PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA – Orientações Grupo de Desenvolvimento dos Sistemas de Pagamento Prática Global, Sector Financeiro, Competitividade e Inovação Agosto de 2019 Abreviaturas ATM Automated Teller Machine: caixa eletrônico de pagamento ou caixa automático BNA Banco Nacional de Angola CTSPA Conselho Técnico do Sistema de Pagamentos de Angola EMIS Empresa Interbancária de Serviços EMV Especificação criada pela Europay, MasterCard e Visa para pagamentos eletrônicos seguros de débito e crédito, tendo-se tornado o padrão da indústria, utilizado pelas principais marcas de cartão de crédito, débito e voucher no mundo INACOM Instituto Angolano das Comunicações, entidade responsável pela regulação das telecomunicações em Angola MTTI Ministério das Telecomunicações e das Tecnologias de Informação, de Angola NFC Near Field Communication: é uma tecnologia/conjunto de protocolos que permite a troca de informações entre dispositivos sem a necessidade de cabos ou fios, sendo necessária apenas uma aproximação física POS Point of Sale: o mesmo que TPA PSP Prestador de Serviços de Pagamento QR Code Quick Response Code: em português, Código QR, é um código de barras bidimensional que pode ser facilmente lido e convertido em texto, para posterior utilização; no caso de pagamentos, o código tipicamente veicula informações necessárias para a realização do pagamento ao destinatário dos recursos RTGS Real Time Gross Settlement (vide LBTR) SPA Sistema de Pagamentos de Angola SMS Short Message Service: serviço que permite a transmissão de pequenas mensagens de texto para aparelhos móveis TI Tecnologias da informação TPA Terminal de Pagamento Automático: dispositivo eletrônico que permite o processamento de transações com cartões de pagamento nos pontos de venda ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 2 I. Nota Introdutória 1. O presente relatório insere-se no âmbito do “Projeto de Fortalecimento dos Sistemas de Pagamentoâ€?1, constituindo-se num dos passos intermédios para a elaboração dos planos de ação para implantação dos pagamentos instantâneos e para a interoperabilidade dos pagamentos móveis em Angola. II. Sumário Executivo 2. Este documento destina-se a apresentar o contexto, os motivadores e as questões a examinar pelos reguladores e pelo mercado relativamente à introdução de pagamentos instantâneos em Angola, bem como sugerir os próximos passos. Para esse efeito, resume, por um lado, os princípios gerais aplicáveis à função de superintendência dos bancos centrais sobre os sistemas e serviços de pagamentos de retalho, os motivadores específicos relativamente à implementação de pagamentos instantâneos em Angola, o papel do BNA nesse contexto, bem como as questões para decisão. Relativamente a essas, afigura-se importante considerar: • A priorização dos casos de uso • As vantagens e desvantagens do uso de uma marca única • Definição dos papeis da EMIS • Definição do modelo da plataforma de compensação e liquidação • Modalidades de desenvolvimento da rede de agentes para o cash-in/cash-out • Definição dos papeis das empresas de telefonia no ecossistema. III. Secção 1: Principios gerais relativos à função de superintendência do Banco Central sobre sistemas e serviços de pagamentos de retalho 3. Esta seçcão tem como objetivo lembrar os princípios gerais relativos à função de superintendência, no contexto dos pagamentos de retalho. Estes princípios, que derivam das normas e boas práticas internacionais devem orientar as iníciativas do BNA no âmbito do desenvolvimento do Sistema de Pagamentos Nacional (SPN) de Angola. 4. Os Objetivos de política publica que orientam a função de superintendência do Sistema de Pagamentos Nacional são segurança (fiabilidade) e eficiência; isto para todos os bancos centrais. A maioria dos bancos centrais também considera como objetivos da sua ação no SPN elementos como (1) a proteção do consumidor; (2) a segurança e integridade (protecção contra fraude, branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo); (3) o acesso aberto aos sistemas e serviços de pagamentos, e (4) a promoção da inovação. 5. No contexto do exercício da função de superintendência, os típicos princípios orientadores são: 1 Esse projeto, que é financiado pelo programa FIRST, tem por objeto o Sistema de Pagamentos de Angola, enquadrando- se nos tipos Legal, Estratégico e de Desenvolvimento de Capacidades. Referido projeto tem por objetivo auxiliar o Banco Nacional de Angola: (i) na revisão do quadro legal e normativo relativo ao Sistema de Pagamentos de Angola (SPA), a fim de alinhá-lo com os melhores padrões e práticas internacionais; (ii) na revisão de sua estrutura para realização da vigilância/superintendência sobre o SPA, incluindo a revisão de sua organização interna; (iii) na ampliação do acesso e do uso de contas transacionais em Angola; e, ainda, (iv) na implantação dos pagamentos instantâneos e da interoperabilidade dos pagamentos móveis em Angola. ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 3 a) Credibilidade - a política de superintendência reflete as realidades e os aspectos práticos dos sistemas e seus propósitos; b) ConsisteÌ‚ncia - a poliÌ?tica de superintendeÌ‚ncia eÌ? aplicada de forma consistente ao longo do tempo e entre sistemas semelhantes, incluindo sistemas operados pelo banco central; c) Cooperação - a poliÌ?tica eÌ? formulada e geralmente implementada de forma cooperativa com os principais interessados; d) EficieÌ‚ncia - a intervenção do banco central deve ser apoiada por anaÌ?lises de custo/benefiÌ?cio; e) Proporcionalidade - os requisitos de poliÌ?tica, intervenção e ações são proporcionais e direcionados para as necessidades de poliÌ?tica imediatas; f) TranspareÌ‚ncia - os princiÌ?pios da poliÌ?tica de superintendeÌ‚ncia, o seu enquadramento e as decisões de poliÌ?tica geral são acessiÌ?veis ao puÌ?blico e aÌ€s partes interessadas; g) Inclusão – os pagamentos de retalho, se forem acessiÌ?veis e geridos adequadamente , podem representar um importante fator para a inclusão financeira; e h) Interoperabilidade / Acessibilidade - sistemas e instrumentos de pagamento de retalho devem ser interoperaÌ?veis para garantir um uÌ?nico ponto de entrada aos usuaÌ?rios. 6. Para os sistemas de pagamentos de retalho é possível aplicar o modelo dos Princípios para infraestruturas financeiras do CPMI e IOSCO (PFMIs) com algumas adaptações, tal como exemplificado no quadro abaixo. Exemplo de aplicabilidade dos PFMIs aos sistemas de pagamento de retalho: SPRIS (Sistemas de Pagamento de Retalho de Importância Sistémica) e PIRPS (Sistemas de Pagamento de retalho de Importância Proeminente): Princípios SPRIS SPRIR PrinciÌ?pio 1: Base Legal X X PrinciÌ?pio 2: Governação X X PrinciÌ?pio 3: Quadro para a gestão dos riscos X X PrinciÌ?pio 4: Risco de creÌ?dito X PrinciÌ?pio 5: Garantias X X (parcialmente) PrinciÌ?pio 7: Risco de liquidez X X (parcialmente) PrinciÌ?pio 8: Finalidade da liquidação X X PrinciÌ?pio 9: Liquidação em dinheiro X X PrinciÌ?pio 13: Regras e Procedimentos para a X X inadimpleÌ‚ncia de participantes PrinciÌ?pio 15: Risco Geral de negoÌ?cio X X ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 4 PrinciÌ?pio 16: CustoÌ?dia e risco de investimento X PrinciÌ?pio 17: Risco Operacional X X PrinciÌ?pio 18: Acesso e requisitos de participação X X PrinciÌ?pio 19: Participação por niÌ?veis X X PrinciÌ?pio 21: EficieÌ‚ncia e efetividade X X PrinciÌ?pio 22: Procedimentos de comunicação e normas X X teÌ?cnicas Principio 23: Divulgação e transparência X X Fonte: Banco Mundial e Banco Central Europeu 7. Para além dos serviços e sistemas de pagamentos, a superintendência também deve cobrir os instrumentos e arranjos de pagamentos. 2 Assim, uma política transparente para a superintendência dos instrumentos e arranjos de pagamentos (“payment schemesâ€?) deveria ter os seguintes elementos principais: a) Recolha de informações sobre cada instrumento de pagamento, incluindo o desenvolvimento de criteÌ?rios para identificar quando os instrumentos de pagamento existentes ou novos alcançam um grau de significaÌ‚ncia no mercado; b) AnaÌ?lise de risco; c) Desenvolvimento dos padrões de superintendeÌ‚ncia e consideração, sob cada padrão, de questões-chave; d) Consulta puÌ?blica ou consulta de atores relevantes; e) Desenvolvimento de uma metodologia de avaliação para servir como guia para uma avaliação clara e abrangente de cada instrumento de pagamento em relação aos padrões de superintendência; f) Recolha de estatiÌ?sticas - dados agregados de negoÌ?cios e / ou fraude - relevantes para cada instrumento de pagamento; e g) Adopção de um procedimento comum para a implementação praÌ?tica de actividades de superintendeeÌ‚ncia relacionadas com arranjos de pagamentos. 8. Aos instrumentos de pagamentos de retalho e correspondentes arranjos devem aplicar-se padrões de referência mínimos, explicitados no quadro abaixo, e que incluem a transparência e proteção do consumidor: 2 Esses podem ser definidos como: “um conjunto único de regras, práticas, normas e/ou directrizes para a execução de operações de pagamento, distinto da infraestrutura ou do subsistema de pagamento que serve de base ao seu funcionamento, e que inclui qualquer órgão decisório, organização ou entidade responsável pelo seu funcionamento â€?. ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 5 Areas Elementos-chave Base jurídica • As regras e disposições contratuais que regem o arranjo de pagamento sólida devem fornecer um quadro jurídico completo, inequívoco e aplicável para o bom funcionamento do sistema. • As regras e disposições contratuais devem estar em conformidade, em todas as circunstâncias (também ao longo do tempo e, quando relevante, trans- fronteiras), com a legislação nacional aplicável. Se não for o caso, devem ser tomadas medidas apropriadas para eliminar ou mitigar a não-conformidade. Regimes de boa • Órgãos e processos decisórios eficientes (para prevenir, detectar e responder governação prontamente a perturbações/interrupções). eficazes, • Uma política de segurança atualizada e abrangente (para estabelecer e responsáveis e manter a confiabilidade do arranjo). transparentes • Processos eficazes de controle interno (a fim de evitar qualquer perda de confiança no arranjo), incluindo uma função de auditoria adequada e independente. Grau adequado de • Devem existir controles de segurança adequados para evitar a inadequação segurança, e / ou a falha de processos e sistemas internos como resultado de erro confiabilidade humano ou eventos externos, que poderiam levar a uma perda financeira operacional e para uma ou mais partes usando o instrumento de pagamento, continuidade de negócios enfraquecendo assim a confiança dos usuários. • O arranjo deve usar padrões técnicos e procedimentos adequados na gestão de riscos e segurança, continuidade de negócios e outsourcing. Disponibilidade de • Documentação clara, abrangente e atualizada, prontamente disponível para informação todos os atores. completa para • A informação sensível só deve ser divulgada aos atores relevantes numa todas as partes base de “need to knowâ€?. Protecção do • Articulação das principais características do produto e condições em matéria consumidor e de preços num formato fácil de entender. transparência • Provisão de extrato periódico de contas. • Estrutura de resolução de litígios simples e com prazo definido. • Articulação de indicadores de desempenho operacional do produto, como tempo de liquidação, etc., com recurso possível para o consumidor em caso de não adesão. Acessibilidade e Normas e regras de operação: Interoperabilidade • Conheça o seu cliente e outros requisitos relacionados com a legislação anti- branqueamento de Capitais/financiamento do terrorismo; • Mecanismos de gestão do risco de liquidação; • Requisitos de gestão do risco operacional. Formatos de dados e outros padrões técnicos: ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 6 • Padrões de dispositivos e infra-estrutura, como padrões EMV para terminais POS; • Padrões de numeração de contas, como o IBAN; • Padrões de segurança de dados (PCI DSS, SSL etc.) Inclusão Respeito dos princípios estabelecidos no documento do CPMI e Banco Mundial Financeira “Guiding Principles for the Payment Aspects of Financial Inclusionâ€? Fontes: Guidance for developing a comprehensive national retail payment strategy, World Bank, 2012; Eurosystem framework for oversight of retail payment systems. 9. Para além dos conceitos já mencionados, os pagamentos instantaÌ‚neos deveriam basear-se nos seguintes principios orientadores gerais, refletindo em larga medida as necessidades dos usuários: A) Pagamentos raÌ?pidos: ✓ Todos os Angolanos, incluindo os que não teÌ‚m acesso a contas bancaÌ?rias, poderão enviar e receber dinheiro instantaneamente, independentemente do lugar em que vivem ou da solução de pagamentos que utilizem. ✓ A transação seraÌ? transparente com mensagens ricas em conteudo e informativas para o pagador e o beneficiaÌ?rio, e seraÌ? recebida instantaneamente. ✓ Os usuaÌ?rios finais terão acesso a fundos em tempo real. B) Pagamentos faÌ?ceis: ✓ O processo de fazer pagamentos seraÌ? mais flexiÌ?vel e modular. ✓ Identificadores como o nuÌ?mero de bilhete de identidade, endereço e-mail, nuÌ?meros de telefone e impressões digitais poderão ser usados para executar pagamentos. ✓ Os pagamentos instantaÌ‚neas de conta a conta irão facilitar uma experieÌ‚ncia satisfatoÌ?ria do cliente para os usuarios angolanos e apoiar a inovação. ✓ A introdução de soluções de pagamentos digitais e integradas faÌ?ceis de utilizar e rentaÌ?veis pode reduzir drasticamente a utilização de cheques e reduzir o niÌ?vel de numeraÌ?rio em circulação. C) Pagamentos em regime aberto: ✓ Todos os prestadores de serviços de pagamento têm acesso ao sistema de pagamentos domeÌ?sticos de conta-a-conta, permitindo assim serviços de pagamentos digitais e integrados. ✓ APIs abertas e a transmissção de dados ricos em conteudo promovem a inovação com base no aproveitamento dos dados e novas propostas de valor acrescentado. ✓ Um sistema flexiÌ?vel e aberto proporciona novos modelos e estrateÌ?gias de negoÌ?cios, e novas tecnologias. ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 7 ✓ Introdução de dois tipos de entidades no espaço de pagamento angolano: 1) prestador de Serviços de informações de Conta e 2) prestadores de serviços de iniciação de pagamentos, que promoverão concorreÌ‚ncia e soluções de pagamento inovadoras. D) Pagamentos seguros: ✓ A regulamentação sobre os pagamentos continuaraÌ? a ser adaptada aÌ€ medida que os sistemas de pagamentos continuarem a evoluir, para garantir que os usuaÌ?rios e os reguladores tenham um alto niÌ?vel de confiança no sistema de pagamentos. ✓ os processos padronizados e automatizados e o processamento dos pagamentos em tempo real minimizam custos e riscos. ✓ os erros dos sistema serão minimizados e a fraude seraÌ? resolvida rapidamente, especialmente no estaÌ?gio inicial. ✓ padrões internacionais: o padrão de mensagens ISO20022 deve ser usado; tambeÌ?m eÌ? necessario assegurar a conformidade com outras normas (“standardsâ€?) relacionadas com a implementação do sistema de TI e segurança de dados. ✓ resilieÌ‚ncia melhorada: a disponibilidade do sistema deve ser assegurada em um niÌ?vel de tempo de atividade de 99,9% por meÌ‚s. ✓ usabilidade: o sistema deve ser de faÌ?cil utilização e apoiar a integração mais faÌ?cil e raÌ?pida de novos participantes. 10. Para além das normas e boas práticas internacionais, no contexto Angolano, foram consagrados alguns objetivos e princípios específicos. Estes decorrem do estudo que o BNA solicitou aÌ€ EMIS, como seu parceiro tecnoloÌ?gico, para a definição do melhor modelo de implementação do Sistema de Pagamentos MoÌ?veis (SPM), designado como “Resumo Executivo do Estudo para a selecção do modelo de Sistema de Pagamentos MoÌ?veis em Angolaâ€?. De acordo com esse estudo de 2012, o SPM deveria ser pautado pelos seguintes objetivos e princiÌ?pios: I. Universal e aberto: acesso a todos os utilizadores em qualquer telemoÌ?vel do mercado; II. Regulado e supervisionado: congruente com os requisitos da lei do Sistema de Pagamentos de Angola; III. Seguro e antifraude: assegura segurança do subsistema e total confidencialidade da informação pessoal e permite “rastreabilidadeâ€? e “auditabilidadeâ€?; IV. Financeiramente sustentaÌ?vel: cria um subsistema de pagamentos soÌ?lido, que perdure no tempo e que potencie a sua evolução futura; e V. Maximizar a inclusão financeira: promove a melhor acessibilidade a clientes, particularmente “não bancarizadosâ€?. IV. Secção 2: Pagamentos instantâneos – Motivadores – contexto angolano 11. O sucesso da implantação de um ecossistema de pagamentos instantâneos depende, dentre outros fatores relevantes, da correta identificação dos objetivos de política e de situações factuais relacionadas que motivam a estruturação de um novo ecossistema, para que sirvam de ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 8 importantes balizadores para o projeto, desde a sua fase de concepção e definição do arcabouço geral, até a etapa de especificação funcional do arcabouço geral definido. 12. Somente dessa forma é possível uma correta definição de rumos e, ainda, o monitoramento e avaliação do cumprimento dos objetivos estabelecidos, após a implantação. Nesse contexto, esta seção apresenta os motivadores para a implantação do ecossistema de pagamentos instantâneos no contexto angolano. A. Necessidade de aumentar a Inclusão Financeira 13. Uma das principais motivações para a implantação dos pagamentos instantâneos em Angola é a ampliação da inclusão financeira; nesse sentido, o acesso aos serviços de pagamento apresenta- se como um facilitador desse processo de inclusão, em especial porque essa categoria de serviços representa uma das necessidades mais básicas da vida econômica das pessoas: realizar os pagamentos correspondentes às obrigações assumidas na vida cotidiana. 14. De fato, o modelo de contas ofertadas tradicionalmente pela rede bancária tem falhado em alcançar significativa parcela da população do país, tendo em vista a regulação imposta aos bancos, tanto no aspeto prudencial quanto em questões atinentes aÌ€ necessidade de “conhecer o seu clienteâ€? (relacionadas à prevenção ao branqueamento de dinheiro e ao combate ao financiamento ao terrorismo), que acabam acarretando altos custos e exigências documentais difíceis de serem cumpridas por parcela significativa da população angolana. 15. Em relação ao uso de cartões de pagamento, o seu acesso é dificultado não só, como foi explicado, pelas dificuldade de acesso a contas bancárias, mas também por fatores tais como a falta de proximidade /disponibilidade de ATMs e POS, custo elevado de adesão/utilização, falta de literacia financeira, etc. Adicionalmente, o acesso a um cartão de crédito, além dos custos envolvidos para pagadores e recebedores (anuidades, taxas de desconto etc.), ainda traz novas exigências, como por exemplo, um histórico de crédito do usuário. Naturalmente, numa situação em que se pretende utilizar a dinâmica de pagamentos como porta de entrada para outros produtos e serviços financeiros (pagamentos como elemento facilitador da inclusão financeira), pode-se concluir pela inexistência desse histórico de crédito. 16. Ainda sobre o cartão de crédito, mesmo que superada a questão da falta de um histórico de crédito pela parcela não atendida (ou mal atendida) pelos prestadores de serviços financeiros, entendemos que os altos custos tipicamente associados às linhas de crédito ofertadas por meio desse instrumento em conjunto com a baixa literacia financeira dessa parcela da população tornam desaconselhável o fomento desse instrumento no âmbito de um esforço de inclusão financeira, em especial, pelo risco de sobre-endividamento desses usuários. 17. Ademais, no contexto da avaliação de opção pela priorização dos pagamentos com cartões, não se pode desconsiderar o diagnóstico de necessidade de evolução tecnológica dos cartões, da atual banda magnética para o uso de chip no padrão EMV, dado o alto índice de fraudes com a tecnologia atual, além de uma possível utilização da tecnologia NFC (Near Field Communication), que permite a realização de pagamentos por aproximação. 18. Vale lembrar que a adoção dessas tecnologias requer uma rede de POS compatível tanto com a leitura de cartões com chip quanto NFC. Assim, a ampliação do uso de cartões de pagamento traz ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 9 a necessidade de investimentos na rede de TPAs atualmente instalada no país, não só na sua necessária ampliação, mas também na sua modernização, concorrendo com outros investimentos necessários a serem realizados pelos mesmos agentes econômicos, como no caso dos próprios pagamentos instantâneos. 19. Imprescindível, portanto, na definição das soluções para endereçar o tema, avaliar a real capacidade de os agentes de mercado investirem simultaneamente na troca de cartões para incluir novas tecnologias (chips EMV e NFC) e na troca da rede de terminais TPAs (para torná-los compatíveis com essas novas tecnologias) ao mesmo tempo em que realizam os necessários investimentos para viabilizar a implantação dos pagamentos instantâneos em Angola. 20. Dessa forma, o acesso a contas transacionais3 (em particular, às contas de pagamento) por meio de canais de acesso alternativos (como os telemóveis e os agentes/correspondentes) no âmbito do ecossistema de pagamentos instantâneos apresenta-se como uma alternativa a ser considerada na facilitação da inclusão financeira em Angola. 21. Isso porque essa forma de acesso a contas de pagamento e aos serviços a ela conectados tende a ser mais barata, considerando que a adoção de uma regulação proporcional aos riscos dessas contas resulta em menor custo regulatório4; os sistemas que dão suporte a essas contas usam novas tecnologias, com menores custos de manutenção quando comparados aos sistemas legados (“legacy systemsâ€?) dos bancos; a infraestrutura de telefonia móvel apresenta-se como um canal de acesso de baixo custo vis-à-vis os canais físicos (agências dos bancos), e mesmo de canais de acesso eletrônicos, como é o caso das redes de ATM assim como de TPAs. B. Necessidade de aumentar a eficiência do sistema de pagamentos de retalho implica aumentar a eletronização dos pagamentos 22. Em Angola, os pagamentos realizados por instrumentos baseados em papel (cheque e dinheiro) representam uma grande parcela do total de pagamentos. No atual estágio de avanços tecnológicos e de maturidade dos procedimentos e mecanismos que suportam a realização de pagamentos eletrônicos, infere-se que há potencial expressivo de eletronização dos pagamentos na jurisdição angolana. 23. Nesse contexto, vários estudos realizados em âmbito internacional apontam para o fato de que os pagamentos eletrônicos são socialmente mais baratos que os pagamentos realizados por meio de instrumentos baseados em papel (cheque e dinheiro). Por outras palavras, a migração de pagamentos por meio de instrumentos baseados em papel para instrumentos eletrônicos gera expressiva economia de recursos para o país, tornando possível uma alocação mais eficiente dos recursos financeiros na economia. A esse respeito, pode apontar-se a metodologia desenvolvida pelo Banco Mundial no documento “Retail payments : a practical guide for measuring retail 3 Por conta transacional deve-se compreender tanto uma conta de depósitos tradicional como uma conta de pagamento, a partir da qual o usuário pode realizar pagamentos. 4 A oferta de contas com serviços mais restritos (e menos arriscados sob a ótica dos riscos financeiros) possibilita menores exigências regulatórias. ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 10 payment costsâ€?, que propõe uma metodologia para medir esses custos e correspondentes benefícios do processo de eletronização5. 24. Para além disso, a atual cesta de instrumentos de pagamento eletrônicos apresenta-se insuficiente para suportar os casos de usos que já requerem pagamentos eletrônicos. 25. Por um lado, os cartões de pagamentos não possuem uma rede de TPAs com a necessária abrangência geográfica, não apresentam estrutura de custos compatível com uma parcela relevante da população angolana e, ainda, possuem nível de fraude não desprezíveis. No contexto do país, o tratamento dessas questões implica custos e dificuldades já apontados no item anterior, além da necessidade de investimento concorrer, em termos de tempo e recursos financeiros, com a implantação de um ecossistema de pagamentos instantâneos. 26. Por outro lado, as atuais transferências a crédito não atendem à velocidade exigida pela dinâmica econômica atual de vários casos de uso (isso sem mencionar os incumprimentos dos prazos atualmente estabelecidos na regulação aplicável a essas transferências). Para além disso, essas transações não são cômodas para seus usuários, requerendo, por exemplo, a entrada do código identificador do banco e do IBAN da conta, além de outras informações do recebedor. Em suma, as atuais transferências de crédito requerem um procedimento trabalhoso para seu envio e o prazo para sua liquidação, além de demorado em relação às exigências da vida moderna, é, não raro, descumprido. 27. Por fim, vale destacar que mesmo para os jaÌ? “bancarizadosâ€?6, o grande contingente de “não- bancarizadosâ€? em Angola prejudica a utilização dos instrumentos eletrônicos e, por consequência, a ampliação dos ganhos sociais associados ao “efeito redeâ€? característico dos serviços de pagamento. Isso porque os “bancarizadosâ€? que desejam realizar seus pagamentos de forma eletrônica, esbarram na impossibilidade de assim proceder em razão de o recebedor “não- bancarizadoâ€? não estar apto a realizar esse tipo de transações, impedindo o avanço da parcela de pagamentos eletrônicos realizados no país. Isso demonstra o necessário diálogo e a complementariedade existente entre as políticas públicas: “o aumento da eficieÌ‚ncia do sistema de pagamentos de retalhoâ€? facilita o “aumento da inclusão financeiraâ€? e dela (inclusão financeira) se retroalimenta. C. Atores do mercado vêm desenvolvendo serviços de pagamento baseados nos canais de telefonia móvel de forma não coordenada 28. O surgimento, no mercado angolano, de diversas iniciativas de arranjos de pagamentos instantâneos closed-loop (também denominados arranjos fechados), num movimento de corrida pela “solução vencedoraâ€?, somado ao fato de que existe uma empresa de telefonia móvel com posição fortemente dominante, trazem desafios para a constituição de um ecossistema saudável para os pagamentos instantâneos e indicam a necessidade de atuação do regulador na coordenação dos agentes econômicos e na definição de regras que visem a garantir o interesse público. 5 http://documents.worldbank.org/curated/en/255851482286959215/Retail-payments-a-practical-guide-for-measuring- retail-payment-costs 6 Por “bancarizaçãoâ€?, no contexto aqui utilizado, deve-se entender, no mínimo, como o acesso a uma conta transacional em um prestador de serviços de pagamento, seja ele banco ou não. ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 11 29. Considerados os cenários extremos, mas plausíveis, pode-se ter (i) o surgimento de uma solução vencedora única, monopolística, com inerente potencial para abuso de poder de mercado, podendo implicar em baixa inovação nesse mercado, acarretando, também, maior ônus para o regulador, com o aumento na necessidade e no escopo da regulação; (ii) a multiplicação de soluções sem uma solução vencedora e sem interoperabilidade, acarretando em perda dos efeitos de rede, ineficiência na alocação dos investimentos privados, com possibilidade de inexistência de uma solução economicamente viável no longo prazo; e (iii) a multiplicação de soluções, sem uma solução vencedora, mas com interoperabilidade, possibilitando ganhos pelos efeitos de rede, mas criando complexidade das regras e potencial prejuízo/dificuldade do entendimento do produto para os clientes, tendo em vista a necessidade de acordos bilaterais entre os agentes de mercado, acordos esses que tendem a não ser homogêneos. 30. Além disso, a posição dominante de uma das empresas de telecomunicações traz consigo os riscos de abuso de poder de mercado, tendo em conta a necessidade de que sua rede seja utilizada como infraestrutura para os PSPs. Nesse sentido, corre-se o risco de que sejam estabelecidas condições desvantajosas para concorrentes no uso dos canais de telefonia, tanto em termos do preço cobrado como da qualidade dos serviços prestados. Assim, verifica-se que há potencial para que essa empresa utilize seu poder de mercado no mercado de telefonia para dominar o mercado de pagamentos. 31. Por fim, vale destacar que a presença de empresas de telefonia na prestação de serviços de pagamento nos mercados mais avançados não se mostra relevante - por outras palavras, essas empresas têm sido superadas por fintechs e bigtechs na oferta de serviços de pagamento inovadores nesses mercados. Isso mostra que a atuação das empresas de telefonia (direta ou indiretamente) na prestação de serviços de pagamento está longe de ser um condicionante para a oferta dos pagamentos instantâneos, que tipicamente, fazem uso intensivo da infraestrutura de telefonia móvel. 32. Por outro lado, elas são essenciais para um uso acrescido dos pagamentos instantâneos, sob o aspecto de fornecimento de infraestrutura básica para os prestadores desses serviços. D. Construção de um ecossistema de pagamentos capaz de suportar e impulsionar as alterações sociais em curso, em especial a digitalização 33. Outro importante direcionador eÌ? a construção de um “ecossistema de pagamentos do futuroâ€?, tendo em conta a rápida evolução tecnológica, os aperfeiçoamentos das redes de telecomunicações e a revolução digital em curso nas sociedades contemporâneas. O desenvolvimento do ecossistema de pagamentos instantâneos, portanto, além de endereçar as necessidades atuais da jurisdição angolana, precisa ter uma “visão de futuroâ€? para que ele suporte e impulsione a dinâmica de pagamentos projetada para daqui a alguns anos – em um contexto de utilização em massa das compras remotas (e-commerce e m-commerce); de melhoria na renda média dos cidadãos angolanos; de maior literacia financeira; de maior acesso às tecnologias de última geração (smartphones e redes de telefonia 4G/5G), etc. 34. Mostra-se, portanto, fundamental que as especificações do ecossistema suportem um modelo multiprodutos e multicanal, compatível com uma evolução suave do cenário atual para o cenário futuro projetado. ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 12 35. Ademais, devemos lembrar que o arcabouço legal do país está em vias de modernização. Assim, a melhoria do arcabouço traz potencial de aumento na concorrência de serviços de pagamento; em especial, a prestação dos “pagamentos instantaÌ‚neosâ€? deve estar alinhado com esse novo arcabouço a fim de caminhar na construção daquilo que será o “sistema de pagamentos angolano do futuroâ€?, com atores não tradicionais e inovadores participando e colaborando para a adequação dos serviços de pagamento aÌ€s necessidades de uma sociedade mais “conectada e digitalizadaâ€?. E. A baixa literacia financeira é um obstáculo mas politicas adecuadas nesta área podem ser um elemento fundamental de sucesso das iniciatives de modernização do setor de pagamentos de retalho 36. A baixa literacia financeira da população, especialmente a parcela não bancarizada, público-alvo relevante a ser atingido pelo projeto, exige reflexões acerca do desenho dos produtos de pagamento a serem oferecidos no ecossistema de pagamentos instantâneos. De forma objetiva, os produtos de pagamentos devem apresentar um user experience compatível com esse cenário, ou seja, para a efetiva adoção da nova modalidade de pagamentos é imprescindível que o usuário consiga realizar esses pagamentos de forma fácil e intuitiva. 37. Por outro lado, não se pode desconsiderar a grande heterogeneidade dos futuros usuários dessa modalidade de pagamentos, cujo foco principal, repita-se, são os “desbancarizadosâ€?, mas que não está limitado a esses usuários. É de se presumir, portanto, que os atores de mercado prestarão produtos distintos para públicos diferentes. Todavia, não se deve perder de vista que esses produtos devem ser ofertados sob um ecossistema de pagamentos comum, permitindo o inter-relacionamento de todos os possíveis usuários do ecossistema. 38. Por fim, ainda sobre questão que envolve literacia financeira, considerando a necessidade de uma ampla rede de agentes (para fins de cash-in/cash-out), pode-se vislumbrar o potencial de aproveitamento da rede de agentes como replicadores de educação financeira, no sentido de que possam ajudar os usuários no adequado uso dos serviços que lhes são proporcionados pelo acesso às contas transacionais e aos pagamentos instantâneos. 39. Em matéria de literacia financeira e uso de serviços de pagamentos, o Banco Mundial tem desenvolvido ao longo dos anos programas como “Greenback 2.0â€? 7 , que se aplica específicamente às remessas de valores, mas que constitui um exemplo que pode ser replicado para o tema dos serviços de pagamentos. 40. Em suma, os fatores acima descritos nesta secção ilustram que a implementação de pagamentos instantâneos pode contribuir para a realização dos objetivos de política pública da função de superintendência descritos no ponto anterior, posto que tal implementação seja acompanhada de uma análise de custos e benefícios. V. Secção 3: Pagamentos Instantâneos – Papéis do BNA sob uma perspectiva prática I. Identificação de stakeholders 7 https://remittanceprices.worldbank.org/en/project-greenback-20-remittances-champion-cities ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 13 41. Para o bom andamento da iniciativa, é preciso que o BNA identifique os diversos stakeholders envolvidos no processo, ou seja, aqueles atores que, de alguma forma, tem o potencial de integrar o ecossistema ou de influir na construção do ecossistema – instituições financeiras, instituições de pagamento, fintechs, prestadores de serviço de tecnologia, prestadores de serviço de liquidação, empresas de telecomunicações, órgãos de governo, departamentos do BNA etc. – com a respectiva indicação de posicionamento esperado de cada um desses atores. 42. O mapa de stakeholders tem como objetivo sensibilizar quem está fora; minimizar as preocupações e resistências de quem está em posição de oposição; além de refletir a voz daqueles agentes que apoiam a iniciativa. Isso faz com que o projeto ganhe força e tração, maximizando as chances de sucesso. 2. Coordenação dos esforços da indústria 43. Um dos papéis tipicamente exercidos pelos bancos centrais, quando se trata de sistema de pagamentos, é o de catalizador da atuação dos agentes privados. Assim, no exercício desse papel, cabe ao BNA sinalizar aos agentes envolvidos – tanto públicos como privados – a necessidade da indicação de priorização de esforços e de investimentos (essa priorização inclui não somente o que precisa ser feito, mas sobretudo o sequenciamento daquilo que precisa ser feito). 44. Essa sinalização é importante para garantir que todos os agentes envolvidos apliquem os seus respectivos recursos buscando uma mesma direção, possibilitando o atingimento dos objetivos públicos previamente definidos. Ademais, a sinalização permite que os agentes tenham a informação e o tempo necessários para tomar decisões estratégicas que viabilizem os investimentos no tempo correto. 45. A coordenação de esforços deve ser feita de forma sistematizada e aberta, razão pela qual o CTSPA apresenta-se como locus ideal para essa interação. No âmbito das interações no CTSPA e, se necessário, em processos de consulta fora dele, o BNA deve considerar a necessidade de obter contributos do mercado da forma mais ampla possível, de agentes de naturezas ou posicionamentos diversos (utilizando-se o mapa de stakeholders). 46. Essa abordagem permite que os contributos cheguem ao BNA com a necessária multiplicidade de visões, permitindo um processo mais robusto de formação de convicções e de tomada de decisão. No processo de consulta ampla ao mercado, um dos desafios é obter informações de agentes que potencialmente existirão no ecossistema, mas que, na jurisdição angolana, ainda não prestam serviços de pagamentos – caso específico de fintechs. Nesse contexto, o BNA pode avaliar a conveniência de consultar fintechs com presença em outros países africanos, a fim de compor o mosaico de agentes a serem ouvidos pelo BNA. 47. Ainda na função de coordenador dos agentes de mercado, pode ser necessário que o BNA atue como um mediador nos conflitos de interesse entre stakeholders, a fim de encontrar um ponto de equilíbrio que leve ao bom funcionamento do ecossistema. 48. Por fim, deve-se reconhecer que o papel de coordenador requer que o BNA, na qualidade de agente de Estado e ente neutro no mercado, tome decisões relevantes para o sucesso da ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 14 iniciativa, sempre em estrita observância do interesse público, ainda que essa decisão encontre oposição por parte significativa dos agentes privados consultados. Exemplifica essa questão a criação de uma marca geral para o ecossistema de pagamentos instantâneos, dado o papel dessa marca no crescimento potencial dos pagamentos por meio desse ecossistema. 3. Cooperação e articulação com outras entidades governamentais 49. Na coordenação de esforços com agentes públicos, cabe ao BNA levar os requisitos do ecossistema de pagamentos instantâneos relativas à infraestrutura de telefonia aos reguladores da telefonia móvel (INACOM e MTTI). 50. Ainda em relação à infraestrutura de telefonia móvel, cabe ao BNA propor a discussão com o regulador do setor de telefonia móvel, no sentido de que existam regras de não discriminação (preço e qualidade) na prestação dos serviços de telefonia (inclusive serviços SMS e USSD) aos diversos prestadores de serviços de pagamento. Seria interessante, ainda, que o BNA desse início ao movimento (ainda que gradual, se necessário) de reposicionamento das empresas de telecomunicações, deixando claro que sua participação é como fornecedor de infraestrutura desse ecossistema (sem prejuízo de que essas empresas, se assim o entenderem, constituam subsidiárias com o objetivo de presar serviços de pagamento). 3. Articulação “interna corporisâ€? 51. A iniciativa do projeto para implantação dos pagamentos instantâneos envolve e impacta, direta e indiretamente, diversos componentes funcionais do BNA. A título de exemplo, pode-se mencionar unidades envolvidas no processo de autorização e/ou de supervisão dos novos agentes; unidades envolvidas com as questões relacionadas ao fomento da literacia financeira; unidades responsáveis pela comunicação institucional etc. 52. Para que todos estejam empenhados e cientes de suas responsabilidades, tornam-se necessárias ações planeadas de articulação interna e disseminação do conhecimento a respeito do projeto, a fim de não somente garantir o sucesso da implantação dos pagamentos instantâneos em Angola, mas também a adequação dos processos internos do BNA a essa nova realidade. II. Secção 4: Questões para decisão 53. Em direção à implantação dos pagamentos instantâneos em Angola, algumas decisões-chave precisam ser avaliadas e tomadas. São elas: A. Priorização de casos de uso 54. A escolha dos casos de uso é essencial não somente para focar os esforços de todos os agentes envolvidos, mas também para garantir que haverá utilização suficiente da nova modalidade de pagamentos, modificando e/ou criando novos hábitos de pagamento, buscando-se atender assim à necessidade de trazer fluxos de pagamento recorrentes e de grande quantidade para o ecossistema. 55. Nesse sentido, cabe alertar que escolhas muito limitadas em termos dos casos de uso a serem disponibilizados aos usuários podem prejudicar o crescimento da plataforma de pagamentos. ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 15 Uma má experiência do usuário pode levar a um desinteresse pela plataforma, cuja reversão é sempre difícil. 56. Assim, é preciso avançar no estudo dos casos de uso mais comuns em Angola, a fim de avaliar se a proposta inicial (P2P, isto é, transferências/remessas entre pessoas) atende a necessidade de geração de fluxos de pagamento recorrentes e em grande quantidade (na experiência internacional, os pagamentos P2B representam a parcela expressiva da quantidade de pagamentos capaz de gerar massa crítica; além disso, os pagamentos P2B são de grande relevância para rentabilizar os serviços prestados no âmbito do ecossistema, considerando-se que as transações P2P são subsidiadas ou, até mesmo, não são cobradas em muitos modelos existentes). B. Marca única para o ecossistema 57. Em discussões anteriores, relacionadas com a implantação dos pagamentos móveis em Angola, a questão da convivência entre uma marca geral, que caracterizaria o serviço de pagamentos móveis em nível nacional, e as marcas individuais de cada um dos prestadores de pagamento no âmbito desses arranjos de pagamento foi levantada. 58. Pensando na implantação dos pagamentos instantâneos, a despeito de alguma reação negativa por parte de alguns agentes de mercado, é importante destacar que a experiência internacional demonstra que a existência de uma marca forte pode ser fundamental na penetração do novo instrumento de pagamento, facilitando o alcance dos objetivos pretendidos com a introdução do ecossistema de pagamentos instantâneos em Angola. Isso não impediria, todavia, que houvesse uma convivência de uma marca principal com marcas individuais (nesse caso não seria “marca uÌ?nicaâ€?), se assim for percebido que elas podem permitir diferenciação e competição na prestação de serviços aos usuários finais, preservadas as características essenciais determinadas pelas regras do arranjo (representadas pela marca principal). 59. É preciso, portanto, detalhar a análise dos pontos favoráveis e desfavoráveis trazidos pela adoção dos modelos (i) de marca única, (ii) de convivência de uma marca principal com marcas individuais ou (iii) de marcas individuais apenas, e, com base nesse levantamento, tomar a decisão mais adequada para o ecossistema. C. Definição dos papéis da EMIS 60. É preciso avaliar quais papéis a EMIS deveria exercer no âmbito do ecossistema de pagamentos instantâneos, considerando que hoje ela atua como switch e como prestador de serviços de compensação e de liquidação das transações com cartões de pagamento em Angola. 61. Uma das questões a serem endereçadas para que a EMIS possa desempenhar papéis relevantes nesse ecossistema é a adequação da sua estrutura de governação, a fim de garantir a neutralidade desse agente perante as diversas modalidades de participantes do ecossistema. 62. Ainda com respeito à neutralidade, a atuação da EMIS não só como infraestrutura para todos os participantes, mas também como concorrente desses participantes gera um conflito de ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 16 interesses de difícil convivência. Dessa forma, é preciso deixar claro, sob a ótica normativa, a necessidade de neutralidade dos prestadores de serviço de compensação e de liquidação, assim como dos próprios switch, em relação aos participantes, vedando que esses agentes exerçam atividades nas quais concorram com os participantes desses sistemas. D. Definição do modelo da plataforma de compensação e liquidação 63. Em relação à plataforma a ser construída para o ecossistema de pagamentos instantâneos, os requisitos devem deixar clara a necessidade de essa plataforma ser compatível com diversos produtos e canais de acesso (modelo multi-produto/multi-canal), possuindo regras flexíveis de protocolos de comunicação e, dessa forma, facilitando uma participação mais heterogênea no ecossistema. 64. Em relação à prestação de serviços de compensação e de liquidação para o ecossistema de pagamentos instantâneos, o BNA deve escolher se esse sistema deverá realizar a liquidação em tempo real, a exemplo do modelo Europeu (maior tempo de desenvolvimento e necessidade de maior maturidade da TI do BNA), ou se adotará a liquidação diferida (a exemplo do modelo utilizado pelo Reino Unido). 65. É preciso definir, ainda, se o BNA será o operador desse sistema ou se ele deverá ser operado por um agente privado. Nesse sentido, é preciso que o BNA avalie os custos e benefícios relacionados à operação pelo próprio BNA, que vão desde o investimento inicial, tanto em recursos humanos com financeiros, até a necessidade de manter um sistema em produção no modelo 24x7x365 com altíssima disponibilidade. 66. Caso a opção seja pela operação por um agente privado, deve-se prestar especial atenção à questão da governação, em linha com o preconizado nos Princípios para Infraestruturas do Mercado Financeiro. Não se pode descurar que a área de pagamentos tem sido um expoente em termos de inovação trazida pelas fintechs e o ecossistema de pagamentos instantâneos deve ser favorável ao aumento da competição e da inovação nos serviços de pagamento de retalho. 67. Nesse sentido, o BNA deve ter poderes para interferir na definição das regras gerais do funcionamento da plataforma, inclusive para assegurar o acesso e participação amplos e não discriminatórios, em especial, no que se refere aos PSPs entrantes/não tradicionais. E. Definição quanto à separação (ou não) dos papéis das empresas de telefonia móvel no âmbito do ecossistema de pagamentos instantâneos 68. É importante que seja avaliada a necessidade de separar o papel das empresas de telefonia, em especial, telefonia móvel, enquanto prestadoras de infraestrutura básica para a realização de pagamentos eletrônicos vis-à-vis sua atuação como prestadoras de serviços de pagamento. Deve-se, então, decidir se essas empresas poderão atuar como prestadores de serviços de pagamento ou, ao contrário, tal atuação exigiria a constituição de empresa específica. 69. Tem-se aqui, como no caso da prestação dos serviços de compensação e de liquidação, um potencial conflito de interesses ocasionado pela atuação como prestador de serviços de telecomunicação para os prestadores de serviços de pagamento e uma atuação de concorrência ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 17 com esses mesmos dois tipos de prestadores. Esses potenciais conflitos de interesse podem, inclusive, se manifestar pela diferenciação no preço ou na qualidade dos serviços prestados aos demais PSPs. 70. De notar que a simples obrigação de abrir empresa específica não contorna, em definitivo, os conflitos de interesse e, portanto, a necessidade de monitoramento da atuação das empresas de telefonia. Mas, por outro lado, a não separação implica maior necessidade de interação entre os reguladores dos serviços de pagamento (BNA) e os reguladores dos serviços de telefonia (MTTI /INACOM), ou, em outras palavras, essa separação permite melhor isolar a regulação de serviços de telefonia da regulação de serviços de pagamento, mitigando as zonas cinzentas entre os reguladores de telefonia e de pagamentos, facilitando sobremaneira o necessário monitoramento das empresas. 71. Em suma, deve-se definir se as empresas de telefonia poderão ou não atuar como prestadores de serviços de pagamento8 e, em podendo, se essa prestação poderá ser realizada diretamente por essas empresas ou por meio de empresa constituída especificamente para este fim. 72. Finalmente, cabe destacar que a efetividade dessa medida permanece ligada ao estabelecimento de regras de prestação de serviços de telefonia que garantam a oferta desses serviços em igualdade de condições (qualidade e preço) para os distintos PSPs, a fim de evitar abuso do poder de mercado por parte das empresas de telefonia. F. Rede de correspondentes/agentes 73. Considerando que os potenciais usuários desse sistema podem estar habituados a realizar pagamentos apenas em dinheiro, tendo pouca familiaridade e alguma desconfiança em relação aos instrumentos de pagamento eletrônicos, a existência de uma rede razoavelmente ampla para o cash-in/cash-out (CICO) das contas transacionais afigura-se como elemento importante para a adoção da nova forma de pagamento. 74. É razoável imaginar que essas formas – pagamentos instantâneos e em dinheiro – irão conviver por muito tempo, o que enfatiza a importância da existência de uma ampla rede para CICO. 75. Nesse sentido, deve-se considerar que a constituição de uma rede de correspondentes/agentes apresenta-se como uma alternativa mais barata, se comparadas às redes de agências bancárias e, mesmo, às redes de ATM (cuja penetração geográfica em Angola é aquém das necessidades da população que se pretende atingir). 76. Assim, é importante que a regulação favoreça a construção de uma ampla rede de agentes que esteja conectada às contas transacionais que suportam o ecossistema de pagamentos instantâneos em Angola. Ademais, é fundamental que esses agentes passem pelo devido treinamento, inclusive abordando a separação da atividade de agente das demais atividades por ele desempenhadas, a fim de garantir a solidez financeira desses agentes e, por conseguinte, do próprio canal de acesso. 8 Essa questão está a ser solucionada no âmbito da modernização do arcabouço legal angolano. ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 18 77. Ainda em relação à rede de agentes, deve-se prestar atenção à sua gestão, em especial, no tocante à liquidez dos agentes, considerado, como já dito, o convívio com o dinheiro em numerário. 78. Além disso, deve-se avaliar cuidadosamente as vantagens e desvantagens de se estabelecer uma rede compartilhada de agentes para a realização dessas tarefas. 79. No que se refere à rede de ATMs, deve-se procurar a sua mutualização pelo mercado, por meio de um modelo de negócio que remunere e estimule o desenvolvimento dessa rede. III. Secção 5: Considerações finais – Proximos Passos 80. Os próximos passos relativamente à implementação dos pagamentos instantâneos terão como objetivo pôr em prática o processo sugerido nesta nota, nomeadamente na Secção 3: • Identificação de stakeholders e constituição de uma Task-Force para analisar as questões para decisão explicitadas na Secção 4 • Adopção de um calendário e de termos de referência para a Task-Force. Na redação dos termos de referência para a Task-force, devem considerar-se as áreas em que a Task-Force terá um papel importante em matéria de consulta e parecer. Os termos de referência devem mencionar claramente os produtos (“deliverablesâ€?) a entregar (tais como eventuais estudos, por exemplo sobre casos de uso, marca única, etc. • Organização das reuniões da Task-Force pelo BNA que se encarrega do seu secretariado e cumprimento do calendário. • Tomada de decisão pelo BNA sobre as questões apresentadas na Secção 4 deste draft, bem como outras que se afigurem importantes. ANÃ?LISE DA SITUAÇÃO DOS PAGAMENTOS INSTANTÂNEOS E MÓVEIS EM ANGOLA 19