Como afeta o ciclo econômico os indicadores sociais na América Latina e no Caribe? Quando os sonhos enfrentam a realidade Relatório Semiannual do Escritório do Economoista Chefe para a América Latina e Caribe do Banco Mundial Abril 2019 Resumo Executivo Após seis anos de desaceleração do crescimento (que incluiu uma queda do PIB de quase 1 por cento em 2016), a região América Latina e Caribe (LAC) havia retomado em 2017 o que parecia ser um caminho de crescimento. O aumento dos preços do petróleo e do cobre, grandes fluxos de capital para a região, a recuperação modesta na Argentina e no Brasil, e o ritmo extremamente gradual da normalização da política monetária nas economias avançadas, em particular nos Estados Unidos, contribuíram para essa virada de 2017 e, em abril do ano passado, previa-se um crescimento de 1,8 por cento em 2018. Infelizmente, o tão esperado caminho de crescimento progressivo não se concretizou, pois a região enfrentou diversos obstáculos que reduziram o crescimento em 2018 dos projetados 1,8 por cento para 0,7 (estimado). Em particular, (i) a crise financeira que atingiu a Argentina em abril de 2018 e levou à forte contração do PIB de 2,5 por cento em 2018, (ii) a tíbia recuperação do Brasil após a forte recessão de 2015 e 2016, (iii) o crescimento anêmico no México em meio à incerteza política, e (iv) a continuidade da implosão da economia venezuelana – todos estes fatores convergiram para formar a tempestade perfeita que deprimiu o crescimento em 2018 para a modestíssima taxa de 0,7 por cento. (Excluindo-se a Venezuela, o crescimento da região também caiu de 1,9 por cento em 2017 para 1,4 em 2018.) Com uma taxa de crescimento de 2,7 por cento, a Colômbia foi uma importante exceção entre as grandes economias da região. Infelizmente, como aponta o Capítulo 1, as perspectivas de crescimento para este ano (0,9 por cento) não mostram uma real melhora em relação a 2018 em decorrência do crescimento fraco ou negativo das três grandes economias da região – Brasil, México e Argentina – e do total colapso da Venezuela (com previsão de queda de 25 por cento do PIB). A expectativa global de crescimento para a América do Sul – responsável por mais de 70 por cento do produto da LAC – é de meros 0,4 por cento em 2019 (excluindo-se a Venezuela, 1,8 por cento). Ao contrário, estima-se que o crescimento da América Central e do Caribe será forte, a taxas de 3,4 e 3,2 por cento, respectivamente. Por fim, a previsão para o México é de 1,7 por cento de crescimento (contra 2,0 em 2018), o que reflete sobretudo as preocupações dos mercados com os sinais contraditórios em relação aos rumos da futura política econômica. Como costuma ocorrer, fatores externos também serão um desafio para a região. A drástica queda dos preços das commodities – particularmente petróleo e cobre – nos últimos meses de 2018 e a desaceleração do crescimento da China podem transformar-se em obstáculos significativos à elevação da taxa de crescimento da região. Os preços do petróleo são de vital importância para Colômbia, Equador, México e Venezuela, e os preços do cobre, para Chile e Peru. O crescimento chinês é 2 | Quando os sonhos enfrentam a realidade particularmente relevante para a América do Sul, pois a China já é o principal parceiro comercial de diversos países da região, inclusive Brasil e Peru. Sob o aspecto financeiro, a elevação das taxas de juros internacionais, decorrente sobretudo da normalização da política monetária em andamento nos Estados Unidos, gerou uma apreciação do dólar, o que pressionou as moedas dos mercados emergentes. Dado que as moedas da região começaram a depreciar-se, os bancos centrais já enfrentam o dilema de política monetária analisado em edições anteriores deste relatório: elevar as taxas de juros de política monetária para defender a moeda ao custo de sacrificar o crescimento, ou reduzi-las para estimular a economia ao custo de mais depreciação e, possivelmente, saídas de capital. Além disso, houve uma queda vertiginosa dos fluxos de capital para a região (medida como cifra acumulada em 12 meses), de um máximo de 50 bilhões de dólares em janeiro de 2018 para praticamente zero em janeiro de 2019. Dito isto, o recente anúncio pelo Federal Reserve de que não elevaria mais a taxa de juros de política monetária em 2019 e o faria apenas uma vez em 2020 deve permitir que a região respire. Na área fiscal, a região permanece em situação difícil, embora avance lentamente na direção certa. Estimamos que, em 2019, 27 dos 32 países da região terão um déficit fiscal (em 2018, tal ocorreu em 29 dos 32 países da região). A mediana do déficit fiscal na região caiu de 2,4 por cento do PIB em 2018 para 2,1 por cento em 2019. Na América do Sul, esta queda foi de 3,8 para 2,8 por cento do PIB. No entanto, devido aos déficits fiscais generalizados, a dívida pública média continua alta para a região, cerca de 60 por cento do PIB, sendo que sete países têm um dívida acima de 80 por cento do PIB. De janeiro de 2018 a esta data, a Fitch rebaixou a classificação de crédito de quatro países, e mudou para negativa a perspectiva de duas economias grandes (Argentina e México). Assim sendo, o acesso ao crédito internacional e seu custo tornam-se de novo mais desafiadores = no momento em que mais necessários são. Dado o medíocre desempenho de crescimento da região, em particular na América do Sul, a piora dos indicadores sociais não será uma surpresa. O Brasil, que abriga um terço da população da região, registou um aumento da pobreza monetária de aproximadamente 3 pontos percentuais entre 2014 e 2017. O ciclo econômico tem importantes efeitos sobre os indicadores sociais, uma dimensão que não costuma ser muito enfatisadanas discussões sobre pobreza. Neste sentido, também é necessário contextualizar a acentuada redução da pobreza durante a Década de Ouro (2003-2013), pois seria possível conjecturar que pelo menos parte dos ganhos sociais seria temporária (ou seja, decorrente da fase extremamente favorável do ciclo econômico). O cerne deste relatório, Capítulos 2-4, analisa detalhadamente os efeitos do ciclo econômico sobre os indicadores sociais, em particular a pobreza. O Capítulo 2 demostra que nem todos os indicadores sociais são iguais em termos de sua sensibilidade ao ciclo econômico. Este capitulo consider três indicadores sociais – taxa de desemprego, pobreza monetária (linha da pobreza em 5,50 dólares estadunidenses) e necessidades básicas não atendidas (NBNA) – muito utilizados e estima o contributo do componente cíclico do produto per capita para a variabilidade de cada um destes indicadores. No caso da taxa de desemprego, questões cíclicas explicam cerca de 74 por cento de sua variabilidade.. No outro extremo, apenas 21 por cento da variância das NBNA são explicados pelo ciclo econômico. A pobreza monetária está situada em um ponto intermediário, estando 43 por cento de sua variabilidade associada a movimentos cíclicos do produto per capita. |3 Intuitivamente, a taxa de desemprego é um indicador cíclico por excelência pois, em modelos com preços/salários fixos, responde fortemente a qualquer choque temporário, seja ele monetário ou real, que influencie o ciclo econômico. Pelo contrário, as NBNA são um indicador composto de fatores estruturais (tais como habitação, educação e saneamento), que são pouco afetados pelo ciclo econômico. A pobreza monetária responde tanto aos choques temporários como aos fatores estruturais. Neste contexto, as NBNA seriam um melhor indicador de bem-estar social dada a sua maior independência face às oscilações do ciclo econômico. No entanto, a pobreza monetária poderia levar a uma leitura enganadora da situação social, pois parte do seu declínio durante os booms poderia ser revertida durante as desacelerações/recessões que se lhes seguem. O Capítulo 3 trata da Década de Ouro, período de notável crescimento (em particular para os exportadores de commodities da região) devido a preços extremamente elevados das commodities. Nesse período, a pobreza monetária caiu cerca de 20 pontos percentuais. No entanto, os resultados apresentados no Capítulo 2 sugerem que parte dessa queda foi decorrente de questões cíclicas, e não alterações de tendencia. Para verificá-lo, recorremos a uma metodologia bem conhecida na literatura sobre pobreza e concluímos que, no conjunto da LAC, 45 por cento da redução da pobreza monetária durante a Década de Ouro ficou a dever-se a fatores cíclicos, ao passo que os restantes 55 por cento restantes provieram da alteração na tendência de crescimento e de políticas redistributivas. Portanto, devemos ser cuidadosos ao avaliar ganhos sociais permanentes, em particular nas economias onde o produto é altamente volátil, o que, como mostra o Capítulo 2, acentua os efeitos cíclicos sobre os indicadores sociais. Já que os fatores redistributivos são responsáveis por cerca de 35 por cento da diminuição da pobreza durante a Década de Ouro e têm cumprido um papel chave desde então, o Capítulo 4 examina mais minuciosamente a principal política redistributiva: as transferências monetárias condicionadas (TMCs). As TMCs são desenhadas como programas sociais “estruturais” que visam a reduzir a pobreza de longo prazo (e intergeneracional) por meio de transferências monetárias efetuadas em troca de investimentos das famílias em saúde e capital humano/educação. Hoje, a maioria dos países da região conta com TMCs sofisticadas que continuam a contribuir para a redução da pobreza. O Capítulo 4, por sua vez, analisa a ausência, em muitos países, de programas sociais, tais como seguro- desemprego, destinados a ajudar os pobres e vulneráveis durante os aumentos cíclicos da pobreza. Esses “absorvedores de choque” (ou amortecedores cíclicos) têm ampla presença nos países desenvolvidos e constituem uma agenda social pendente para a região. 4 | Quando os sonhos enfrentam a realidade