras partes da cidade? O desafio da integração das favelas com as outras partes da cidade foi bem sintetizado pelo economista brasileiro André Urani: “As medidas de segurança são somente o primeiro passo... Depois que a polícia entra na comunidade, você ainda tem pela frente todas as questões fundamentais que fizeram com que essas comunidades caíssem nas mãos das gangues”.64 A integração das favelas com o resto da cidade é um processo que se desenvolve ao longo de dimensões políticas, sociais e econômicas. Em cada uma dessas 64 Stuart Grudgings, Washington Post — Reuters News Service, domingo, 23 de janeiro de 2011. 129 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro dimensões, este estudo revelou uma série de desafios que apontam para a necessidade de uma ação urgente por parte do Estado. • Em termos de integração política, a questão que fica é como reconstruir o caminho em direção à institucionalização de uma representação legítima e democrática nas favelas que não envolva homens carregando armas. Além da função planejada de estabelecer a ordem da lei e reforçar o desarmamento nas favelas, as UPPs assumiram efetivamente outros papéis de governo local, mediação de disputas, resolução de conflitos, ouvidoria e, em última análise, tomada de decisões na maioria dos temas relacionados à vida comunitária. O sucesso definitivo e a sustentabilidade das UPPs serão fortemente determinados pela capacidade de garantir as condições para a recuperação de entidades de mediação e representação política que não sejam maculadas pela coerção do tráfico de drogas. Isso requer o fortalecimento da interação entre a comunidade e a polícia da UPP de modo que os moradores também possam sentir-se parte do processo de transformação. Também requer estímulo à participação e ao engajamento comunitário na definição de novas regras e de uma nova ordem, ajudando a preencher o vácuo de autoridade deixado pelos traficantes com o apoio dos moradores. Nesse quesito, a principal recomendação é a de fortalecer a densidade associativa já existente nas áreas pacificadas de modo que instituições regulares possam assumir o lugar das UPPs em médio prazo. Para que os impactos das UPPs sejam sustentáveis, o governo do Rio de Janeiro precisará construir nas favelas uma estrutura institucional regular e mais duradoura, como a existente nas outras partes da cidade e do estado. Essa estrutura terá de preencher o vácuo deixado pelo tráfico na governança local e que se encontra atualmente ocupado pela UPP. A presença permanente da polícia para restaurar e manter a ordem não pode, não deve e não vai durar para sempre. O maior desafio a ser enfrentado repousa na capacidade governamental de auxiliar instituições regulares a se estabelecer e se enraizar nas favelas. A UPP Social é um bom esforço nesse sentido. Mas, a menos que isso aconteça, os efeitos da pacificação não serão sustentáveis por muito tempo e tampouco a integração completa dos moradores das favelas à cidade formal se concretizará. 130 Capítulo 8. Conclusões para políticas públicas e pesquisas futuras Em termos de integração social, a UPP enfrenta um desafio duplo. O primeiro é promover processos mais amplos de inclusão social que remontem a questões fundamentais que levaram a décadas de controle do tráfico de drogas sobre as favelas. Esses processos estão relacionados à falta de serviços sociais básicos e oportunidades econômicas a qual moldou as vidas dos moradores das favelas. Essa carência permitiu, em larga medida, que muitos jovens fossem levados ao comércio de drogas em busca de alternativas de renda e que muitas comunidades apoiassem chefes do tráfico que as ajudavam. • A principal recomendação é de que o Estado precisa dar a programas como o UPP Social os mesmos recursos e a mesma atenção conferidos à UPP. Até agora, a UPP Social tem tido dificuldade em estabelecer-se de solidamente nas favelas. Em parte, isso se deve à forma de transição das esferas governamentais estadual a municipal. Além disso, o governo estadual lançou em janeiro de 2012 o seu próprio programa para favelas pacificadas, chamado “Centros para a Prevenção da Violência e Promoção da Segurança”. De acordo com o comunicado, esses centros servirão como “catalisadores para intervenção e coordenação entre organizações governamentais e não governamentais dentro das comunidades”, terão coordenadores comunitários locais e serão compostos por equipes multidisciplinares com a tarefa de “administração e mediação do conflito social nas comunidades e a promoção de direitos humanos e cidadania.”65 Resta ver como isso será implantado e coordenado com o nível municipal da UPP Social. Um segundo desafio é a ressocialização daqueles que, de alguma forma, envolveram-se com gangues de drogas e permaneceram nas favelas (“os órfãos do tráfico”). De modo geral, o governo vem demonstrando “carência de ações proativas de absorção de jovens que estão envolvidos apenas superficialmente no tráfico de drogas e escapam do radar da polícia” (Barnes e Rosales, no prelo).66 Os autores estimam que, em determinada comunidade com 50 traficantes, 40 não integram a “lista negra” da polícia e poderiam, portanto, deixar o crime mais facilmente. 65 O artigo de Eliza Preston, de 10 de janeiro de 2012, intitula-se: “Next for Rio’s Pacified Favela Communities.” Leia o texto completo em http://riotimesonline.com/brazil-news/rio- politics/next-for-rios-pacified-favela-communities/ 66 Rosales, Kristina e Barnes, Taylor. 2012. “Rio de Janeiro reintegration policies for ex- traffickers”. Revista Foreign Policy, no prelo. 131 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro • A principal recomendação é de que governo priorize o desenvolvimento de programas específicos destinados a essa população-alvo. As necessidades dessa população não podem ser solucionadas por programas como o UPP Social, que, no mais das vezes, coordenam programas governamentais já existentes. Esse grupo necessita do fornecimento de um amplo leque de serviços que contemple suas múltiplas necessidades. Há programas de pequeno porte mantidos por ONGs que podem dar dicas de como projetar um programa governamental desse tipo, tal como o “Projeto Empregabilidade” do Afroreggae – único programa identificado por Barnes e Rosales no Rio que busca a reinserção direta de antigos traficantes no mercado de trabalho. Também há um número significativo de programas de reabilitação de membros de gangues nos Estados Unidos que poderiam servir de referência ao Rio de Janeiro. Em termos de integração econômica, o principal desafio é a ameaça da gentrificação. Um dos efeitos imediatos das UPPs das favelas tem sido a dissolução constante de fronteiras previamente bem delimitadas. Moradores de favelas com UPPs testemunharam, ao longo dos últimos anos, um aumento constante do fluxo de visitantes, turistas, funcionários sociais e moradores de classe média. Trata-se de uma mudança muito bem-vinda, já que essa mobilidade recém- descoberta pode vir a ser um caminho para renegociar profundos estigmas ligados à favela e a seus moradores. É verdade que a formalização gera reações variadas, mas ela também é reconhecida como parte da extensão da cidadania à favela. A regularização da prestação de serviços nas favelas pós-UPP (eletricidade, água, saneamento e manejo de resíduos sólidos) é uma antiga demanda dos moradores das favelas. Sua implementação, todavia, veio acompanhada da supressão de convenções informais que possibilitavam o acesso a serviços “públicos” (entre os quais TV a cabo e internet), a atuação de empresas locais e a administração do transporte. Essa interrupção aumentou o custo de viver e de manter negócios na favela. À medida que a formalização progride, vendedores ambulantes, carpinteiros, lojas de conserto, vendas, bares, restaurantes, estéticas e outros prestadores de serviços que operam com uma margem de lucro muito pequena mostram-se legitimamente preocupados com o custo de vida na favela. Entrevistados temem ser forçados a largar seus negócios se forem obrigados a se registrar e pagar impostos. A formalização dos serviços urbanos vem obrigando 132 Capítulo 8. Conclusões para políticas públicas e pesquisas futuras as famílias a pagarem contas de água, eletricidade, televisão a cabo e internet, serviços anteriormente disponíveis de modo gratuito ou a um custo mínimo em função da pirataria e da conexão às redes públicas. Em alguns casos, porém, essa situação suscita dúvidas sobre a capacidade de favelas bem localizadas – como Chapéu, Pavão e Borel – continuarem no longo prazo sendo o lar de cidadãos de baixa renda. Em outras palavras: o que impedirá o mercado de empurrar os pobres para a periferia se a favela perder as características que historicamente a definiram como tal (informalidade, ilegalidade, precariedade de serviços e violência)? • A principal recomendação é a de que se ampliem e fortaleçam programas de incentivo à criação de empregos e geração de renda, bem como a formalização de empresas já existentes e a criação de novas. Iniciativas como “Empresa Bacana” e “Coletivo Coca-Cola”, discutidas no Capítulo 6, são bons exemplos desses programas, os quais ajudarão a fortalecer oportunidades econômicas no interior das comunidades. Provendo fontes de renda mais numerosas e mais bem desenvolvidas, esses programas também ajudarão a contrabalançar o aumento dos preços do setor imobiliário e as novas despesas originadas pela formalização e pela regularização. d. A necessidade de um vigoroso programa analítico Colocar em prática uma aprendizagem robusta e um planejamento de avaliação vai aumentar muito as chances de sucesso da UPP. O resultado final da iniciativa de pacificação permanecerá uma incógnita por muitos anos e provavelmente assumirá diferentes formas conforme os tipos de lugares e de indivíduos afetados pelo programa. Um programa consistente de monitoramento e avaliação deve permitir que o governo identifique antecipadamente os desafios e problemas enfrentados pelo programa, experimente respostas alternativas e ajuste seus métodos e ferramentas de intervenção. Este estudo tentou dar uma modesta contribuição. O estudo identificou diversas hipóteses que devem ser testadas por meio de ferramentas analíticas mais sistemáticas e rigorosas. Estado e município fazem esforços substanciais nessa direção, em parte com o apoio do Banco Mundial, entre os quais uma pesquisa de acompanhamento 133 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro em comparação com a avaliação inicial do impacto da UPP e o desenvolvimento de uma territorialidade baseada em um sistema de avaliação e monitoramento. Esses instrumentos devem incorporar algumas das descobertas identificadas neste relatório. A título de conclusão... Gostaríamos de ressaltar aquela que é, indiscutivelmente, a maior conquista da UPP: a abertura de um espaço para a imaginação de um cotidiano nas favelas do Rio de Janeiro não ditado pelo poder do tráfico. A própria resistência e melhoria da UPP no tempo e espaço vai aprofundar esse efeito, incentivando os moradores das favelas a seguirem em frente com suas vidas como se não houvesse tráfico de drogas e, dessa forma, progressivamente minando o poder do tráfico de drogas sobre a vida da comunidade, os meios de subsistência e as expectativas futuras. A esperança é que, como consequência, um dia o Rio de Janeiro tenha orgulho de distinguir-se não só como uma das mais belas cidades do mundo, mas também como uma das mais seguras e integradas. 134 Capítulo 8. Conclusões para políticas públicas e pesquisas futuras 135 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro Bibliografia Abreu, Mauricio. 1987. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO/Jorge Zahar Editor. Alvito, Marcos. 2001. As Cores de Acari. Rio de Janeiro: Editora FGV. Amado, Guilherme. “Morador atingido no Cantagalo afirma que não houve tiroteio na favela”. 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Zaluar, Alba. 1985. A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da pobreza. São Paulo: Brasiliense. Zaverucha, Jorge. 2001. Poder militar: entre o autoritarismo e a democracia. São Paulo em Perspectiva, v. 15, n. 4, p. 76-83. 142 Anexo Anexo I – Perfil dos estudos de caso67 Favela Pavão-Pavãozinho/ Chapéu Mangueira/ Borel Complexo de Cantagalo Babilônia Manguinhos Local (bairro/zona) Ipanema e Copacabana/ Leme/Zona Sul Tijuca/Zona Norte Manguinhos, Benfica, Zona Sul Bonsucesso, Bairro Oswaldo Cruz/Zona Norte População 10.338 (IPP, 2000); 3.740 (IPP, 2010); 12.815 (IPP, 2010) 31.432 9.000 (estimativa da 6.000 (estimativa da (censo de residências comunidade) comunidade) do PAC, 2010) Índice de 0,492 0,510 0,468 0,473 (dados do IBGE, Desenvolvimento 2000) Social (IDS)67 (2010) *Referência: Cidade do Rio de Janeiro 0,604 Tamanho 12,5 hectares 12,4 hectares 36,2 hectares 212,8 hectares Taxa de crescimento 4,76% 1,53 % (Chapéu) -0,9 % (o tamanho da Pertencentes a um urbano 0,98 % (Babilônia) comunidade diminuiu) complexo de favelas, as comunidades em cada caso específico cresceram ou reduziram-se ao longo das últimas décadas Topografia Morro Morro Morro Plana Dados da povoação 1907 (Cantagalo) 1911 (Babilônia) 1921 Início da povoação 1931 (Pavão- 1920 (Chapéu) em 1901; influxo mais Pavãozinho) recente em 2002. A maior parte entre os anos de 1950 e 1980. 67 O índice de desenvolvimento social (IDS) é um indicador calculado pelo Instituto Pereira Passos com base em dados do censo nacional do IBGE. O indicador é composto de dados relacionados a (i) acesso a sistema hídrico adequado, (ii) acesso a sistema de esgoto adequado, (iii) coleta de lixo, (iv) condições de ocupação de terrenos (% de casas próprias) e (v) educação (% de analfabetos na população acima de 15 anos de idade). O indicador vai de 0 a 1, sendo 0 o menos desenvolvido socialmente e 1 o mais desenvolvido. 143 O retorno do Estado às favelas do Rio de Janeiro Favela Pavão-Pavãozinho/ Chapéu Mangueira/ Borel Complexo de Cantagalo Babilônia Manguinhos Início da UPP 23 de dezembro de 2009 10 de junho de 2009 7 de junho de 2010 Detalhes da O BOPE entrou na O BOPE entrou na Sem violência. A ocupação do BOPE comunidade segunda- comunidade em 15 comunidade foi feira, 30 de novembro de maio de 2009. A informada de que o de 2009, com caveirões, ocupação durou quase BOPE entraria para criar dois helicópteros e um mês. uma UPP. metralhadoras. Na terça-feira à tarde, o tráfico ordenou que o comércio ao redor de Copacabana e Ipanema fechasse as portas; um ônibus foi incendiado na avenida Nossa Senhora de Copacabana e uma bomba ou granada caseira foi jogada em Copacabana, perto dos policiais. Número de policiais 176 100 380 (no total das sete comunidades com 20 mil habitantes) Comunidades Pavão-Pavãozinho/ Chapéu Mangueira/ Borel, Indiana, Morro atendidas pela UPP Morro do Cantagalo Babilônia do Cruz, Bananal, Casa nesta favela Branca, Chácara do Céu, Catrambi Lançamento da 26 de agosto de 2011 12 de agosto de 2011 7 de julho de 2011 UPP Social (data do Fórum Social UPP) Programas de Favela Bairro Bairrinho Favela Bairro Uma favela no atualização urbana PAC (2007) complexo, a anteriores e atuais Comunidade Agrícola de Higienópolis, tinha o Bairrinho. PAC (2008) Facção que Comando Vermelho Comando Vermelho Mescla nas sete Comando Vermelho comandava a favela comunidades 144